- 09.09
- 2022
- 18:40
- Maria Esperidião, Rafaela Sinderski e Paula Neiva
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Abraji registra violações contra imprensa nas últimas semanas
Crédito da foto de capa: João Leoci.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) registrou, nas duas últimas semanas, 13 casos de violações à liberdade de imprensa no país. Já são 330 alertas em 2022, segundo o monitoramento de ataques a jornalistas e comunicadores/as feito pela organização em parceria com a rede internacional Voces del Sur.
Um dos episódios que entraram para o monitoramento da Abraji foi o do fotojornalista João Leoci, que tem 20 anos de profissão. Nos últimos quatro anos, Leoci vem trabalhando na região da Cracolândia, em São Paulo, e é freelancer de veículos como Ponte Jornalismo.
Na tarde de quinta-feira passada (1.set.2022), durante uma operação policial que resultou na detenção de 14 pessoas, o fotógrafo e o psiquiatra Flávio Falcone foram levados à 77° Delegacia de Polícia. O médico e alguns voluntários usam uma bicicleta com uma caixa de som nas atividades com a população de rua. Leoci afirma que foi impedido de fotografar antes de ser detido e que, naquele momento, atuava como fotógrafo.
À Abraji, o documentarista disse ter sido detido mesmo depois de ter se identificado para o delegado Severino Vasconcelos. “Como parte da minha estratégia para me aproximar e socializar com os moradores, não uso coletes com identificação de imprensa, mas afirmei que estava cobrindo a operação”, pontuou.
O fotojornalista, Flávio Falcone e os demais abordados pela polícia foram liberados depois de algumas horas. A Polícia Civil alega que o grupo foi detido por perturbação do trabalho ou do sossego alheio.
Segundo nota enviada à Abraji pela assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, moradores da região central denunciaram que o barulho da caixa de som gerava transtornos. “Oito moradores já foram ouvidos e novos depoimentos serão colhidos nos próximos dias. A caixa de som foi apreendida para perícia, que constatou a prática de crime ambiental, tendo em vista que a caixa de som estava com a altura em 96 decibéis”, afirma a nota.
Questionada por qual motivo o fotojornalista foi advertido para não registrar as detenções na delegacia, a SSP informou apenas que, “quanto à gravação de imagens em delegacias, a Polícia Civil orienta que as mesmas devem sempre preservar as partes, testemunhas, vítimas e funcionários presentes nas unidades”.
Para a advogada Juliana Valente, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, causa estranheza a orientação da polícia de impedir o freelancer de trabalhar. “Acompanhei o caso na delegacia, e pudemos observar que a ordem de não fotografar foi direcionada apenas ao fotógrafo, a Rede Bandeirantes continuava gravando”, declarou.
Valente pontua também que, de acordo com a Constituição Federal, todo cidadão tem o direito de gravar uma ação policial, sobretudo se há suspeitas de ilegalidade nas abordagens feitas por forças de segurança, que podem configurar violações de direitos humanos.
A advogada indica que, em casos assim, o cinegrafista deve denunciar o agente público a várias instituições, como Ministério Público, Defensoria Pública, além das Corregedorias dos órgãos policiais e da própria Comissão de Direitos Humanos da OAB.
Impedir que um cidadão registre uma ação policial também fere o direito à informação e descumpre a Declaração de Princípios Sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da qual o Brasil é signatário.
O tratado internacional assegura que “as leis de privacidade não devem inibir nem restringir a investigação e a difusão de informação de interesse público”, acrescentando que os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. Para compreender mais sobre o tema, é possível acessar este guia produzido pela Artigo 19 em 2014.
Não é a primeira vez que, em 2022, um freelancer é alvo de ações na região da Cracolândia. Em maio, a Abraji divulgou nota em que repudiou a reação de moradores da região central de São Paulo que foram até o apartamento do jornalista Caio Castor ameaçá-lo por ele ter filmado um guarda civil metropolitano agredindo uma dependente química.
Atos no bicentenário
Durante um dos atos que marcaram o bicentenário da Independência do Brasil, uma jornalista da TV Cultura foi alvo de tentativa de intimidação na Avenida Paulista, em São Paulo. Logo no começo da manhã de 7.set.2022, Aline Porcina, seu cinegrafista e um auxiliar foram escalados para cobrir as manifestações. Depois das entradas ao vivo, os colegas da repórter deixaram a marquise do Museu de Arte de São Paulo (Masp) para registrar imagens em outros locais da Paulista. Nesse momento, quando estava sozinha, Porcina foi abordada por um homem que a questionou sobre para qual emissora ela trabalhava. Em seguida, o agressor a ameaçou: “Você ficou sabendo do repórter da Band que ficou com olho roxo em Brasília?”
