Em 100 dias de governo, Javier Milei é responsável por 40% dos ataques à imprensa na Argentina
  • 16.04
  • 2024
  • 10:07
  • Laura Toyama

Liberdade de expressão

Em 100 dias de governo, Javier Milei é responsável por 40% dos ataques à imprensa na Argentina

Nos primeiros 100 dias de governo de Javier Milei na Argentina, 4 em cada 10 ataques à imprensa tiveram ligação com o presidente e seus ministros. Os dados foram divulgados em 14.mar.2024, centésimo dia de mandato, coletados pelo Monitoramento da Liberdade de Expressão, do Foro de Periodismo Argentino (FOPEA). Em sua maioria, os ataques aconteceram durante entrevistas e pronunciamentos públicos, e variaram entre desqualificação do profissional, insultos, acusações e agressões verbais, direcionados a jornalistas e veículos de comunicação.

A entidade, ao lado da Abraji e de outras treze organizações de defesa da liberdade de imprensa, integra a rede Voces del Sur (VdS). Desde 2008, realiza o mapeamento e a classificação dos ataques em uma plataforma interativa, na qual também são publicadas notas de manifestação a respeito de cada caso.

Dados da pesquisa, metodologia e importância do Monitoramento

A pesquisa realizada pelo Monitoramento indicou que, entre 10 de dezembro de 2023 e 19 de março de 2024, registraram-se 37 casos de ataques à imprensa, dentre os quais 15 tiveram como autor o Executivo nacional. Dentre os 15 casos, 8 vieram do próprio presidente ou de seu porta-voz, Manuel Adorni. Em cinco, os autores foram ministros ou suas equipes, dentre as quais duas ocorreram durante a cerimônia de posse e outras três estavam ligadas aos atos de repressão nas ruas nos dias 1º de fevereiro e 18 de março.

Um dos agravos deste cenário é a administração dos perfis oficiais em redes sociais, que é feita pelo próprio Milei. Nas plataformas, ele compartilha conteúdos que atacam a credibilidade de veículos de comunicação e profissionais, e amplifica mensagens do mesmo cunho geradas, em sua maioria, por contas não oficiais e nem verificadas, expandindo o ecossistema de desinformação.

Quanto à natureza das agressões, 10 se enquadram como discurso estigmatizante, duas como restrição ao acesso de informações públicas e três como ataques à integridade física, que ocorreram em manifestações e situações de violência nas ruas. A classificação dos casos segue um padrão de classificação sistematizado e transparente, definido pelo FOPEA. Atualmente, a classificação conta com 10 categorias: ataques à vida; ataques à integridade; ataques à propriedade; discurso estigmatizante; censura; censura interna na mídia (autocensura); uso abusivo de publicidade oficial do governo; restrição ao acesso de informações públicas; abusos do poder estatal; ações legais civis ou criminais movidas contra jornalistas (assédio judicial e leis de censura).

A Argentina é dividida em províncias, que abrigam em seu território pelo menos um monitor da organização, responsável por fazer os registros e classificar as ocorrências de acordo com o padrão. Os casos reportados passam pela avaliação de uma Comissão de monitoramento, responsável por avaliar se constitui um ataque à imprensa, e, posteriormente, são reunidos e publicados em um relatório anual. O relatório completo relativo ao ano de 2023 será publicado pelo FOPEA no dia 03.mai.2024, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa.

Artur Romeu, diretor da Repórteres Sem Fronteiras para a América Latina, comenta que o trabalho de organizações locais que se dedicam a monitorar as dinâmicas desses ataques contra a imprensa é fundamental para, justamente, evidenciar que esses insultos não são apenas agressões isoladas. “[As agressões] são  parte de um sistema coordenado de pressão e uma estratégia política de propaganda governamental”. Para ele, em um ambiente político extremamente polarizado, essa estratégia faz parte de um esforço de controle da agenda pública e mobilização permanente das bases eleitorais.

Além dos constantes ataques, Javier Milei intervém em empresas estatais de comunicação, que configura grave violação à liberdade de imprensa no país. No início de março, o governo argentino estendeu a licença dos trabalhadores da agência estatal de notícias Télam e ofereceu um programa de demissão voluntária. As decisões compõem uma série de estratégias para fechar a empresa e foram duramente rejeitadas pelos trabalhadores e pela oposição.

Protesto contra ataques de Milei à comunicação pública e comunitária na Argentina/Foro Argentino de Radios Comunitarias (FARCO)

Ataques à imprensa em cenários políticos polarizados

A maioria dos jornalistas teve limitado o acesso ao Poder Executivo Nacional e muitos sofreram agressões diretas, prontamente replicadas por apoiadores de Milei (nas redes sociais e nas ruas). Um cenário político inflamado, como se observa na Argentina hoje, é um terreno fértil para a hostilidade contra a imprensa. 

“Como autoridade máxima da nação, o presidente argentino Javier Milei serve de exemplo para outros funcionários públicos e também para seus seguidores”, comenta Cristina Zahar, coordenadora para a América Latina do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ). Para a jornalista, esse comportamento é nocivo para a manutenção da liberdade de imprensa no país. “Vimos em outros governos na América Latina e no mundo como atacar meios de comunicação e jornalistas coloca em risco a segurança dos e das profissionais”, complementa.

Como pontuado por Zahar, a estratégia já foi adotada por outros governos recentes, como o do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), do PL, que tinha como uma de suas agendas políticas ataques à imprensa brasileira. Só em 2022, último ano de seu mandato, Bolsonaro e seus filhos com cargos públicos – Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Carlos Bolsonaro (Republicanos-SP) – surgiram entre os autores de agressões em 41,6% do total registrado. Os dados foram compilados e divulgados pela Abraji no relatório anual do Monitoramento de Ataques a Jornalistas no Brasil

No final de março, a Abraji lançou o relatório Monitoramento de Ataques Gerais e Violência de Gênero, com dados relativos ao ano de 2023. Os dados foram apresentados em evento on-line pela pela pesquisadora Rafaela Sinderski, responsável pelo monitoramento da Abraji. Acesse aqui o documento.

Crédito da foto: Tomas Cuesta/Getty Images

Assinatura Abraji