- 09.09
- 2021
- 13:20
- Abraji
Liberdade de expressão
Jornalista de Cuiabá deixa Mato Grosso após ameaça
Atualizado em: 16.set.2021.
O jornalista Alexandre Aprá, fundador do site independente Isso É Notícia, de Cuiabá, deixou o Mato Grosso depois de receber mensagens ameaçadoras devido a seu trabalho. Segundo o repórter, há um plano para difamá-lo e incriminá-lo por conta de reportagens publicadas em seu blog sobre um suposto esquema de corrupção no governo estadual.
Antes de deixar o Estado por temer por sua integridade física, Aprá procurou a Polícia Federal em Cuiabá, no dia 03.set.2021, e apresentou uma notícia-crime. No dia 10.set.2021, a PF rejeitou a notícia-crime e a encaminhou ao Ministério Público do Mato Grosso por considerá-la prática de crime na esfera estadual.
Segundo depoimento prestado à PF, desde 2013 o blog Isso É Notícia vem publicando reportagens sobre gastos do Executivo mato-grossense com publicidade. As matérias citam suspeitas de irregularidades que envolveriam o governador Mauro Mendes (DEM), a primeira-dama Virgínia Mendes e a empresa de Ziad Fares, a ZF Comunicação, uma das quatro agências contratadas pelo Estado com dispensa de licitação.
À PF, o jornalista afirmou ter sido informado por colegas de que o site precisaria parar de publicar as reportagens. No mesmo depoimento, Aprá disse ter sido avisado por um amigo de que o detetive particular Ivancury Barbosa teria sido contratado para incriminá-lo por tráfico de drogas e abuso sexual de menores. Os patrocinadores desta investigação seriam, supostamente, o próprio governador, a primeira-dama e o publicitário Ziad Fares.
Aprá admitiu ter usado um amigo para se aproximar do detetive e, assim, poder colher informações paralelas. “Eu sabia que a falta de provas e a influência do governo em várias instâncias do poder estadual, como Polícia Civil e MP, impediriam uma apuração independente. Apelei a essa estratégia para salvar minha vida, tive que agir e um amigo se fez passar por meu inimigo”, explicou à Abraji.
Em uma das mensagens, o detetive deixa claro ter sido procurado para obter provas contra o jornalista:
“Você esculacha todo mundo nos jornais, você gosta de fazer isso [...] Nenhum detetive foi contratado para te matar, para fazer nada com você, só para pegar que você usa cocaína, certo? [...] Nesta sorte, deu certo também que eu achei mais uns quatro traficantes que fala (sic) sempre com você direto, traficante, que você é ligado. Então eu acho que era bom você ficar meio quieto com isso aí [...] Ninguém vai fazer nada de mal com você não, agora você também não vai continuar com este jornalzinho marrom seu aí esculachando todo mundo [...] Eu acho que você é um cara inteligente, acho que você vai parar com isso [...] Ninguém tá com medo de você não. Você sai como moleque e é pedófilo. Eu descobri tudo isso...”
Citados negam acusações do jornalista
A um site local de notícias, o detetive negou ter intenção de matar Alexandre Aprá. Ivancury Barbosa reconheceu ter sido contratado para investigar o jornalista, mas não revelou quem o financiou. Ao mesmo site, negou que Ziad Fares, o governador Mauro Mendes e a primeira-dama Virgínia Mendes tenham contratado seus serviços.
Ziad Fares também foi ouvido pelo site local. Por meio de seu advogado, afirmou que a denúncia feita por Aprá “não corresponde com a verdade” e que não contratou Barbosa para a investigação. Até 16.set.2021, a Abraji não havia conseguido contatar o publicitário para confirmar sua versão.
Em nota divulgada pela assessoria de comunicação do governo de Mato Grosso, o advogado de Mauro e Virgínia Mendes disse que “é mentirosa e caluniosa” a versão de que o governador e a primeira-dama estariam envolvidos na suposta contratação do detetive para “flagrar o envolvimento de Alexandre Aprá com drogas e pedofilia”.
O advogado afirmou ainda que “são várias as investidas de Sr. Alexandre Aprá contra a honra do sr. Mauro Mendes e de sua família” e que o jornalista seria financiado “por agentes políticos e adversários com contrato vultuoso [sic], incompatível com a pequena estrutura de seu blog”.
No dia 5.set.2021, por intermédio do advogado, o casal registrou boletim de ocorrência contra Aprá por calúnia na denúncia da suposta contratação do detetive, e mais duas pessoas acusadas de disseminar uma suposta relação de Mendes e da primeira-dama com a contratação de um detetive particular para grampear membros da Assembleia Legislativa do Mato Grosso. O governador e sua mulher alegam que os três teriam cometido crimes de calúnia majorada e associação criminosa, por, em tese, estarem “agindo em conluio” para difamá-los e caluniá-los.
Em uma portaria, na sexta-feira (10.set.2021), a Polícia Federal rejeitou a notícia-crime apresentada pelo jornalista. A decisão pela não abertura do inquérito foi do delegado Renato Sayao Dias. No entendimento da PF, não há “descrição de nenhum ato praticado pelo governador do Estado” e “elementos mínimos de indício de cometimento de crime por autoridade com foro privilegiado”.
Na decisão, o delegado justifica que, nos fatos narrados, não se vislumbrou crime de competência federal: “O representante, ou noticiante, é particular, não é servidor público federal que tenha sido vítima de crime relacionado ao exercício de suas funções. Os supostos autores, também, não são servidores públicos federais no exercício da função pública, hipótese que poderia atrair a atribuição investigativa da Polícia Federal. O fato, portanto, é de atribuição investigativa da Polícia Judiciária Civil, em se tratando de atos praticados por particular”.
A denúncia foi encaminhada ao Ministério Público do Mato Grosso, como notícia de prática de crime na esfera estadual, para que o MP tome as providências que julgar cabíveis.
Alexandre Aprá disse à Abraji que ainda se encontra em local não identificado para preservar a sua segurança. Ele afirma ter encaminhado um pedido ao MPF para ser enquadrado no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas do governo federal.
Programa de Proteção Legal para Jornalistas
Alexandre Aprá foi um dos jornalistas acolhidos pelo Programa de Proteção Legal para Jornalistas, da Abraji. Ele é alvo de diversos processos movidos por pessoas ligadas ao grupo político do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM). Há oito anos, o jornalista vem produzindo reportagens que sinalizam suspeitas de corrupção. Já enfrentou a Justiça para fazer valer a Lei de Acesso à Informação e chegou a ser agredido fisicamente em 2015.