- 12.03
- 2021
- 14:00
- Letícia Kleim*
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
CIDH lança relatório que reforça cenário de ameaça à liberdade de expressão no Brasil
Na sexta-feira da semana passada (05.mar.2021), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou o relatório “Situação dos direitos humanos no Brasil” que, entre outras recomendações, chamou atenção do Estado brasileiro para sua responsabilidade em relação às violações à liberdade de expressão e de imprensa. O documento destacou o dever do governo em oferecer garantia efetivas para a proteção de jornalistas que são vítimas de ataques devido a sua profissão.
A publicação se baseou na coleta de informações e dados realizados na visita in loco da CIDH ao Brasil no ano de 2018, passados 20 anos da última ação desse tipo. Nessa oportunidade, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) esteve presente e entregou ao então Relator Especial para Liberdade de Expressão da CIDH, Edson Lanza, informações sobre agressões físicas e ameaças virtuais dirigidas contra a imprensa no Brasil.
Para uma análise completa dos temas de direitos humanos mais urgentes no país, o documento se divide em seis capítulos temáticos, sendo o último deles especificamente sobre a situação da liberdade de expressão e informação, com destaque para a violência contra jornalistas e comunicadores.
A Comissão se mostrou atenta ao aumento desses casos nos últimos anos à luz da polarização política. À época, o monitoramento feito pela Abraji que contabilizou 141 casos de intimidação ao trabalho da imprensa nas eleições de 2018, é citado e destacado no relatório como comprovação deste cenário de ameaças.
Também foram mencionados os números de assassinatos de jornalistas: 11 casos nos últimos 5 anos, sendo 4 deles somente no ano de 2018. A Comissão reforçou seu repúdio a esse cenário, classificando-o como a forma mais extrema de censura. A recomendação nesses casos é realizar a devida investigação de maneira eficaz, garantindo a sanção dos responsáveis pelos crimes. O relatório afirma ainda que a impunidade, quando se torna regra no país, contribui para a autocensura da imprensa.
A respeito da impunidade dos casos de assassinatos de comunicadores e jornalistas, o Relatório do Conselho Nacional do Ministério Público, publicado em 2019, corrobora essa visão, mostrando que, nos últimos 20 anos, somente 32 dos 64 casos de homicídios contra profissionais da imprensa foram solucionados por meio dos inquéritos policiais. Essa taxa de impunidade pode ter efeitos ainda maiores de autocensura no interior do país, onde a maioria dos casos ocorre.
O relatório destaca dois casos emblemáticos. O primeiro é o da jornalista Constança Rezende, alvo de uma série de ataques virtuais e ameaças pela atuação articulada de uma “milícia virtual”. Os ataques foram iniciados por uma declaração do presidente Jair Bolsonaro em 10.mar.2019. E se difundiram por campanhas de desinformação levadas a cabo por grupos organizados classificados como “máquina de difamação”. Esse ataque não foi isolado, e nos últimos anos a tendência parece aumentar.
A Comissão também pede ao Estado Brasileiro que investigue e sancione os diversos atos de violência e ameaça sofridos pelo jornalista Glenn Greenwald, devido à publicação de uma série de reportagens a respeito da Operação Lava Jato. Dentre elas, a própria ação do Estado, por meio da Polícia Federal, de intimidação ao livre exercício da atividade jornalística, um dos pilares democráticos.
Além da violência contra comunicadores, o cenário de restrições e ameaças à liberdade de expressão foi ilustrado no relatório com denúncias de restrições à liberdade de cátedra e violações à liberdade de associação e protestos sociais.
A Comissão frisou que as agressões ocorridas em protestos vitimaram aqueles que trabalham na cobertura desses eventos, assim como outras formas de censura e repressão por meio de processos e persecuções penais, e do uso excessivo da lei de desacato para silenciar o trabalho de jornalistas.
Os discursos de incitação ao ódio e à discriminação, ao lado de censura e declarações estigmatizantes, foram repudiados no relatório, especialmente quando os autores são autoridades públicas que se utilizam de seus pronunciamentos para prejudicar os direitos de jornalistas, meios de comunicação e organizações de defesa de direitos humanos.
A CIDH afirmou que “as ações e omissões do Estado e de seus funcionários devem estar sujeitas a rigorosa inspeção, não apenas pelos órgãos de controle interno, mas também pela imprensa e pela opinião pública”, reforçando que garantir a liberdade de expressão e o acesso à informação são deveres do Estado, e fazem parte da preservação de um espaço cívico democrático.
Adequação aos tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos
O relatório reafirmou os tratados e convenções internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário e que, portanto, têm o compromisso de agir de acordo com seus dispositivos e recomendações.
A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), por exemplo, em seu artigo 13, garante a liberdade de pensamento e de expressão e coloca como responsabilidade dos Estados proibir a apologia ao ódio e a incitação à discriminação. A esse respeito, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão afirma no relatório que “a ‘apologia ao ódio’ dirigida a pessoas com base em sua orientação sexual, identidade de gênero ou diversidade corporal constitui incitamento à violência e, portanto, é contrária aos preceitos e obrigações de direitos humanos assumidas pelo Estado brasileiro.”
Da mesma forma, a Comissão destacou que está em desacordo com o artigo 13 da CADH o uso do direito penal de maneira desproporcional para defender a honra e a imagem dos agentes públicos, o que se aplica para a criminalização da calúnia, injúria e difamação e também nas leis de desacato. Segundo o relatório, os efeitos dessa legislação superprotetora da honra das autoridades públicas são o silenciamento do exercício do jornalismo e da participação no debate público.
Outro importante documento internacional mencionado no relatório é a “Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão” da CIDH que enfatiza, no 6º princípio, que “toda pessoa tem o direito de externar suas opiniões por qualquer meio e forma”.
Além disso, a CIDH pontua dois mecanismos que devem ser incentivados e ampliados pelo Estado brasileiro, porque estão no sentido das proteções internacionais ao acesso à informação e à liberdade de expressão.
A Lei de Acesso à Informação (LAI), pelo fim do sigilo de documentos oficiais e criação de ferramentas de disponibilização de informações.
E o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), que deve ser amplamente divulgado e atender de maneira efetiva aqueles que correm riscos em decorrência do exercício de sua função.
O relatório traz recomendações específicas para o PPDH, como a implementação em âmbito nacional, coordenação com órgãos de segurança responsáveis pela implementação das medidas de proteção, federalização dos crimes cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos, consideração do exercício do seu trabalho como hipótese investigativa dos atos de violência cometidos contra essas pessoas e medidas positivas para a construção de uma cultura de proteção e valorização do trabalho dos defensores de direitos humanos.
*Assessora jurídica da Abraji
Foto: Alan Santos/PR/Agência Brasil