Mais de 98% dos tweets do presidente são de interesse público
  • 27.09
  • 2021
  • 16:28
  • Pedro Teixeira

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Mais de 98% dos tweets do presidente são de interesse público

Foto de capa: Reprodução/Twitter

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publica, em média, quase sete tweets por dia. Desde jan.2020, foram 4.120 textos com até 280 caracteres, acompanhados com frequência por artes e vídeos. De acordo com pesquisa da Abraji, 98,6% (4.052) das postagens do chefe do Poder Executivo visam a divulgar ações de governo, pronunciamentos, mobilizar militantes ou promover outros canais de comunicação. São a esses posts que ele veda acesso ao bloquear 79 profissionais de imprensa.

Em 29.jul.2021, a Abraji entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para que Bolsonaro seja proibido de bloquear jornalistas em sua conta no Twitter. A ação destaca que o presidente utiliza as redes sociais para promover ações do poder público como construção de obras, processos de desburocratização, monitoramento da pandemia de covid-19 e até mesmo a nomeação de ministros. O atual levantamento aponta 2.804 tweets com este fim nos últimos 633 dias.

“Assuntos de inquestionável interesse público – como obras públicas, trocas no comando de ministérios, concessão de patrimônio público e operações de combate ao tráfico de drogas – foram levados a público por meio da conta do presidente da República no Twitter”, pontua a advogada da Abraji, Taís Gasparian, no texto do mandado de segurança.

As petições da Abraji e da defesa do presidente foram encaminhadas à relatora do processo, ministra Cármen Lúcia, que ainda não julgou o mérito. A advogada do presidente, Karina de Paula Kufa, alega que “o impetrado realizou uma série de publicações que nenhuma relação guardam com sua atividade política ou relativa ao Estado Brasileiro”.

Entre os mais de 4 mil tweets, a pesquisa da Abraji encontrou 68 (1,4%) que se enquadram na categoria “uso pessoal”, em que o presidente publicou fotos ou vídeos com familiares ou mensagens de cunho religioso. Mesmo imagens registradas em missões oficiais, como da filha de Bolsonaro, Laura, em voo da Força Aérea Brasileira da Índia ao Brasil, foram consideradas sob essa classificação.

Muito mais recorrentes foram os tweets de “mobilização”, com 583 (14%) registros. Neles, o presidente convidou de forma direta ou indireta pessoas a participarem de atos em favor do governo ou reforçou causas defendidas por ele, como o voto impresso e o tratamento precoce — à base de remédios sem eficácia comprovada — da covid-19.

Os atos de 7 de setembro, por exemplo, em que jornalistas foram hostilizados por militantes, foram citados em 16 ocasiões. O presidente postou fotos e vídeos da mobilização que convocou. 

“Independência está associada à [sic] LIBERDADE. Assim sendo, também no escopo dos incisos XV e XVI, do art. 5° da nossa CF, a população brasileira tem o direito, caso queira, de ir às ruas e participar dessa nossa data magna EM PAZ E HARMONIA”, escreveu Bolsonaro em um dos tweets.

O presidente também usou seu perfil na rede social 142 (3,4%) vezes para se comunicar com outros chefes de Estado ou fazer declarações sobre episódios relevantes do noticiário nacional, como a perseguição ao assassino em série Lázaro Barbosa. O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump é citado 17 vezes — alguns dos tweets foram redigidos em inglês.

Outros 192 (4,7%) tweets tinham a finalidade de promover outras redes sociais do presidente ou entrevistas de Bolsonaro a veículos de imprensa e blogs conservadores. “Todos os dias, muito mais informações sobre ações do Governo do Brasil em nosso Telegram” é uma das publicações mais recorrentes.

O chefe do Poder Executivo ainda estigmatizou a imprensa 79 (1,91%) vezes na rede social. Foram esses os tweets com maior repercussão junto a seus seguidores, favoritados, em média, quase 40 mil vezes.

