Tem precedente: Órgãos federais contrariaram decisões e pediram para não liberar dados via LAI ao menos 113 vezes
  • 22.01
  • 2024
  • 09:28
  • Luiz Fernando Toledo

Acesso à Informação

Tem precedente: Órgãos federais contrariaram decisões e pediram para não liberar dados via LAI ao menos 113 vezes

Esta matéria é parte da newsletter Achados e complementa a seção Tem precedente?, um trabalho de análise das decisões do governo federal sobre transparência de informações realizado pela Abraji. Analisamos periodicamente decisões da Controladoria-Geral da União (CGU), o órgão responsável pelo monitoramento da LAI em nível federal, e fornecemos aqui um resumo das que podem ser de maior relevância para jornalistas, pois afetam o entendimento do governo sobre que tipo de informação é considerada pública ou sigilosa.

O jornalista Rubens Valente denunciou, em um texto na Agência Pública do ano passado, que o Ministério da Justiça fez o que pode para negar acesso a relatórios de inteligência produzidos pela pasta durante o governo Bolsonaro e que poderiam revelar uma série de possíveis irregularidades e bastidores de decisões do mandato do ex-presidente.

Não é novidade que órgãos públicos podem negar acesso à informação, mas o que chamou a atenção, nesse caso, é que mesmo depois de Valente ter convencido a Controladoria-Geral da União (CGU) de que os documentos eram públicos, o órgão federal acabou mantendo o sigilo imposto pelo ministério, contrariando uma opinião técnica antes emitida por servidores da própria CGU.

A CGU é o órgão responsável por monitorar o funcionamento da LAI no Brasil e também analisar recursos em caso de informações negadas. Quando a CGU toma uma decisão a favor da publicidade de algum documento ou dado, os órgãos devem tornar aquela informação pública. 

Mas um levantamento obtido pela Abraji mostra que alguns órgãos públicos acharam uma forma de, em casos mais sensíveis, "bater o pé" na negativa e convencer a CGU a voltar atrás em suas decisões, mantendo as informações inacessíveis ao público. É o chamado pedido de reconsideração.

Esse tipo de solicitação aconteceu com mais frequência entre 2017 e 2021. Ao todo, foram 113 pedidos de reconsideração até 2023. É um número relativamente baixo, considerando que a CGU já publicou mais de 15 mil decisões, mas com concentração em poucos órgãos. Os que mais fizeram uso do dispositivo foram a Caixa Econômica Federal, o Exército e a Secretaria-Geral da Presidência da República. Vale lembrar que, conforme mostramos na newsletter, o Exército é hoje o órgão que mais tem recursos analisados pela CGU, frequentemente relacionados à opacidade praticada pela instituição quanto ao acesso a dados de pensionistas de militares.

Acesse aqui o levantamento, fornecido pela CGU por meio da LAI.

Veja todas os pedidos de reconsideração aqui. 

Veja outras decisões recentes de interesse público selecionadas pela Abraji:

Ministério da Justiça: Governo nega dados de registro de entrada de visitantes (protocolo 08198.002392/2023-98)

Informação solicitada: acesso aos registros de portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, incluindo entrada privativa, no período de 01/01/2019 a 31/12/2022.

Resposta do órgão: o Ministério da Justiça e Segurança Pública negou o acesso, baseando-se em decisões anteriores da CGU, fundamentadas nos incisos II e III do art. 13 do Decreto nº 7.724 de 2012, que tratam da negativa de acesso por desproporcionalidade e trabalho adicional de análise, interpretação e sistematização de dados. O requerente discordou, argumentando que os registros são digitais e que a compilação em uma planilha não seria complexa, citando precedentes de outros ministérios que forneceram informações similares.

Decisão sobre o recurso e precedente: a CGU indeferiu o recurso, mantendo a decisão do ministério. A CGU reconheceu a natureza pública dos registros de portarias, mas considerou o pedido desproporcional, exigindo trabalhos adicionais de análise e consolidação de dados. Além disso, a CGU apontou que a divulgação indiscriminada das informações poderia comprometer a segurança das pessoas, incluindo autoridades, e citou a existência de dados sobre pessoas em condições especiais (como servidores da área de segurança pública, refugiados, crianças e adolescentes) cuja revelação poderia causar prejuízos à intimidade, privacidade, honra e imagem. A CGU recomendou ao ministério que estabelecesse um plano de ação para aperfeiçoar seu sistema de controle de acesso, de forma a facilitar futuros pedidos similares, resguardando as condições especiais mencionadas.


Caixa Econômica Federal: indeferido acesso a informações detalhadas sobre despesas com publicidade (protocolo 18840.000372/2023-12)

Informação solicitada: o solicitante requisitou informações detalhadas sobre os gastos da Caixa Econômica Federal (CEF) com publicidade, incluindo valores específicos pagos a cada veículo de comunicação, de 2015 a 2022.

Resposta do órgão: a CEF forneceu um link para um site onde são publicadas as despesas com publicidade, mas sem especificar os valores pagos a cada veículo de comunicação. A justificativa para a não divulgação foi a proteção de informações estratégicas e sigilo empresarial, alegando que a divulgação poderia afetar a competitividade da empresa.