No mesmo dia, a equipe da TV Cultura já tinha sido alvo de agressões verbais por manifestantes que chamavam a emissora de “mídia esquerdista” e “mídia comprada”. Relatos enviados à Abraji por repórteres sob condição de anonimato mencionam o clima de intimidação nas ruas contra as equipes. Mensagens contra veículos constavam nos atos pró-Bolsonaro e se misturavam aos pedidos inconstitucionais de fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
Vera Magalhães, colunista de O Globo e apresentadora do programa Roda Viva, da TV Cultura, atacada pelo presidente Bolsonaro durante um debate formado por um pool de veículos, voltou a ser alvo de aliados do presidente. Um cartaz com sua foto foi exposto, em Copacabana, no Rio de Janeiro. O texto reproduzia a frase dita pelo presidente diante de milhões de telespectadores: “Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”. Um levantamento feito pela Abraji revela que foram publicados, somente no feriado da independência, mais de 700 tweets com essa mesma frase, mostrando que o ataque de Bolsonaro fez eco nas redes sociais.
Pelo Twitter, a jornalista lembrou o impacto da mensagem exibida no guindaste:
Sabem o que isso faz? Volta uma horda violenta e fanatizada contra mim. Coloca minha segurança e minha integridade física em risco. Coloca um alvo na minha cara. Isso sim é vergonhoso. Isso não é democracia. E é dessa maneira que essas pessoas enxergam a mulher e a imprensa.
Reportagem da organização internacional Repórteres Sem Fronteiras mostra que foram contabilizados mais de 2,8 milhões de postagens nas redes sociais com termos ofensivos associados à imprensa só nas três primeiras semanas da campanha eleitoral. Mais de 200 hashtags atacavam a mídia e seus profissionais. Miriam Leitão, Andréia Sadi, Eliane Cantanhêde e Vera Magalhães estão entre as mais atacadas.
Ataques de gênero
De acordo com monitoramento realizado pela Abraji, até esta sexta-feira (9.set.2022), foram registrados em 2022 66 ataques a mulheres jornalistas e 22 episódios de violência de gênero contra membros da imprensa de modo geral, incluindo casos de homofobia, assédio e importunação sexual e comentários sexistas sobre a aparência ou a sexualidade das/os comunicadoras/es.
Entre os ataques de gênero, 63,6% correspondem a discursos estigmatizantes feitos com o objetivo de descredibilizar as(os) profissionais. Esse tipo de agressão verbal busca atingir a honra e a moral de seus alvos, como aconteceu recentemente com as jornalistas Juliana Dal Piva, do UOL, e Amanda Klein, da Jovem Pan.
No início deste mês, Dal Piva foi vítima de ataques on-line após a publicação de uma reportagem sobre o patrimônio da família Bolsonaro, escrita em parceria com Thiago Herdy. A jornalista recebeu diversas mensagens agressivas nas redes sociais, entre elas um tweet que atrelou o resultado de seu trabalho investigativo à falta de “sexo na sua vida”.
Klein também sofreu com agressões na internet ao longo da última semana. Ela se tornou alvo de ofensas depois que Jair Bolsonaro (PL) comentou sobre a vida pessoal da jornalista, em vez de responder a uma pergunta feita por ela durante sabatina realizada na Jovem Pan no dia 6.set.2022.
Mas os discursos estigmatizantes não são a única forma de violência de gênero: 27,3% dos casos identificados em 2022 envolvem agressões físicas e ameaças, como ocorreu em jun.2022 com a editora do Congresso em Foco, Vanessa Lippelt, ameaçada de morte e de estupro, após a publicação de matéria sobre um fórum anônimo que planejava a produção de conteúdo desinformativo para favorecer Bolsonaro.
No feriado de 7.set.2022, a jornalista Jéssica Dias, da ESPN, foi vítima de importunação sexual enquanto trabalhava ao vivo nos arredores do estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Ela cobria o jogo do Flamengo com o time argentino Vélez Sarsfield, quando foi beijada por um torcedor rubro-negro. O assediador chegou a ser detido, mas já foi solto.
Esses números revelam um cenário grave de violência de gênero contra jornalistas no Brasil. Segundo relatório produzido pela rede Voces del Sur (VdS) e lançado em 6.set.2022, o país é campeão de agressões com viés de gênero na América Latina, com 50 ataques ao longo de 2021. Na sequência, vêm Equador (42), México (40), Uruguai (8), Colômbia (7), Venezuela (7), Guatemala (4), Nicarágua (3), Argentina (2), El Salvador (1) e Peru (1).