- 03.11
- 2021
- 17:53
- Pedro Teixeira
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Servidores públicos trabalham para abastecer “conta pessoal” de Bolsonaro
Foto de capa: Presidente ao lado do assessor especial da Presidência Tercio Arnaud Tomaz. Reprodução/Instagram
O procurador-geral da República, Augusto Aras, manifestou-se, em 28.out.2021, de forma contrária à ação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) que pede o desbloqueio, pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de 65 jornalistas no Twitter. Aras afirma que as publicações de Bolsonaro na rede social “não têm caráter oficial”. No entanto, quatro assessores do poder Executivo colaboram para a “elaboração de estratégias” de divulgação de conteúdo para as redes sociais de Bolsonaro.
Segundo monitoramento diário da Abraji em vigor desde set.2020, Bolsonaro é o político com cargo eletivo que mais baniu profissionais de imprensa em sua conta no Twitter— 79 dos 296 casos registrados até esta quarta-feira (03.nov.2021). O processo no Supremo Tribunal Federal (STF) aguarda decisão da ministra Cármen Lúcia.
Em depoimento à Polícia Federal (PF), Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes, Mateus Matos Diniz e o tenente coronel Mauro Cid, funcionários da Presidência da República, afirmaram que levantam informações e auxiliam na tomada de decisões referentes à comunicação digital do presidente, embora aleguem não ter senhas de acesso ao perfil no Twitter — administrado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
As informações constam no Inquérito 4.828, instaurado com base no Regime Interno do STF e tornado público pelo ministro Alexandre de Moraes em jun.2021. Os documentos da investigação foram disponibilizados pela Abraji no Google Pinpoint.
Tomaz e Gomes são assessores especiais da Presidência da República, com salário bruto de R$ 13,6 mil. Diniz foi promovido de coordenador-geral de Projetos Especiais da Secretaria de Publicidade e Promoção do Ministério das Comunicações, com seu salário subindo de R$ 10,6 mil para R$ 13,6 mil. O tenente coronel Mauro Cid recebe R$ 23,5 mil do Exército e R$ 1,7 mil do Planalto. Os servidores são conhecidos por compor o suposto “gabinete do ódio”, que espalharia desinformação e usaria uma linguagem mais agressiva contra jornalistas e supostos adversários políticos de Bolsonaro.
Caso as contas do presidente em redes sociais sejam consideradas privadas, como alegam sua defesa e o procurador-geral da República, “o fato de elas serem administradas e alimentadas por gente que é paga com dinheiro público configuraria um óbvio ato de improbidade e de lesão ao erário público”, avalia o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Rafael Mafei.
“Estariam desviando trabalho de um servidor público para cuidar de um assunto de natureza privada. O que Bolsonaro não poderia fazer, na minha opinião. Isso também implicaria não só violação ao princípio da moralidade, como também ao da impessoalidade”, explica o professor, que coordena o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT).
Para Aras, as publicações no Twitter não têm caráter oficial e não constituem direitos ou obrigações da Administração Pública. Mas ele reconhece que a conta pessoal do presidente da República é “utilizada para informar os demais usuários da rede social acerca de assuntos relacionados ao desempenho da função pública”. O procurador-geral da República defendeu a mesma tese em 2019 ao avaliar pedido ao STF da deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) para ser desbloqueada pelo presidente.
Para defender que o perfil do presidente no Twitter tem cunho pessoal, a advogada dele, Karina de Paula Kufa, argumenta, em petição, que “o impetrado realizou uma série de publicações que nenhuma relação guardam com sua atividade política ou relativa ao Estado Brasileiro”.
Para Mafei, o presidente ter outras pessoas que ocupam cargos públicos administrando as suas redes sociais mostra como ele próprio considera que esses canais dizem respeito à dimensão pública de sua vida.
“O que determina a natureza pública de uma informação e, portanto, a necessidade de acesso amplo que não pode ser limitado pelas preferências políticas ou pessoais de uma autoridade é menos o veículo por onde essa informação circula e mais a natureza da própria informação”, explica Mafei.
