- 05.09
- 2022
- 10:22
- Texto: Sérgio Ramalho Imagens: Pedro Prado
Liberdade de expressão
Dois presos ligados ao assassinato de Dom e Bruno são contratados da prefeitura de Atalaia do Norte
Foto: Agentes da PF prendem quatro integrantes da família do assassino confesso de Bruno e Dom
Presos pela Polícia Federal há um mês, Jânio Freitas de Souza e Otávio da Costa Oliveira, foram contratados na gestão do prefeito Dênis Linder Rojas de Paiva (União Brasil), de Atalaia do Norte, no Amazonas. Otávio Oliveira também é irmão de Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, assassino confesso do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira.
Jânio de Souza (matrícula 8888) e Otávio Oliveira (matrícula 8356) ocupam as funções de auxiliar de serviços gerais e microscopista, respectivamente, nas secretarias de Interior e de Saúde. De acordo com a folha de pagamento de julho passado, ambos receberam salários de R$ 1.212,00 e R$ 1.750,00. Embora tenham sido presos pela Polícia Federal no último dia 05.ago.2022, data em que os assassinatos de Dom e Bruno completaram dois meses, os dois servidores temporários não foram exonerados das funções até 01.set.2022.
Pelo menos é o que revelam as buscas feitas no Diário Oficial e no Portal de Transparência do município, localizado a 1.136 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas. A partir dos nomes e dos números de matrículas de Jânio e Otávio, o Programa Tim Lopes da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) pesquisou os dados disponibilizados no portal de Atalaia do Norte na internet.
A análise do site mostra que o relatório mensal de pessoal não foi atualizado em agosto. No espaço virtual constam apenas informações referentes às folhas de pagamento de janeiro até julho. Já o Diário Oficial traz as movimentações do Executivo municipal, sem indicar os desligamentos dos dois servidores temporários. Além dos dois presos pela PF, a busca revelou outro nome da família de Amarildo, o Pelado, na folha de pagamentos da prefeitura: Manuel Vitor Sabino da Costa, tio do assassino confesso. Conhecido como Churrasco, ele teria um encontro com Bruno e Dom na manhã em que eles foram executados e esquartejados.
Foto: Print cortado do Relatório mensal para simples conferencia-julho-2022 da PREFEITURA MUNICIPAL DE ATALAIA DO NORTE, com os nomes de Jânio, Otávio e Manuel.
Churrasco não teve a prisão decretada, mas segue sendo investigado por suspeita de envolvimento na tocaia ao indigenista e ao jornalista inglês. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal desmembraram a investigação em dois inquéritos. Num deles apura os detalhes em torno dos assassinatos e a participação de cada suspeito. Três pessoas já foram denunciadas pelas mortes: Amarildo de Oliveira, o Pelado; seu irmão, Oseney Costa de Oliveira; e Jefferson Lima da Silva, o Pelado da Dinha.
No segundo inquérito, os policiais federais apuram - em paralelo às execuções de Bruno e Dom - o envolvimento de moradores das comunidades ribeirinhas de São Gabriel e São Rafael, às margens do Rio Itacoaí, nas invasões para pesca e caça predatórias na TI do Vale do Javari. O indigenista vinha denunciando Pelado como líder do bando há pelo menos dois anos. Foi essa parte da investigação que levou a Polícia Federal a realizar uma operação em 05.ago.2022.
Na ocasião, os agentes foram a São Gabriel e São Rafael, onde prenderam por associação criminosa: Jânio Freitas de Souza, Laurimar Lopes, o Caboclo, Otávio Costa de Oliveira, Amarílio Oliveira e Elicley Costa de Oliveira, o Sirinha. Os três últimos são irmãos de Pelado, o assassino confesso. Na casa de Sirinha os agentes da PF tinham apreendido anteriormente duas canoas, serrotes, facões e uma motosserra supostamente usadas para esquartejar o jornalista e o indigenista.
Além dos cinco presos em 05.ago.2022, a Polícia Federal incluiu no inquérito que apura o crime de associação criminosa para pesca ilegal os nomes de Amarildo, o Pelado, e do narcotraficante Rubens Villar Coelho, apontado como financiador das expedições ilegais para pesca e caça predatória na Terra Indígena. De acordo com a apuração, Pelado atuava como uma espécie de braço direito do traficante em Atalaia do Norte.
