- 03.03
- 2020
- 15:00
- Abraji
Liberdade de expressão
Relançada pelo governo federal, cartilha sobre proteção de jornalistas vai na contramão do discurso do presidente Jair Bolsonaro
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos reeditou nesta terça-feira (03.mar.2020) uma cartilha, lançada em dezembro de 2018, sobre a proteção de jornalistas e outros comunicadores. O texto aponta as obrigações do governo federal sobre prevenção, proteção e acesso à Justiça nos casos de violência contra profissionais de comunicação. O documento revela as contradições do próprio governo. O presidente Jair Bolsonaro tem sido criticado por ataques à imprensa e a jornalistas.
O objetivo da cartilha é "difundir os padrões interamericanos e internacionais de direitos humanos de jornalistas e outros comunicadores e comunicadoras", além de "reconhecer a importância da liberdade de expressão e de imprensa enquanto direito humano essencial para o devido funcionamento da sociedade democrática".
O manual afirma que "as autoridades públicas têm a obrigação de condenar veementemente agressões contra jornalistas". Diz mais: "os agentes do Estado não devem adotar discursos públicos que exponham jornalistas". E acrescenta ser obrigação do Estado realizar campanhas e capacitações de agentes públicos sobre o papel dos jornalistas e de outros comunicadores e comunicadoras em sociedades democráticas.
Marcelo Träsel, presidente da Abraji, lembra que a cartilha, publicada durante o governo de Michel Temer (2016-2018), cumpriu recomendações feitas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao governo brasileiro, em resposta à incapacidade brasileira de condenar os assassinos do jornalista Aristeu Guida da Silva, em 1995, no Rio de Janeiro.
“É um material de referência excelente sobre liberdade de imprensa para todos os nossos servidores públicos e políticos”, disse Träsel. "Esperamos que o presidente, o ministro da Justiça e os demais integrantes do alto escalão estudem esse material com a devida atenção e sigam as orientações contidas no texto. Eles podem descobrir, por exemplo, que a violência psicológica também é vista como uma infração aos direitos humanos pela CIDH, e com isso talvez se sintam inspirados a repensar a forma de interação do presidente com os repórteres durante entrevistas, nas quais ele frequentemente se vale de ofensas machistas, sexistas ou gestos obscenos para evitar responder às perguntas dos profissionais da imprensa.”
A Abraji considera que políticas públicas que garantam proteção a jornalistas são essenciais à democracia. No entanto, é preciso passar da teoria à prática. Não é o que demonstram as atitudes, por exemplo, do presidente Jair Bolsonaro. Até fevereiro de 2020, a Abraji identificou três ataques de Bolsonaro a jornalistas.
Primeiro, em 06.jan.2020, o presidente flertou com discursos autoritários ao afirmar que os profissionais são “uma espécie em extinção”. Depois, em 18.fev.2020, assediou moralmente a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, com insinuações machistas e misóginas. Na última semana de fevereiro, Jair Bolsonaro acusou a jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura e do Estadão, de mentir ao revelar que ele compartilhara pelo Whatsapp um vídeo a favor de uma manifestação contra o Congresso Nacional, marcada para 15.mar.2020. Magalhães desmentiu o presidente.
Um relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) mostra que Jair Bolsonaro produziu 60% dos ataques à imprensa registrados pela organização em 2019. No total, foram registrados 208 casos de violência contra jornalistas e veículos de imprensa. O documento também revelou que, ao contrário das ações defendidas na cartilha do governo, os principais autores das agressões são políticos, responsáveis por 144 das ocorrências.
Além de mencionar normativas e jurisprudências nacionais e internacionais sobre a liberdade de imprensa e de expressão, o material divulga o contato de órgãos (e associações, como a Abraji), que recebem denúncias sobre assédio e ataques a jornalistas.
Os alertas sobre a liberdade de imprensa e expressão no Brasil têm chamado a atenção de órgãos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA). Nesta sexta-feira (06.mar.2020), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à OEA, realizará uma audiência pública temática sobre o recrudescimento das ameaças à liberdade de expressão no Brasil, no Haiti. A Abraji e outras 16 entidades estarão presentes.