Como a Abraji mostrou, 98,6% das publicações do presidente visam a divulgar atividades do governo, mobilizar sua base política ou reagir a críticas de opositores e da imprensa.
Carlos Bolsonaro contou à PF do Distrito Federal, em 10.set.2020, que criou, entre 2010 e 2012, perfis em redes sociais com o nome de Jair Bolsonaro para “capilarizar as informações sobre o trabalho desenvolvido pelo pai”, à época deputado federal pelo Partido Progressista (PP), atual Progressistas.
Segundo o vereador relatou à polícia, Jair Bolsonaro, ao notar os bons resultados do investimento de tempo em redes sociais, considerou necessário encontrar mais pessoas para contribuir para a atividade.
Foi nesse contexto que Tomaz, Gomes e Diniz foram contratados para assessorar o gabinete de Carlos na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, antes de trabalhar na campanha de Jair Bolsonaro à presidência. Eles afirmam ter atuado na campanha de forma voluntária, sem remuneração, mas foram contratados pelo Planalto após a posse do presidente.
De acordo com o depoimento do vereador, “o trabalho realizado nas redes sociais exige uma grande dedicação, uma vez que o declarante precisa compreender o melhor momento de divulgação, a forma como as informações serão divulgadas, bem como a análise da repercussão e reações das pessoas frente às divulgações. A pulverização das informações ocorre em razão da estratégia adotada relacionada à diversidade das redes sociais utilizadas, horários, temas e layout das informações divulgadas.”
Tomaz relatou à PF que ele e os outros assessores citados anteriormente contribuem levantando informações para as lives do presidente, transmitidas às quintas-feiras no canal de Jair Bolsonaro no Youtube, com 3,56 milhões de inscritos. No dia 25.out.2021, a plataforma de compartilhamento de vídeos removeu uma live do presidente por relacionar vacinas contra covid-19 à possibilidade de se contrair HIV, o que é refutado pela ciência.
Outra atividade exercida pelos assessores especiais da Presidência é fornecer conteúdo para blogs alinhados com o governo. Anderson Azevedo Rossi, dono do canal EvilGamersBrasil, disse à PF que conseguiu o contato telefônico de Tercio Arnaud Tomaz em um telefonema para o número oficial da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência.
A Secom não respondeu ao pedido de informação da Abraji e não comentou se as contas do presidente em redes sociais são pessoais. Os gabinetes de Carlos Bolsonaro, Tercio Arnaud Tomaz e Mateus Matos Diniz também foram contatados, mas não se pronunciaram até a publicação desta matéria. A reportagem poderá ser atualizada tão logo eles se manifestem.
Líder de bloqueios
Com mais de 7 milhões de seguidores, o presidente Jair Bolsonaro segue no topo da lista de autoridades que mais banem profissionais de imprensa no Twitter. O chefe do Executivo bloqueou ainda seis veículos de imprensa, DCM, Aos Fatos, The Intercept Brasil, Congresso em Foco, Repórter Brasil e O Antagonista.
Completam o grupo dos campeões de bloqueios o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub (38), o secretário especial da Cultura, Mário Frias (26), o vereador Carlos Bolsonaro (21), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (20) e o ex-assessor especial da Presidência Arthur Weintraub (18). Carlos e Mário Frias também bloquearam, respectivamente, veículos tradicionais como UOL e Ilustrada, a editoria de cultura da Folha de S.Paulo.
De acordo com Ana Carolina Westrup, pesquisadora do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), vedar acesso a canais de autoridades não apenas viola predicados da democracia, como o direito de acesso à informação e de expressão, como vai contra a garantia de manifestação dos profissionais de imprensa. “O jornalista fica impossibilitado de responder a um anúncio no mesmo espaço onde ele é feito”, diz.
No total, a Abraji registrou 296 bloqueios contra jornalistas e 14 contra veículos de imprensa. A pesquisa diária de bloqueios na rede mostrou quais autoridades mais barram jornalistas e veículos e que a estratégia de negar acesso a sua conta a um jornalista, além de dificultar o trabalho de apuração, pode configurar ato discriminatório. O projeto tem financiamento da Open Society Foundations.