Abraji enviou e-mail ao gabinete do prefeito, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem. A relação de Dênis de Paiva com Amarildo Oliveira e sua família ficou evidente dias depois dos desaparecimentos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em 05.jun.2022. Enquanto as polícias Federal e Civil realizavam buscas pelo paradeiro da dupla, o prefeito esteve na comunidade de São Gabriel, às margens do Rio Itacoaí, para questionar a prisão de Pelado, como mostrou o site G1.
Conforme a Abraji revelou em 28.jun.2022, o indigenista Bruno Pereira estava mapeando as ramificações na prefeitura de Atalaia do Norte do grupo envolvido em atividades ilegais de caça e pesca predatórias na Terra Indígena (TI) do Vale do Javari. O levantamento vinha sendo feito há pelo menos dois meses em parceria com ativistas ambientais e com a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
A reportagem mostrou que Bruno tinha o hábito de fazer investigações paralelas desde que começou a trabalhar na coordenação da Fundação Nacional do Índio (Funai) na região. Em 2013, ele foi o responsável pelo mapeamento de um grupo de comerciantes do município envolvido na retenção de cartões de indígenas beneficiados por programas assistenciais, dentre eles o Bolsa Família.
O levantamento minucioso feito pelo indigenista listou uma rede de comerciantes, com seus respectivos estabelecimentos identificados por georreferenciamento. O relatório foi encaminhado ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal, resultando em uma grande operação policial. Entre os citados no levantamento estava Dênis de Paiva, dono da única lotérica da cidade, e atual prefeito de Atalaia do Norte.
À época, a Abraji também tentou ouvir o prefeito sobre a apreensão de cartões de indígenas feita pela Polícia Federal em sua lotérica, mas não teve retorno. Na ocasião, a assessoria de comunicação da prefeitura informou que Dênis de Paiva estava em Manaus para obter recursos para o município. No mesmo período acontecia o Festival de Parintins.
Confira o vídeo abaixo sobre o trajeto e os momentos finais da vida do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira:
Preços do pirarucu e do tracajá aumentaram
As ações da Polícia Federal no entorno da TI do Vale do Javari não colocaram um fim nas expedições de caça e pesca predatórias na reserva indígena, mas resultaram no aumento de preços do pirarucu e do tracajá, um quelônio muito apreciado na região. Com a diminuição gradativa no número de policiais e de agentes da Funai e do Ibama na localidade, esses produtos passaram a ser oferecidos novamente em grupos de WhatsApp.
Antes dos assassinatos de Dom e Bruno, um desses grupos tinha como principal fornecedor o servidor temporário da Secretaria de interior, Jânio de Souza. A informação foi confirmada ao Programa Tim Lopes da Abraji por um dos ativistas que colaboraram com Bruno Pereira em sua investigação sobre o envolvimento de servidores municipais com o esquema de caça e pesca predatórias.
Na quarta-feira passada, 31.ago.2022, um integrante do grupo do aplicativo Whatsapp Mercadinho Barroso, conhecido como Neguinho Salvador, postou uma imagem de quatro tracajás com a seguinte oferta: “Olha as baratas querendo só chamar no PV”. De acordo com o ativista ambiental, os quelônios passaram a ser vendidos por até R$ 250.
Foto: Reprodução Whatsapp
"Antes das mortes de Bruno e Dom, eles eram oferecidos por R$ 100 e até R$ 150. Agora podem custar até R$ 250”, lamenta um ativista, que enviou as imagens à Abraji sob a condição de anonimato.
Segundo a fonte, a gradativa diminuição das estruturas de fiscalização vem agravando ainda mais a situação na TI do Vale do Javari: “Temos relatos do aparecimento de indígenas de grupos isolados em terras de etnias já acostumadas ao contato com o homem branco. Isso se deve ao avanço das invasões”, afirma.
Conforme a Abraji noticiou em agosto, caçadores estariam oferecendo filhotes de preguiça e macaco barrigudo em Atalaia do Norte e Benjamin Constant, cidade vizinha, que fica a 30 minutos de barco do porto de Tabatinga de onde os animais são levados à Colômbia. “Um filhote de barrigudo estava sendo oferecido por R$ 200”, denunciou à época o ativista.
A morte do jornalista britânico foi a quinta incluída no Programa Tim Lopes. Dom Phillips acompanhava o indigenista em uma expedição pelo Vale do Javari. O correspondente, colaborador de longa data do jornal The Guardian, estava escrevendo um livro sobre como salvar a Amazônia, no qual fazia referência a violações de direitos humanos na região.