Decisão sobre o recurso e precedente: a CGU indeferiu o recurso, mantendo a decisão da Caixa. A CGU concluiu que a informação solicitada, especificando valores pagos a cada veículo de comunicação, é estratégica e sua divulgação poderia impactar a competitividade  do banco. A decisão baseou-se no Decreto nº 7.724 de 2012 e na Lei nº 13.303 de 2016 (Lei das Estatais), que protegem informações estratégicas de empresas públicas. Assim, a CGU entendeu que a divulgação realizada pela Caixa, sem detalhar os valores por veículo, já atende aos requisitos legais e equilibra a transparência com a proteção de informações estratégicas.


Comando do Exército: concedido acesso a informações sobre aluguel de espaço para eventos privados (protocolo 60143.005628/2023-01)

Informação solicitada: o solicitante questionou o Comando do Exército sobre o aluguel do Forte São Francisco Xavier da Barra, um patrimônio histórico, para eventos privados. Especificamente, solicitou informações sobre os critérios técnicos e argumentos que amparam tal aluguel, incluindo detalhes como valores cobrados, valores pagos por eventos específicos (como o "chá revelação" do Deputado Federal Nikolas Ferreira), a data de início desta prática, total arrecadado com tais aluguéis e a aplicação destes recursos. Também requisitou acesso a pareceres, memorandos, notas técnicas, a íntegra do processo administrativo e outros documentos relacionados.

Resposta do órgão: o Comando do Exército respondeu parcialmente, informando o valor regular de aluguel para eventos privados (R$ 2.000) e mencionando que, no caso do evento do deputado, houve uma contrapartida não financeira. Detalharam que a permissão de uso do espaço iniciou-se em maio de 2023 e que ainda não houve arrecadações em dinheiro. O ponto de discordância residia na falta de informações detalhadas sobre a contrapartida não financeira, a aplicação dos recursos arrecadados e outros aspectos solicitados pelo requerente.

Decisão sobre o recurso e precedente: a CGU decidiu pelo provimento do recurso, instruindo o Comando do Exército a fornecer as informações ainda pendentes. Isso inclui detalhes sobre como os recursos da permissão de uso do espaço são aplicados e os demonstrativos da contrapartida não financeira ofertada pelo locatário do espaço do Forte São Francisco Xavier da Barra no evento do dia 10 de setembro de 2023. 


Correios (ECT): Negado acesso a informações sobre áreas de restrição de entrega (protocolo 53005.000472/2023-83)

Informação solicitada: o requerente solicitou à ECT dados em formato aberto de uma planilha contendo a relação completa de CEPs classificados como Área de Restrição de Entrega, incluindo datas de classificação e desclassificação, além do inteiro teor digitalizado da norma que regulamenta o procedimento de inclusão/remoção de um CEP como área de restrição de entrega.

Resposta do órgão: a ECT justificou a negativa de acesso às informações alegando riscos à competitividade e estratégia comercial dos Correios. Citou dispositivos constitucionais e leis que amparam o sigilo postal e a proteção de processos empresariais, argumentando que a divulgação poderia constituir prática desleal contra a livre concorrência e afetar direitos como a privacidade.

Decisão sobre o recurso e precedente: manteve-se a decisão dos Correios. Baseou-se em precedentes e na Lei nº 12.527/2011, concluindo que as informações solicitadas estão submetidas a restrições de sigilo comercial e empresarial devido à atividade concorrencial da ECT. A decisão enfatizou a necessidade de proteger informações estratégicas e comerciais dos Correios, considerando a divulgação um potencial prejuízo à competitividade da empresa.


IFBA: negado acesso a imagens de câmera de segurança (protocolo 23546.006900/2023-01)

Informação solicitada: o requerente solicitou ao IFBA imagens captadas por câmeras de segurança, referentes a um dia específico, com o objetivo de identificar agentes públicos que entraram e saíram da reitoria e corredores. Além disso, pediu a relação de todas as ligações realizadas e recebidas por telefones fixos na reitoria nesse dia, com detalhes como número de origem, horário e duração.

Resposta do órgão: o IFBA negou a disponibilização das imagens das câmeras de segurança, argumentando que isso comprometeria a segurança da entidade, expondo rotinas de segurança e localização de vigilantes, além de ferir a intimidade dos indivíduos. Quanto às ligações telefônicas, informaram que só poderiam disponibilizar a relação das ligações realizadas.

Decisão sobre o recurso e precedente: a CGU decidiu pelo indeferimento do recurso, mantendo a decisão do IFBA. Baseou-se na proteção de informações pessoais e segurança institucional. A CGU concluiu que a concessão das imagens poderia expor indevidamente os indivíduos, afetando sua intimidade, vida privada, honra e imagem, além de constituir informação pessoal sujeita a restrição de acesso. 


Sobre o projeto

A Abraji monitora, desde novembro de 2023, decisões tomadas pelo governo federal sobre publicidade de documentos produzidos por órgãos públicos. A ideia é que jornalistas possam acompanhar, com mais agilidade e curadoria, quais argumentos estão sendo usados para negar dados ou até obter ideias para embasar seus próprios pedidos de informação.

Assinatura Abraji