- 06.08
- 2022
- 13:36
- Texto: Sérgio Ramalho e Imagens: Pedro Prado
Liberdade de expressão
Crime em família: mais 4 parentes de Pelado presos pela morte de Bruno e Dom
Numa operação desencadeada sexta-feira, 05.ago.2022, agentes da Polícia Federal (PF) prenderam mais quatro suspeitos de participação nas execuções do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira. Entre os presos na ação realizada no dia em que o crime completou dois meses figura Laurindo Alves, o Caboclo, cunhado de Amarildo de Oliveira, o Pelado, e funcionário da prefeitura de Atalaia do Norte (AM).
A prisão de Caboclo, nomeado pelo prefeito Dênis Linder Rojas de Paiva (UB), pode ser o elo entre a administração municipal com a caça e a pesca predatórias na Terra Indígena do Vale do Javari. Conforme antecipou o Programa Tim Lopes, da Abraji, o indigenista Bruno Pereira vinha investigando as ramificações de invasores da terra indígena na prefeitura da cidade.
Além de Caboclo, a PF prendeu dois irmãos e o filho de Amarildo, o Pelado. Os nomes não foram divulgados, mas um dos irmãos detido é conhecido como Sirinha. Foi na casa dele, na comunidade ribeirinha de São Gabriel, que agentes da PF apreenderam duas canoas, serrotes, facões e uma motosserra. As ferramentas teriam sido usadas para desmembrar os corpos de Dom e Bruno.
Nesta foto da PF, um dos suspeitos presos observa os serrotes, facão e motosserra supostamente usados no crime.
Invasões cresceram em dois meses
Dois meses depois do crime, ativistas e indígenas de Atalaia do Norte denunciam ao Programa Tim Lopes novas invasões à Terra Indígena (TI) do Vale do Javari. A situação teria se agravado após a transferência do inquérito que apura as mortes do jornalista inglês e do indigenista à Delegacia da Polícia Federal de Tabatinga, cidade que faz fronteira com Letícia, na Colômbia, e Santa Rosa de Yavari, no Peru.
Além de transferir a investigação para a delegacia na tríplice fronteira, a Superintendência da PF no Amazonas também mudou o delegado responsável pelo caso. Domingos Sávio Pinzon Rodrigues retornou à antiga função em Manaus. Ativistas e indígenas ouvidos pelo Programa Tim Lopes afirmam que, após a mudança nos rumos da investigação, os invasores intensificaram as atividades ilegais na terra indígena.
O mercado de peixes de Atalaia do Norte, às margens do Rio Javari, serve como termômetro da atividade predatória na região:
“A transferência da investigação para Tabatinga representou uma significativa redução nas equipes da Polícia Federal no Vale do Javari. Com isso, os pescadores e caçadores voltaram a oferecer abertamente no mercado pirarucus, tracajás, ovos dessa espécie de quelônio, carne de caça e até animais vivos”, denunciou um dos ativistas à Abraji.
De acordo com a fonte, mantida no anonimato por questões de segurança, caçadores estariam oferecendo filhotes de preguiça e macaco barrigudo em Atalaia do Norte e Benjamin Constant, cidade vizinha, que fica a 30 minutos de barco do porto de Tabatinga de onde os animais são levados à Colômbia. “Um filhote de barrigudo estava sendo oferecido por R$ 200”, denuncia o ativista.
Os defensores da terra indígena temem que o aumento das expedições de caça e pesca predatórias no Vale do Javari resulte em mais mortes, sobretudo, de indígenas de tribos isoladas. Com 85 mil quilômetros quadrados, o território demarcado abriga 26 diferentes grupos étnicos. Pelos cálculos da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), é uma população estimada em pouco mais de 6 mil pessoas, sem contar os grupos isolados.
A presença dos invasores representa uma série de ameaças às aldeias isoladas, que podem ser dizimadas pelo contato com doenças como a covid-19. Além dos riscos de conflitos envolvendo indígenas com caçadores e pescadores armados.
Indígena conduz equipe da Abraji pelo caminho da perseguição a Bruno e Dom na Amazônia para produção deste vídeo.
E os mandantes?
As fontes ouvidas na reportagem temem que as investigações se encerrem sem que se chegue aos mandantes do crime. “Os irmãos Amarildo e Oseney da Costa Oliveira tinham influência entre os pescadores e caçadores ribeirinhos de São Gabriel e São Rafael, mas por aqui ninguém acredita que eles tenham decidido por conta própria executar Bruno e Dom”, aponta um dos entrevistados.
Ativistas e indígenas ressaltam que o indigenista vinha havia anos travando embates com todo o tipo de invasor da terra indígena. “Pescadores e caçadores são os elos mais fracos dessa cadeia ilegal: “Bruno enfrentava gente importante, que financia a atividade de grileiros, madeireiros e garimpeiros”, disse o ativista.
Conforme a Abraji revelou em reportagem publicada em 29.Jun.2022, Bruno Pereira vinha investigando por conta própria as relações suspeitas entre integrantes do Executivo de Atalaia do Norte com os grupos envolvidos na caça e pesca predatórias na TI do Vale do Javari. O ativista ouvido pela reportagem atuava como um dos colaboradores do indigenista.
