- 24.11
- 2021
- 19:22
- Abraji
Liberdade de expressão
Justiça do Piauí concede prisão domiciliar a jornalista após 47 dias de cárcere
O Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI) concedeu prisão domiciliar ao jornalista Arimatéia Azevedo, preso provisoriamente há 47 dias na Penitenciária Irmão Guido. Dono do site piauiense Portal Az, Azevedo foi detido em decorrência de denúncia de suposta extorsão contra Thiago Gomes Duarte, cuja empresa, a distribuidora de medicamentos Saúde e Vida, é investigada pela Polícia Federal por possíveis fraudes em licitações no estado.
Em audiência realizada na manhã desta quarta-feira (24.nov.2021), o colegiado votou de forma unânime a favor de que o jornalista pudesse aguardar o julgamento das acusações criminais em casa, mas determinou que ele está proibido de exercer a profissão enquanto estiver sob custódia.
O relator do processo, desembargador Joaquim Dias de Santana Filho, entendeu que a idade do jornalista (68 anos) e o fato de ter comorbidades de saúde o qualificam para o regime domiciliar. A informação é do advogado do jornalista, Paulo Germano. “Arimatéia ainda vai precisar do monitoramento eletrônico com tornozeleira", completou.
Para proibir o dono do Portal Az de exercer o jornalismo, os magistrados argumentaram que o profissional de imprensa é réu em outro processo por extorsão. “Como ele estaria supostamente praticando esses crimes por meio do jornalismo, o colegiado aplicou, de forma absurda, uma medida cautelar [para impedir] as atividades profissionais dele", declarou o advogado.
Germano salienta que o jornalista não possui condenações prévias, tem residência fixa, profissão definida há 50 anos, além de ser uma pessoa conhecida. “Vamos recorrer ao STJ [Superior Tribunal de Justiça] e, se necessário, ao STF [Supremo Tribunal Federal], para derrubar essa decisão”, acrescentou.
O advogado afirma que o julgamento do pedido de prisão domiciliar demorou a ser apreciado, pois desembargadores alocados para a relatoria assumiram suspeição. “É um caso sui generis. Nunca existiu um caso em que mais da metade dos membros de um Tribunal de Justiça se declararam suspeitos para julgar".
Em função da falta de respostas na segunda instância, a filha de Arimatéia, Ana Maria Azevedo, disse que a família pediu a admissão de habeas corpus ao STJ. O ministro Rogério Schietti argumentou que não avaliaria o mérito para não suprimir a decisão de segunda instância. A defesa recorreu, então, ao STF, e a ação foi distribuída para o ministro Gilmar Mendes.
A prisão preventiva do jornalista foi determinada pelo juiz Valdemir Ferreira, da Central de Inquéritos da Comarca de Teresina. Ferreira negou, em 2020, um primeiro pedido de prisão domiciliar referente a outra denúncia de extorsão, ainda não julgada, contra o jornalista.
Ana Maria Azevedo afirma que o magistrado de primeira instância escreveu na sentença que Arimatéia é reincidente. “Ele nunca sequer cometeu crime contra patrimônio ou nesse mesmo tipo penal [extorsão]. Tem outros processos exclusivamente relacionados ao exercício profissional do jornalismo, mas nada que configure reincidência”, detalhou.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Piauí (Sindjor-PI), Luiz Carlos Oliveira, considera que o impedimento do exercício profissional é um atentado à liberdade de imprensa. "É mais uma arbitrariedade do Judiciário piauiense. Repudiamos veementemente essa supressão de liberdade de imprensa", afirmou.
O caso
A Justiça expediu em 07.out.2021 mandados de prisão preventiva contra Arimatéia Azevedo e de prisão temporária contra o advogado Rony Samuel. Ambos foram acusados de suposta extorsão contra o empresário Thiago Gomes Duarte, da distribuidora de medicamentos Saúde e Vida. Samuel foi liberado no mesmo dia após prestar depoimento à Polícia Civil.
A Saúde e Vida é investigada pela Polícia Federal por possíveis fraudes em licitação no estado. Os casos de suposta corrupção foram noticiados, com fonte em off, na coluna de Arimateia Azevedo, no Portal Az. Segundo o inquérito do caso de extorsão contra Duarte, o fornecedor das informações era o advogado Rony Samuel.
Ainda no inquérito, prints mostram que Samuel pediu a um representante da Saúde e Vida pagamento de R$ 15 mil mediante ameaça de publicar notas com mais acusações de corrupção contra a distribuidora. Em depoimento à Polícia Civil, o advogado confirma ter cometido extorsão, mas nega o envolvimento de Arimatéia Azevedo.
“E o Arimatéia [Azevedo] sabia dessa tua situação com esse pessoal?”, indagou o delegado Anchieta Nery. “Não. De forma alguma”, respondeu Rony Samuel. “Ele não tinha conhecimento?”, voltou a questionar a autoridade policial. “Não. Não sabia”, afirmou Rony em depoimento gravado.
Rony relatou ao delegado Nery que contribuía com o Portal Az, sem remuneração fixa. “Fazia notas, textos, matérias que fossem convenientes, tratando de política. Não tinha bem uma remuneração. Às vezes eu estava sem dinheiro, ligava para ele, ele mandava 100 reais, 200 reais. Não era condicionado a eu escrever e nem era em retribuição à escrita”, detalhou.
Para o advogado Paulo Germano, o jornalista ignorava a troca de mensagens entre Rony Samuel e o representante da Saúde e Vida. "Não há dúvidas de que ele foi uma vítima nesse processo. Esse advogado passava informações ao jornalista, como qualquer fonte faz. O Azevedo não tinha conhecimento de que ele estava, caso se comprove, fazendo esse tipo de extorsão contra o empresário", disse, acrescentando que a prisão de Arimatéia foi decretada sem que o jornalista fosse ouvido durante as investigações.
O jornalista também foi preso em outra ocasião. No dia 23.jul.2020 ele se apresentou ao Grupo de Repressão ao Crime Organizado (Greco), depois de mandado de prisão preventiva emitido pela 8ª Vara Criminal de Teresina. Azevedo, que foi encaminhado a um presídio, era investigado por extorsão, depois de noticiar uma suposta falha médica do cirurgião plástico Alexandre Andrade. Em 24.jul.2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu prisão domiciliar ao jornalista.
Em 24.nov.2020, o STJ concedeu-lhe um habeas corpus após o jornalista ter tido a prisão preventiva decretada devido ao mesmo caso de extorsão. A ministra Laurita Vaz, relatora do HC, identificou, no parecer, a desproporção da preventiva e ressaltou a fragilidade dos elementos elencados. "Os elementos angariados pelas instâncias ordinárias não são suficientes para a manutenção da custódia extrema, notadamente porque o crime não foi cometido com violência", disse.
Arimatéia aguarda o julgamento em primeira instância da ação penal, com liberdade resguardada pela medida cautelar do Superior Tribunal de Justiça.
Foto: Reprodução/Portal Az