- 29.02
- 2024
- 22:46
- Abraji
Liberdade de expressão
Abraji apoia jornalistas do MT contra ofensiva judicial do governo do estado
Os jornalistas Alexandre Aprá, Pablo Rodrigo e Ulisses Lalio foram acolhidos pelo Programa de Proteção Legal da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em razão de processos cíveis e criminais movidos pelo governador do estado do Mato Grosso, Mauro Mendes (UB), ou por pessoas ligadas a ele. Em todos os casos, os jornalistas são atacados no exercício da profissão, reportando sobre fatos de interesse público que envolvem o grupo político que comanda o estado.
A defesa dos jornalistas está sob a responsabilidade do escritório Flora Matheus e Mangabeira Sociedade de Advogados.
O jornalista Pablo Rodrigo publicou no jornal A Gazeta uma reportagem sobre uma possível investigação da Polícia Federal contra uma empresa dirigida por Luis Antônio Taveira Mendes, filho do governador, por supostas compras de mercúrio sem autorização legal para usar em garimpos nos estados de Mato Grosso e Pará. A reportagem ofertou espaço para manifestação de Taveira Mendes, que não se manifestar. Um dia depois, o jornalista publicou nova matéria, dando destaque ao fato de que o governador negava a participação de seu filho na referida investigação.
Poucos dias depois da publicação, o filho do governador, juntamente com seu pai, processaram o jornalista civilmente pedindo a censura da matéria, uma retratação pública e pedido de desculpas, além de sua condenação junto ao veículo para pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 660 mil. O processo sustenta que as publicações seriam uma retaliação do veículo de imprensa por não ter sido selecionado em edital de concorrência pública realizado alguns dias antes para contratação de uma empresa de comunicação responsável pela divulgação institucional do governo. E se utiliza de outros processos movidos contra o jornalista para questionar a credibilidade de seu trabalho.
A defesa do jornalista nos autos destacou que “o governo, as instituições do Estado, as autoridades públicas, tanto políticos quanto da Administração ou do Judiciário, candidatos a cargos públicos e grandes empresários estão sujeitos a um tipo diferente de proteção a sua honra, devendo ser ainda mais tolerantes a discursos negativos do que os demais cidadãos, tendo em vista o interesse público típico de seus cargos e funções”. E reforçou que a matéria foi embasada nas melhores práticas jornalísticas de verificação de informações e do contraditório.
A matéria de Rodrigo foi republicada pelo jornalista Alexandre Aprá em seu site, Isso É Notícia. Assim como outros diversos veículos da imprensa local e nacional que acabaram por confirmar o conteúdo das reportagens. Reportagens relataram que Luis Antônio Mendes foi alvo da Operação Hermes, deflagrada pela Polícia Federal e o Ibama, que investiga crimes ambientais, contrabando de mercúrio, associação criminosa, receptação e lavagem de dinheiro. Destacaram que a PF chegou a pedir a prisão temporária do filho do governador, o que não foi autorizado pela Justiça.
Apesar disso, tanto Pablo Rodrigo como Alexandre Aprá foram alvo de mais uma investida judicial do governador e seu filho, desta vez criminal. Uma notícia crime apresentada pela família do político deu início a um inquérito policial levado a cabo pela Polícia Civil do MT. Junto a outros jornalistas do estado que também repercutiram esses fatos de interesse público, eles são investigados pela prática de injúria majorada.
A defesa dos jornalistas já se apresentou nos autos pedindo o arquivamento do inquérito policial. Fundamentaram que, diante do reconhecimento, inclusive por parte do governador, de que seu filho é um dos investigados da operação da PF como divulgaram os jornalistas “a continuidade do presente inquérito causa constrangimento ilegal por falta de justa causa”, completam.
Estratégia semelhante foi utilizada contra o jornalista Ulisses Lalio, que foi representado criminalmente por difamação, em razão de uma reportagem publicada no mesmo jornal, A Gazeta. A matéria “Esposa, filho e amigos de Mendes lideram os pedidos para PCHs”, assinada por Lálio, foi o principal destaque de capa do jornal tanto na versão digital quanto impressa. Na reportagem, o jornalista relata que que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso avaliará nos próximos meses 37 pedidos para liberação de outorgas de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no estado. Entre as empresas solicitantes, estão as de Luís Antônio Taveira Mendes e da primeira-dama Virginia Mendes. O jornalista também relata que a concessão das outorgas requeridas poderá impactar de maneira decisiva o meio ambiente da região.
