Jornalistas bloqueados por autoridades no Twitter podem recorrer a ações judiciais e administrativas
  • 23.03
  • 2021
  • 15:47
  • Mirella Cordeiro*

Acesso à Informação

Jornalistas bloqueados por autoridades no Twitter podem recorrer a ações judiciais e administrativas

Desde que a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) começou a monitorar bloqueios de jornalistas no Twitter por autoridades, em set.2020, foram registrados 174 casos, ocorridos de 2014 a 2021. São 88 profissionais com o acesso impedido a perfis do presidente, de ministros, deputados e senadores, entre outros funcionários públicos. A Abraji listou algumas medidas que podem ser tomadas nessas situações para tentar acessar o conteúdo de contas com informações oficiais.

Ainda não há uma definição na legislação brasileira sobre bloqueios de jornalistas nas redes sociais por autoridades. A versão aprovada pelo Senado do PL 2630/2020, conhecido como PL das fake news, classifica os perfis de pessoas em mandatos eletivos e ocupantes de cargos no Executivo como de interesse público. Isso proibiria os bloqueios.

No entanto, o projeto ainda não foi aprovado em definitivo. A proposta tem outros pontos controversos que despertaram repúdio de organizações, entre elas a Abraji, e está para ser debatida na Câmara dos Deputados desde o ano passado.

O Decreto nº 9.671, emitido pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro de 2019, mantinha a definição de que as mídias sociais do líder do Executivo deviam ser administradas pela assessoria especial do presidente da República. Mas o trecho foi revogado cerca de um mês depois.

A atual determinação de Bolsonaro, de mai.2020, não é clara sobre o gerenciamento de suas contas nas redes sociais.

Uma legislação específica sobre essa prática daria mais segurança aos jornalistas de que esse tipo de bloqueio não deve acontecer, diz Letícia Kleim, assessora jurídica da Abraji. “A lei colocaria uma obrigação sobre as autoridades de não tomarem essas medidas e daria um parâmetro para quem for alvo de algum bloqueio ter assegurado seu direito por qualquer via, jurídica ou administrativa.”

Kleim sublinha que “o acesso à informação, ainda mais quando falamos de informações oficiais emitidas por agentes públicos, é um direito constitucional garantido e deve ser usado pelos jornalistas para se defenderem”.

Via administrativa

Uma possibilidade de defesa, quando a autoridade compartilha informações de interesse público, é formalizar um pedido pelas vias administrativas diretamente ao órgão do governo correspondente àquela autoridade que fez o bloqueio. No caso do presidente da República, a solicitação seria feita ao Palácio do Planalto. 

Isso pode ser positivo para reforçar a tese de que um ato do presidente pelas redes sociais é um ato administrativo.

Via judicial

O jornalista também pode mover um mandado de segurança. Artur Pericles Lima Monteiro, advogado e coordenador de pesquisa na área de liberdade de expressão do InternetLab, explica que o mandado de segurança protege o cidadão contra ilegalidades praticadas por agentes ou órgãos públicos e pode ser usado para os bloqueios de quaisquer autoridades, como senadores e governadores. A diferença, para cada uma dessas competências, é o tribunal que vai julgar a ação.

“Se um ministro bloqueia um jornalista, ele pode utilizar o mandado de segurança que vai ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)”, afirma Monteiro. No caso do presidente da República, o processo é julgado pelo Superior Tribunal Federal (STF).

Atualmente, há pelo menos dois pedidos de desbloqueio das redes sociais do presidente aguardando para serem julgados no STF. O advogado Leonardo Medeiros Magalhães e o jornalista William de Lucca pedem, respectivamente, para ser desbloqueados no Instagram e no Twitter do líder do Executivo.

Os dois casos começaram a ser votados em nov.2020, mas a resolução foi adiada por tempo indeterminado após pedido do ministro Kassio Nunes. A Abraji apontou a situação das solicitações em uma reportagem sobre como tribunais de quatro países decidiram sobre bloqueio de jornalistas nas redes sociais.

“A vantagem de ajuizar o mandado de segurança é que a pessoa não tem de pagar honorários de sucumbência, caso perca”, diz Monteiro. "Pode ser uma via interessante para chegar a tribunais que, em geral, são menos acessíveis por ações comuns", acrescenta.

Outra possibilidade é ajuizar uma ação ordinária no Juizado Especial, sem a necessidade de contratação de advogado. Segundo o especialista, o tribunal é usado para permitir maior acesso à Justiça. Nesse caso, também não há cobrança de honorários, nem é preciso arcar com as despesas do processo. No entanto, explica ele, para recorrer da sentença, é necessário pagar custas e constituir advogado, e, caso perca o recurso, a pessoa corre o risco de pagar honorários à parte contrária.

Um terceiro caminho seria ajuizar uma ação ordinária na Justiça comum, usando os argumentos de acesso à informação e liberdade de expressão, como nas outras situações. Nesse cenário, é necessário ter o auxílio de um advogado e pagar os custos do processo.

Lei de Acesso à Informação

Os profissionais ainda podem recorrer à Lei de Acesso à Informação (LAI) pedindo para saber qual foi a razão do bloqueio. Pode ser que funcione ou não, diz Monteiro, “porque o raciocínio de quem bloqueia é que a conta é pessoal e, portanto, não tem nenhuma informação pública a ser apresentada”. O pedido via LAI tem a vantagem de chamar a atenção para o caso, revertendo o bloqueio. 

A Abraji mostrou, em out.2020, que a jornalista Cecília Oliveira teve seu acesso à conta oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro no Twitter impedido durante cerca de três anos. Depois de recorrer à LAI, ela foi informada de que o bloqueio era desconhecido e acabou sendo desbloqueada.

Aba anônima

Todas as opções apresentadas tomam tempo do profissional que, muitas vezes, precisa checar um conteúdo rapidamente nas redes sociais das autoridades, mas não tem o acesso permitido.

Nessas situações, o jornalista ainda pode ver os tweets de quem o bloqueou se usar a aba anônima do navegador ou se não fizer login na plataforma. Contudo, a possibilidade de interação com o perfil só será restabelecida com o desbloqueio.

Novos bloqueios

A Abraji registrou bloqueios de 88 jornalistas, totalizando 174 casos, já que uma pessoa pode ser bloqueada por mais de uma autoridade. Dos bloqueios, pelo menos 16 ocorreram em 2021. No ano passado, quando o monitoramento começou, foram contabilizados 83 casos. O restante aconteceu de 2014 a 2019.

O presidente Jair Bolsonaro é líder entre as autoridades que bloquearam, com 50 casos. Em seguida, vêm os irmãos Abraham e Arthur Weintraub, que impediram o acesso de 22 e 15 jornalistas, respectivamente, quando ainda faziam parte do governo.

Mário Frias, Secretário Especial da Cultura, e os filhos de Bolsonaro, Eduardo (deputado federal), Carlos (vereador) e Flávio Bolsonaro (senador) aparecem na sequência, com 13, 12, 11 e 11 bloqueios, respectivamente.

O monitoramento da Abraji de jornalistas bloqueados por autoridades no Twitter tem apoio da Open Society Foundations. O objetivo do projeto é incentivar a discussão sobre a legalidade dessa prática. O formulário para registrar os bloqueios está aqui.

*colaboradora da Abraji
 

Assinatura Abraji