- 15.08
- 2022
- 15:02
- Abraji
Liberdade de expressão
Violência grave contra jornalistas aumentou 69,2% em 2022
O ano de 2022 tem sido violento para os profissionais de imprensa no Brasil. Nos primeiros sete meses, foram registradas 66 agressões graves, que envolvem episódios de violência física, destruição de equipamentos, ameaças e assassinatos. Esse número representa um crescimento de 69,2% em comparação com o mesmo período de 2021, que teve 39 casos. Os dados são do monitoramento de ataques contra jornalistas feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
O cenário geral de ataques também se agravou: de janeiro a julho de 2022, foram identificados 291 alertas totais de violações da liberdade de imprensa — 15,5% a mais do que nos primeiros sete meses do ano passado. Esses casos incluem, além das situações mais críticas, ocorrências de discursos estigmatizantes, processos legais, restrições na internet, restrições de acesso à informação e uso abusivo do poder estatal, que vitimaram jornalistas, comunicadores, meios de comunicação e a imprensa de modo mais amplo.
“Nossa análise mostra campanhas frequentes para descredibilizar e desacreditar os profissionais. Nesse contexto, a violência contra jornalistas se torna parte de um projeto de enfraquecimento da imprensa no Brasil”, avalia Rafaela Sinderski, responsável pelo monitoramento. Veja aqui casos recentes, como o de Ruben Berta, repórter do UOL.
Agravamento da violência
Entre os episódios mais graves registrados em 2022, há o ataque do vereador Paulo Luiz de Cantuária (MDB), de Ouro Fino (MG), que lançou pedras contra o jornalista Alexandre Megale, e o atentado contra jornalistas da GloboNews, que foram ofendidas e quase atropeladas por um homem não identificado em São Paulo (SP). As situações ocorreram em mai.2022 e abr.2022, respectivamente.
Em fev.2022, o jornalista Givanildo Oliveira, do portal Pirambu News, foi morto horas depois de publicar uma reportagem sobre a prisão de um suspeito de homicídio em Fortaleza. Meses depois, em jun.2022, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira desapareceram no Vale do Javari, no Amazonas, fronteira com o Peru. Os corpos foram encontrados dias mais tarde. Com dois assassinatos de profissionais da imprensa nos primeiros sete meses de 2022, o ano tem se mostrado brutal para o jornalismo brasileiro. Não houve registros dessa forma de violência em 2021.
Além do monitoramento geral de ataques à imprensa, a Abraji realiza desde 2021 o monitoramento da violência de gênero contra jornalistas. O projeto foca nas agressões que têm como alvo profissionais mulheres ou que se baseiam em elementos de gênero e sexualidade de modo mais amplo, incluindo, situações de LGBTfobia. Em 5,8% do total de ataques catalogados até o fim de jul.2022, as agressões se encaixam nesse grupo, como foi o caso da editora do Congresso em Foco, Vanessa Lippelt, que sofreu ameaças de morte e estupro depois da publicação de uma reportagem sobre as atividades de um fórum anônimo que planejava a produção de conteúdo desinformativo para favorecer o presidente Jair Bolsonaro (PL). O repórter Lucas Neiva, autor da reportagem, também foi alvo de ameaças de morte e teve seus dados pessoais divulgados na internet. No mesmo período, o site do Congresso em Foco foi tirado do ar por um ataque hacker.
Em 2022, seguindo a atualização da metodologia feita pela rede Voces del Sur (VdS), o monitoramento geral de ataques a jornalistas passou a incluir a perspectiva de gênero. Dentre as alterações, agora são categorizados episódios de violência sexual, incluindo casos de assédio, ameaça, intimidação, comentários indesejados ou outras formas de agressão contra comunicadores(as) que apresentem algum teor sexual. Neste ano, quatro ataques foram classificados dessa forma, todos contra mulheres. Três desses casos foram perpetrados por agressores masculinos.
Principais agressores
Assim como em 2021, os principais autores de ataques seguem sendo agentes estatais — conforme havia sido revelado pela Abraji em mai.2022. Eles foram responsáveis por 209 (71,8%) casos de violência contra a imprensa e seus profissionais entre jan.2022 e jul.2022. Os membros da família Bolsonaro com cargos eletivos estão envolvidos em 157 (53,9%) episódios: 60 tiveram a participação do presidente; 51 envolveram o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP); 32 estão ligados ao vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ); e 20 se conectam com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Contudo, os casos mais graves foram majoritariamente perpetrados por agressores não estatais (25 episódios). Pessoas não identificadas geraram 23 situações de agressão física, ameaça ou destruição de equipamentos contra profissionais da imprensa, enquanto atores estatais se envolveram em 19 ataques. Dois casos estão relacionados a membros de facções criminosas. Por vezes, um mesmo episódio teve mais de um tipo de agressor envolvido.
Nos casos de violência de gênero, 29,4% dos episódios contaram com a participação de agentes não estatais e 17,6% estão conectados a atores estatais. Os agressores não identificados se destacam na categoria: estão presentes em 52,9% dos ataques classificados como de gênero. Nesse grupo, são incluídos internautas que ofendem e ameaçam jornalistas nas redes sociais. Os dados seguem indicando o potencial nocivo das plataformas on-line: do total de casos identificados nos primeiros sete meses de 2022, 66,3% tiveram origem ou repercussão na internet.
Sobre os monitoramentos
A Abraji monitora ataques contra a imprensa brasileira desde 2013. Em 2019, a associação passou a integrar a rede Voces Del Sur, que hoje reúne 16 organizações da sociedade civil em diferentes países da América Latina e Caribe, movidas por um esforço comum de monitorar a situação da liberdade de imprensa na região. Esse movimento levou à sistematização do monitoramento, que passou a compartilhar a metodologia da rede. Em abr.2022, a Abraji lançou o relatório “Monitoramento de ataques à imprensa no Brasil”, com dados e análises gerais sobre os episódios registrados ao longo de 2021.
No ano passado, a violência de gênero contra jornalistas passou a ser registrada pela Abraji. A metodologia considera casos de agressões, ofensas, ameaças, intimidações e outras formas de ataque que envolvem identidade de gênero, sexualidade, orientação sexual, aparência e estereótipos sexistas contra comunicadores como um todo, bem como casos de agressão contra mulheres jornalistas – cis ou trans – de forma geral. O projeto foi desenvolvido pela Abraji em parceria com a UNESCO.
Os dados de 2021 estão disponíveis em um relatório publicado em português, inglês e espanhol. A plataforma on-line do projeto está em constante atualização e já oferece os resultados parciais de 2022.
O monitoramento é um trabalho diário, com novos episódios sendo frequentemente registrados pela Abraji. Esses dados podem ser atualizados se outros casos ainda não identificados forem contabilizados no futuro.