Questionada pela Abraji, a advogada de Jair Bolsonaro não havia respondido até a publicação desta reportagem. Em petição anexa ao processo, a defesa do presidente alega que o bloqueio não significa maiores empecilhos para o trabalho de apuração de jornalistas, uma vez que existem outras fontes.

A gerente de projetos da organização não governamental Transparência Brasil, Marina Atoji, ressalta, no entanto, que qualquer dano ao acesso à informação é grande. “Falar em dano menor é um erro”, diz.

“A partir do momento em que ele faz de suas redes sociais um dos principais canais de divulgação de suas ações enquanto agente público, o argumento de que são pessoais vai por água abaixo”, diz. Na avaliação de Atoji, bloquear jornalistas assim como quaisquer cidadãos no Twitter é impor uma restrição ao acesso a informações de interesse público. “O que, em qualquer contexto, é inaceitável”, salienta.

Na avaliação da diretora do InternetLab, Mariana Valente, não faz sentido falar em privacidade, quando se trata de posts públicos sobre assuntos de interesse da sociedade brasileira. “As redes sociais de políticos eleitos são cada vez mais utilizadas como fonte primária de informação e, por isso, não podem mais ser consideradas contas meramente pessoais”, declara.

O Estado Brasileiro não tem lei ou jurisprudência vigente que regule a ação de autoridades nas redes sociais. Apesar de incongruências repudiadas pela Abraji, o Projeto de Lei 2630 - mais conhecido como PL das fake news -, aprovado pelo Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados, tornaria os bloqueios ilegais.

Mariana Valente lembra que há casos complexos, como o de pessoas eleitas que são atacadas reiteradamente com ódio misógino, racial, lgbtfóbico. “Faz sentido que elas possam denunciar e bloquear esses perfis. A regulação [sobre o mérito] precisa conseguir dar conta disso, com nuances. Precisamos de um marco que dê conta dessas complexidades da comunicação pelas redes sociais”, ressalta.

Marina Atoji recorda ainda da conta do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que tem perfil fechado na rede social. Isto é, só pode ser seguido por quem o senador permite. “Mas ele o utiliza para emitir declarações na condição de político eleito”, avalia.

Lista de bloqueios

Trinta e oito políticos com mandato vigente ou autoridades de alto escalão da burocracia brasileira baniram 141 profissionais de imprensa no Twitter, conforme monitoramento da Abraji realizado desde setembro de 2020. São 285 bloqueios realizados por autoridades públicas.

Seis políticos vedaram o acesso de 12 veículos de imprensa a suas contas. O presidente Jair Bolsonaro sozinho bloqueou DCM, Aos Fatos, The Intercept Brasil, Congresso em Foco, Repórter Brasil e O Antagonista.

Em caso inédito, a Secretaria de Segurança Pública do DF bloqueou, em 09.set.2021, o perfil do jornal hiperlocal de Brasília Diário de Ceilândia, no Twitter. Neste mesmo mês, o publisher do site, Douglas Protázio, foi excluído de grupo de jornalistas mantido pela Polícia Militar regional, como noticiou a Abraji.

A pesquisa diária de bloqueios na rede mostrou quais autoridades mais barram jornalistas e veículos e que a estratégia de negar acesso à sua conta a um jornalista, além de dificultar o trabalho de apuração, pode configurar ato discriminatório. O projeto tem financiamento da Open Society Foundations.

“O bloqueio em questão representa ilegalidade, na medida em que tolhe cidadãos do direito à liberdade de informação, bem como ignora a regra geral de publicidade dos atos da Administração Pública, em clara violação aos artigos 5º, inc. IX, XIV e XXXIII, 37 e 220 da Constituição Federal”, avaliam os advogados da Abraji no mandado de segurança. No processo, a Abraji conta com assessoria da organização internacional Media Defence.

 

Assinatura Abraji