Com rede de atores políticos e influenciadores, clã Bolsonaro atacou imprensa 801 vezes no Twitter
  • 15.07
  • 2022
  • 16:30
  • Rafaela Sinderski

Liberdade de expressão

Com rede de atores políticos e influenciadores, clã Bolsonaro atacou imprensa 801 vezes no Twitter

Jair Bolsonaro (PL) e seus filhos com cargos eletivos usaram o Twitter 801 vezes para atacar a imprensa entre de janeiro de 2021 e 5 de maio de 2022. Isso representa ao menos um ataque por dia. O dado é resultado de uma análise realizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que examinou 14.918 tweets e retweets feitos pelo presidente da república, pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) a fim de desvendar padrões em suas ofensivas contra a liberdade de imprensa no Brasil. O estudo permitiu mapear uma rede de ataques que envolve influenciadores e atores políticos.

Ataques, críticas e tentativas de descredibilização foram encontrados em 73% dos tweets em que os membros da família Bolsonaro mencionaram jornais, jornalistas ou a imprensa de modo geral. Carlos Bolsonaro foi o integrante que mais atacou, somando 351 publicações, respostas e compartilhamentos hostis — 86,9% das vezes que comentou sobre a mídia e seus profissionais dentro do recorte temporal analisado. Em seguida, está Eduardo, com 340 ataques (66,6% de seus tweets sobre imprensa) e Flávio, com 76 (62,8%). Já o chefe do executivo nacional adotou uma postura antagônica em relação à imprensa, meios de comunicação e comunicadores em 54,8% (34) de suas postagens e repostagens sobre o assunto.

Dados dos monitoramentos de ataques e violência de gênero contra jornalistas, conduzidos pela Abraji, mostram que atores estatais foram os principais agressores em 2021 — e que esse padrão vem se mantendo em 2022. Nesses dois anos, membros do clã Bolsonaro lideram como os principais autores de ataques, ao lado de aliados e apoiadores do governo.

Não à toa, os discursos estigmatizantes proferidos por autoridades e as campanhas sistemáticas de intimidação despontam como os principais tipos de agressão, chegando a 74,6% dos casos registrados em 2021 e 64,5% dos episódios identificados entre janeiro de 2022 até o momento. Os números também deixam claro o potencial das redes sociais como ferramentas de ataque, já que 62,5% do total de alertas de 2021 e 60,1% dos casos de 2022 tiveram origem ou repercussão na internet. Isolados, esses dados já desenham um cenário preocupante. E, juntas, as informações revelam um padrão de violência contra a imprensa e seus profissionais que se desenrola no ambiente on-line: atores políticos instigam a hostilização, seus seguidores a amplificam. Os ataques se espalham e se fortalecem por meio de redes articuladas ou semi-articuladas.

Em abril de 2022, por exemplo, Eduardo Bolsonaro usou sua conta no Twitter para debochar da prisão e tortura da jornalista Míriam Leitão durante o período de regime militar no Brasil (1964-1985). A agressão ecoou entre parte dos internautas que apoiaram a atitude do deputado. Míriam Leitão já foi alvo de cinco ataques diferentes realizados pelos Bolsonaro ao longo deste ano. Em junho, o repórter Lucas Neiva e a editora Vanessa Lippelt, do site Congresso em Foco, foram alvos de ofensas e ameaças após publicação de matéria que revelava a mobilização de um fórum anônimo para produzir conteúdo desinformativo em prol do presidente. Lippelt sofreu ameaças de estupro.

Ataques em rede

A análise dos tweets dos Bolsonaro sobre a imprensa revelou uma rede de conexões entre contas que são frequentemente respondidas e retweetadas pelos atores políticos em seus ataques. Essa rede é, sobretudo, formada por figuras conhecidas no cenário político nacional, ocupantes de cargos públicos e eletivos, e influenciadores com milhares de seguidores no Twitter.

Os padrões de uso da plataforma entre os integrantes da família do presidente também são diferentes. Carlos Bolsonaro (@CarlosBolsonaro) é o membro que mais ataca a imprensa no Twitter, também o que mais responde a ataques feitos por outros usuários; 44,4% de suas postagens sobre o tema são respostas — apenas 23% são à própria conta (threads) — e 1,4% são retweets. O vereador frequentemente interage com as contas @brom_elisa, que tem 125,3 mil seguidores na plataforma; @iaragb, com 74 mil seguidores; e @saritacoelho, com 74,5 mil seguidores.

Carlos também divide ataques com o influenciador Kim Paim (@kimpaim), que acumula 678,2 mil seguidores no Twitter e 629 mil inscritos no YouTube, e com atores políticos como o ex-secretário especial de Cultura do governo, Mario Frias (@mfriasoficial), o chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, General Heleno (@gen_heleno), o ex-secretário nacional de Incentivo e Fomento à Cultura, André Porciuncula (@andreporci), o comentarista político Rodrigo Constantino (@RConstantino) e o pastor Marco Feliciano (@marcofeliciano).

Para Eduardo Bolsonaro (@EduardoSP), segundo na lista de agressores do clã, 33,8% dos conteúdos sobre imprensa são retweets e 11,2% são respostas (76,3% à própria conta, dando forma às threads). O deputado retweetou com frequência seus próprios conteúdos (23 vezes), mas, assim como o irmão, também interagiu com @brom_elisa, André Porciuncula, General Heleno, Kim Paim e Rodrigo Constantino.

Já o padrão de uso do Twitter do senador Flávio Bolsonaro (@FlavioBolsonaro) é marcado pelo compartilhamento: 86,4% são retweets e apenas 1,3% são respostas à própria conta. Ele deu visibilidade aos tweets de membros da família, compartilhando de @CarlosBolsonaro, @jairbolsonaro e @BolsonaroSP, bem como de contas influentes na plataforma, como @taoquei1, com 1,1 milhões de seguidores, e do ministro das Comunicações Fabio Faria (@fabiofaria), com 495,7 mil seguidores.

Por fim, entre os ataques do presidente à imprensa, 5,9% são retweets e 50% são respostas — todas à própria conta. Bolsonaro só compartilhou publicações do filho Carlos e do comandante da Força Aérea Brasileira, Brigadeiro Baptista Jr (@CBaptistaJr). Um grafo mostra as conexões entre os perfis da família Bolsonaro e contas no Twitter que receberam interações do clã em ataques à imprensa, a meios de comunicação e a jornalistas.

 

Monitoramento de ataques a jornalistas

A pesquisa é um desdobramento do monitoramento de ataques à imprensa que a Abraji realiza sistematicamente desde 2019, com o apoio e a metodologia compartilhada da rede latino-americana Voces del Sur (VDS). O trabalho deu origem a um relatório com dados de 2021, disponível para download.

No ano passado, a associação também passou a monitorar casos de violência de gênero contra jornalistas. O projeto identifica e registra episódios de agressões, ofensas, ameaças, intimidações e outras formas de ataque que envolvem identidade de gênero, sexualidade, orientação sexual, aparência e estereótipos sexistas contra comunicadores como um todo, bem como casos de agressão contra mulheres jornalistas – cis ou trans – de forma geral.

O cenário de 2021 para a violência de gênero contra profissionais da imprensa foi apresentado em um relatório publicado em português, inglês e espanhol. O monitoramento conta com uma plataforma on-line que tem sido atualizada com os dados parciais de 2022.

Imagem de capa: Reprodução/Twitter

Assinatura Abraji