O Gabinete Militar do Estado de Mato Grosso, um órgão oficial do estado, registrou a ocorrência contra o jornalista, posteriormente convertida em inquérito policial e em pedido de explicações. A denúncia afirma que a matéria faria “arquitetura textual” para criar uma relação entre o filho do governador com o bicheiro “Comendador” Arcanjo Ribeiro, para herdar um projeto do PCH. Sustentam que estão sofrendo ataques nas redes sociais em razão da publicação da reportagem.
Sobre os jornalistas
Pablo Rodrigo é repórter do Jornal A Gazeta em Cuiabá, cobre temas de Mato Grosso em Política e Judiciário. Formado em jornalismo pela UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), já produziu reportagens para Congresso em Foco e é colaborador da Agência Folha desde 2016. Em 2019, Rodrigo foi atacado pelo governador Mauro Mendes, quando estava em uma coletiva de imprensa e o questionou a respeito de uma investigação sobre a compra suspeita de um imóvel.
Alexandre Aprá é jornalista e editor-chefe do site Isso É Notícia, um veículo independente que cobre questões locais de Cuiabá e do estado do Mato Grosso. O jornalista vem sofrendo diversos ataques em razão do seu trabalho. Assim como Rodrigo, já foi atacado por Mendes e seus apoiadores com ameaças, tentativa de forjamento, inquéritos policiais e processos judiciais em série, sendo que a Abraji já o apoiou no primeiro ano do projeto para a defesa em um processo cível.
O jornalista Ulisses Lalio é repórter de política do Grupo Gazeta de Comunicação. Antes disso, trabalhou no portal Olhar Direto, foi assessor de imprensa no Sesc e no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
Sobre o contexto do MT
A situação da liberdade de imprensa no Mato Grosso se tornou mais complicada e restrita no período mais recente do governo de Mendes. Diversos relatos e denúncias de uso do sistema judicial para atacar e silenciar a imprensa local têm chegado ao conhecimento público.
A Abraji já havia chamado a atenção recentemente para o caso do jornalista Rogério Florentino, que, assim como Aprá, Rodrigo e Lálio, foi processado em razão do exercício do seu trabalho. O próprio Poder Judiciário no estado já protagonizou tentativas de silenciamento dos jornalistas, como o caso de Mikhail Favalessa, apoiado pela Abraji, que foi condenado por publicar uma matéria sobre irregularidades em um julgamento conduzido por uma magistrada do MT.
Chama a atenção que nesses casos ficou provado que as informações publicadas eram verdadeiras. Não só nos autos do processo como após a publicação das reportagens as autoridades buscaram apurar os fatos e responsabilizar os agentes estatais seguindo os fatos trazidos nos textos dos jornalistas. Ainda assim, os profissionais estão sendo obrigados a responder na Justiça por revelar assuntos de interesse público e estão sendo condenados por isso.
O caso mais grave foi repudiado na semana passada pela Abraji e outras organizações de defesa do jornalismo, quanto a uma operação policial que teve como alvo os repórteres Enock Cavalcante e Alexandre Aprá. Foi deflagrada a segunda fase da Operação Fake News, que tenta criminalizar os profissionais por republicar uma reportagem de outro veículo e divulgar um artigo de opinião comentando possíveis irregularidades flagradas contra um desembargador de Justiça com relações com o governador do estado.
Em nota, as organizações destacaram que “o cenário de perseguições a jornalistas e comunicadores que atuam em Mato Grosso impacta não só os profissionais que atuam no estado, mas, sobretudo, prejudica a livre circulação de informações e de ideias, restringindo o direito da população de ser informada.”
Sobre o Programa de Proteção Legal
O Programa tem como objetivo garantir assistência jurídica a jornalistas que, por meio de processos judiciais, estejam sendo silenciados ou constrangidos ao exercer a profissão. Também poderão ser acolhidos profissionais que estejam sendo assediados, ameaçados e perseguidos e que tenham interesse em processar civilmente os agressores, buscando o fim dos ataques e/ou a reparação de danos.
O Programa visa a atender jornalistas e comunicadores que estejam longe dos grandes centros urbanos e que comprovem hipossuficiência financeira. Outros critérios podem ser conferidos aqui.
Profissionais de imprensa que se enquadrem nos requisitos podem enviar o seu caso por meio deste formulário.
Dúvidas de qualquer natureza devem ser encaminhadas para o e-mail: [email protected]