CNMP divulga dados oficiais inéditos sobre assassinatos de jornalistas
  • 30.04
  • 2019
  • 16:38
  • Marina Atoji

Liberdade de expressão

CNMP divulga dados oficiais inéditos sobre assassinatos de jornalistas

Foto: Sergio Almeida (Ascom/CNMP)

Pela primeira vez, o Brasil tem dados oficiais reunidos por um ente público sobre assassinatos de comunicadores em razão do ofício. Até o momento, apenas estatísticas reunidas por organizações da sociedade civil, com diferentes metodologias, estavam disponíveis. Com base nessas informações e em dados de tribunais, polícias e Ministérios Públicos de todo o país, a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) mapeou 64 casos de homicídios de comunicadores de 1995 a 2018. 25% deles ainda estão sendo investigados.

Os números fazem parte de um relatório inédito divulgado hoje (30.abr.2019) em evento realizado no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para marcar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio. "Toda vez que ficamos diante de algum mecanismo que vise calar um jornalista, um comunicador, estamos diante de uma ação contra a democracia", declarou a procuradora-geral da República Raquel Dodge ao abrir o evento.

"Calar ou ameaçar a imprensa é flertar com o autoritarismo", reiterou Dodge em uma das oito vezes em que relacionou a liberdade de imprensa à democracia. Para a procuradora-geral, crimes contra a vida de comunicadores atingem direitos fundamentais de todos os cidadãos. A diretora e representante da UNESCO no Brasil, Marlova Noleto, endossou: "quando se cala a voz de um jornalista, cala-se a voz da sociedade".

Além de apresentar uma contabilidade oficial de casos, o relatório da Enasp, em elaboração desde 2017, mostra um panorama das investigações. Os 64 homicídios foram classificados em 4 tipos: solucionado, parcialmente solucionado, em andamento e não solucionado.

Metade (50%) foi classificada como solucionada, ou seja, mandantes e executores foram identificados, houve apresentação de denúncia pelo Ministério Público e houve a instauração de uma ação penal. Um quarto (25%) ainda está em andamento e 11% não foram solucionados, ou seja, a investigação não identificou quem praticou o crime.

Dos 16 casos em andamento, 3 foram cometidos há 10 anos ou mais: dois em Alagoas (Jorge Lourenço dos Santos, 2004 e Walter Lessa de Oliveira, 2008) e um no Rio de Janeiro (Robson Barbosa Bezerra, 2007). 

Não há dados sobre punições resultantes de julgamentos dos casos solucionados e parcialmente solucionados. "Neste primeiro momento, o relatório servirá de fonte de informação para que os MPs estaduais e a sociedade civil presssionem por maior celeridade no julgamento desses casos, se avaliar necessário", explicou o promotor Emmanuel Levenhagen, um dos autores do relatório.

Levenhagen ressalta que o levantamento é "vivo". Os dados sobre as investigações e processos serão atualizados periodicamente e o relatório, anualmente.

A maioria dos assassinatos citados vitimou radialistas e blogueiros que atuavam fora dos grandes centros urbanos. Os dados corroboram a tendência observada por organizações da sociedade civil que monitoram a ocorrência desse tipo de crimes, como a Abraji, a Artigo 19, a ABERT, a Repórteres Sem Fronteiras e a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

"São comunicadores que estão mais vulneráveis, pois não contam com a estrutura de uma grande empresa ou recursos para se proteger", diz Levenhagen. Rio de Janeiro, Bahia e Maranhão concentraram a maioria dos homicídios. Cada estado registrou 13, 7 e 6 casos, respectivamente. 

Nesses casos, segundo o promotor, a impunidade é maior, por causa da estrutura precária das polícias nas regiões mais afastadas.

Raquel Dodge manifestou expressamente a intenção de aprovar no primeiro semestre uma proposta de recomendação para que Ministérios Públicos priorizem a apuração de crimes contra a vida de jornalistas. "Já combinei no fim do mês passado que será trazida para o plenário. Nada mais apropriado que, em uma sessão próxima ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o CNMP delibere sobre esse tema", disse. A proposição tramita no CNMP desde maio do ano passado e está sob vistas do conselheiro Marcelo Weitzel desde agosto.

Questionado sobre o motivo da demora na aprovação da proposta, o conselheiro Sebastião Vieira Caixeta atribuiu-a ao volume de processos e de sustentações orais nas sessões do CNMP. "Mas, como a própria procuradora-geral tem o poder de pautar as sessões e manifestou que deverá trazer a proposta ao plenário, acredito que a aprovação acontecerá em breve".

 

Assinatura Abraji