No 8º Congresso da Jeduca, jornalistas debateram as dificuldades de veículos locais na cobertura eleitoral pelo Brasil
  • 11.09
  • 2024
  • 11:49
  • Laura Toyama

Formação

Liberdade de expressão

No 8º Congresso da Jeduca, jornalistas debateram as dificuldades de veículos locais na cobertura eleitoral pelo Brasil

A 8ª edição do Congresso Internacional de Jornalismo de Educação teve como uma de suas trilhas temáticas as eleições municipais de 2024. O evento, organizado pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), aconteceu em São Paulo nos dias 2 e 3 de setembro, e contou com um painel sobre a cobertura do pleito feito por veículos locais. A mesa “Jornalismo local e a cobertura de eleições” foi mediada pela jornalista Jéssica Welma (Diário do Nordeste/CE), e contou com a participação dos jornalistas Cley Medeiros (A Crítica/AM), Fabiana Pulcineli (O Popular/GO), Jéssica Senra (TV Bahia/BA) e Mirella Araújo (Jornal do Commercio/PE).

O enfoque do debate foi o papel da imprensa local na cobertura e sobre como tornar as informações mais acessíveis e garantir maior participação política da população, se colocando como uma ferramenta democrática. Os jornalistas pontuaram alguns dos principais desafios enfrentados pelas redações locais, e destacaram o enxugamento de redações – que afeta mais os veículos menores. Muitos deles contam com a colaboração de profissionais que atuam em outras editorias para arcar com a cobertura durante o período eleitoral.

Desinformação e ataques a jornalistas como estratégias de debate

Para a jornalista Jéssica Senra, da TV Bahia, se soma à escassez de vagas nos meios de comunicação o combate constante à desinformação. “O papel do jornalismo é trazer as pessoas de volta à racionalidade”, afirmou ela ao comentar sobre a conexão muitas vezes emocional que os indivíduos estabelecem com informações distorcidas. Para ela, o medo, a raiva e o ódio são sentimentos que orientam as pessoas no momento de buscar conteúdos relacionados às eleições e à política no geral.

Esse cenário da desinformação como arma política foi adotado como estratégia por muitos candidatos em debates e sabatinas. Se observa que a esquiva tornou-se uma tática frequente, a fim de esvaziar as discussões propostas pelos jornalistas em espaços qualificados. Sobretudo no âmbito local, esse movimento é combinado a ataques à imprensa, cujos alvos mais frequentes são as mulheres. 

A Abraji identifica, registra e classifica casos de violência explícita de gênero contra profissionais da imprensa através do projeto Violência de gênero contra jornalistas. Confira os dados do último relatório. E a Coalizão em Defesa do Jornalismo, da qual a Abraji é integrante, tem feito o monitoramento dos ataques online e offline à imprensa. O primeiro relatório pode ser conferido neste link

“A forma de rebater o jornalista sempre apela para questões pessoais”, diz Fabiana Pulcineli, repórter de política do jornal O Popular, em Goiânia. Para ela, uma das estratégias que devem ser adotadas pela imprensa é não cair nas armadilhas narrativas e emocionais suscitadas pelos candidatos, além da preparação redobrada nas apurações para que não sejam usadas como arma política contra os próprios jornalistas. “É trabalhando que combatemos essa lógica.”

Plataformas digitais como arena política

Entre as táticas replicadas em âmbito local nas disputas pelas prefeituras, está o uso das plataformas digitais para falar diretamente com o público e atacar adversários, ao invés de comparecer aos debates promovidos por veículos de imprensa. Os candidatos se escoram em suas milícias digitais e impulsionamento de posts – muitas vezes de forma ilegal, como mostra matéria da Gazeta Digital, sobre campanha do candidato à Prefeitura de Cuiabá Eduardo Botelho (União Brasil). 

Para Pulcineli, expor candidatos que se recusam a participar de espaços reais de debate democrático faz parte da contribuição do jornalismo profissional para a democracia. Ela defende que se veicule que “o candidato não quis responder” para se afastar da banalização da discussão política. “[O jornalismo profissional] não deixa pontas, deixa as pessoas mais seguras”. Mesmo com a “arma” das redes, o jornalismo segue pautando as campanhas.

O jornalista Cley Medeiros, editor do jornal A Crítica, ressaltou os riscos  de quando a imprensa deixa, aos poucos, de ser o único mediador entre os candidatos e os eleitores.  Para ele, os jornalistas precisam se contrapor à “memetização” do conteúdo político para elevar a qualidade do debate público. “Não é a pergunta que afeta o debate, mas a resposta que vem dela”, complementou.

Mesmo os candidatos que comparecem às sabatinas e debates distorcem as perguntas a fim de produzir os chamados “cortes”, pequenos vídeos virais para seus perfis digitais. Essa estratégia se sustenta na chamada economia da atenção, conceito que descreve a transformação do foco das pessoas em uma mercadoria.

Sobre essa lógica, Jéssica Senra acredita que o jornalista deve tornar explícita a estratégia, ao invés de confrontá-la. “Quando eles se recusam a responder, é preciso ‘reperguntar’ e expor a estratégia do candidato de se isentar”, sugeriu a jornalista. Ela também defende que a cobertura e a atenção às falas e propostas sejam contínuas, mesmo depois do pleito. “As eleições vão passar, mas é preciso cobrar dos candidatos os debates que propusemos.”

Desertos de notícias e a nacionalização do debate

A cobertura local tem muita relevância durante as eleições municipais. A estratégia buscada deve ser a identificação da população com aquilo que está sendo noticiado, sempre pautada pelo interesse público. Segundo os palestrantes, a saúde e o saneamento são os temas de maior interesse das populações sobre a cidade, sobretudo após a pandemia de Covid-19.

A regionalização dos termos e uma maior atenção a essas demandas das pessoas foram os pontos de partida defendidos pelos jornalistas no painel. Estudar falas dos candidatos sobre determinados temas, emitidas fora do período eleitoral, também pode ser uma estratégia para qualificar esse debate.

A ligação de grupos de mídia locais com grupos políticos tradicionais também representa a dificuldade de se produzir cobertura política em âmbito regional. O resultado dessas relações ampliam a existência de desertos de notícias, territórios que não contam com um jornalismo voltado para suas questões. 

Observa-se que estados fora do Sudeste são os que mais sofrem com essa ausência, segundo dados mais recentes do Atlas da Notícia. Para os palestrantes, uma supervalorização  das coberturas do eixo Rio-São Paulo pela grande imprensa geram um apagamento das pautas locais em outros lugares. “A cobertura em nível municipal, ainda que existente, é impactada pela nacionalização dos debates”, comentou Medeiros.

Assinatura Abraji