O local onde Maxciel Santos foi morto depois de ter sido afastado da Funai.
O temor dos defensores da TI de que a transferência da investigação para Tabatinga leve o caso a cair em esquecimento tem explicação. A delegacia não conseguiu solucionar até hoje a execução de Maxciel Pereira dos Santos. Ex-colaborador da Funai, ele fazia parte da equipe de fiscalização de Bruno Pereira na base de proteção do rio Curuçá e foi responsável pela apreensão de uma embarcação com aproximadamente uma tonelada de pirarucus, tracajás e outros animais oriundos da pesca e da caça predatórias no interior da Terra Indígena.
Duas semanas depois do episódio, ele foi afastado da função na Funai e morto com dois tiros de pistola na nuca enquanto passava de moto com a mulher e a filha, na Avenida da Amizade, entre Tabatinga e Letícia. A execução aconteceu numa tarde ensolarada de 6.set.2019. A falta de informações sobre a investigação da delegacia de PF de Tabatinga levou parentes do ex-colaborador da Funai a investigar sua morte, como mostrou reportagem da Agência Pública.
Apesar dos esforços da família de Maxciel em cobrar uma solução para o crime, a investigação da delegacia da PF em Tabatinga não avançou e os assassinos e mandantes seguem impunes.
Servidor da Funai pede para sair após ameaça
Enquanto a Polícia Federal ainda realizava buscas para localizar os corpos do jornalista e do indigenista, em junho passado, um servidor da Fundação Nacional do Índio em Atalaia do Norte procurou a delegacia da Polícia Civil no município para registrar que havia recebido ameaças por conta do trabalho de fiscalização na TI do Vale do Javari.
Ouvido pela reportagem, o servidor, que pediu para não ser identificado, não citou os nomes dos supostos responsáveis pelas ameaças. Segundo ele, a partir do desaparecimento de Bruno e Dom, correu pela cidade de pouco mais de 13 mil habitantes a informação de que havia uma lista com nomes de servidores da Funai, ativistas e indígenas da Univaja marcados para morrer.
Após a confirmação dos assassinatos do jornalista e do indigenista, com a descoberta dos corpos em 15.jun.2022, o clima de insegurança ficou ainda pior:
“Ficamos com a sensação de que fomos abandonados à própria sorte pelo governo. Primeiro foi o Maxciel, depois o Bruno. Ambos foram assassinados depois de terem sido afastados de suas funções. Esse é o recado do governo para quem tenta defender a TI do Vale do Javari”, disse o servidor, que solicitou transferência da região.
A casa da família de Pelado, onde foram encontrados os equipamentos, como serrotes, que teriam sido usados no crime.
Risco de resgate levou PF a transferir presos para Manaus
O clima de insegurança nas cidades de Atalaia do Norte e Benjamin Constant atingiu o ápice com a prisão de Rubens Villar Coelho, o Colômbia. Os quatro detidos neste final de semana também foram direto para Manaus.
Suspeito de comandar o tráfico de drogas na tríplice fronteira e de financiar expedições de caça e pesca predatórias na terra indígena, Colômbia acabou detido ao se apresentar na delegacia da PF, em Tabatinga, em 07.jul.2022. Como mostrou reportagem da Abraji, o homem suspeito de ser um dos mandantes das mortes do indigenista e do jornalista inglês foi à Polícia Federal acompanhado de um advogado para dizer não ter nenhuma ligação com o crime.
Durante o depoimento, Colômbia caiu em contradição ao dizer onde havia nascido. Num primeiro momento, o suspeito afirmou ter nascido em Benjamin Constant e apresentou uma identidade brasileira em nome de Rubens Villar Coelho. Entretanto, minutos depois, ele disse ter nascido em Letícia, na Colômbia.
A contradição levou os agentes da PF a revistarem o suspeito, que carregava uma segunda identidade. Dessa vez, colombiana e em nome de Ruben Dario da Silva Villar. Preso por falsidade ideológica, Colômbia ficou inicialmente na carceragem da PF em Tabatinga, mas foi transferido para Manaus.
O temor de uma possível tentativa de resgate do suposto traficante também motivou o Ministério Público Federal e a PF a solicitarem a transferência de Amarildo, o Pelado, seu irmão Oseney, o dos Santos, e Jeferson, o Pelado da Dinha, para Manaus. Os três presos estavam detidos na delegacia da Polícia Civil, em Atalaia do Norte.
A delegacia tem um efetivo reduzido e nos fins de semana apenas um policial permanece na unidade para garantir a segurança da carceragem, onde estavam presos os três suspeitos de participação nas execuções de Dom e Bruno. Embora a delegacia da PF em Tabatinga tenha uma estrutura melhor do que a delegacia da Polícia Civil de Atalaia do Norte, o juiz federal Fabiano Verli autorizou a transferência do grupo para Manaus e ressaltou na decisão:
“Realmente, em Tabatinga, temos problemas variados, não só a falta de vagas. Mas também resgates possíveis”, escreveu o juiz.
A Polícia Federal nega que a transferência do inquérito para Tabatinga represente o fim da investigação.