Censura judicial avança e cala mais dois veículos no Brasil
  • 04.09
  • 2017
  • 13:00
  • Mariana Gonçalves

Liberdade de expressão

Censura judicial avança e cala mais dois veículos no Brasil

O coordenador do CTRL+X, projeto da Abraji que mapeia as tentativas de censura a veículos de mídia no Brasil, Tiago Mali, considera inaceitáveis os dois casos de censura judicial noticiados pela associação na última semana. “Infelizmente, isso é mais comum do que se imagina”, diz. 

Duas semanas atrás (25.ago.2017), a juíza Gabriela Jardon Guimarães de Faria, da 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, estabeleceu censura prévia ao site Diário do Centro do Mundo e aos jornalistas Kiko Nogueira e Joaquim de Carvalho. A decisão atendeu a pedido do senador Zezé Perrella (PMDB-MG). 

A juíza não só manteve decisão liminar proferida em janeiro deste ano, assinada pela magistrada Fernanda Almeida Coelho de Bem, que obriga o site a remover textos que usem o termo “helicoca” como nome ou sobrenome do senador, como foi além: proibiu a publicação de novas notícias com o apelido – uma referência à apreensão, em novembro de 2013, de um helicóptero de sua propriedade carregado com cocaína. A proibição não constava na decisão original. Perrella, que se diz ofendido em sua honra e dignidade, move outros dois processos contra o DCM.

No Piauí, o portal de notícias 180 Graus também foi alvo de censura judicial após a juíza Lygia Carvalho Parentes Sampaio atender ao pedido da Construtora Caxé. A empresa havia sido mencionada em reportagens como investigada pelo Tribunal de Contas do Estado. Na decisão, assinada em 23.ago.2017, a juíza argumentou que as reportagens “atingiam a honra dos autores” e que a liberdade de expressão poderia ser censurada quando “exercida sem consciência e responsabilidade”.

“Impressiona o pedido genérico para que a pessoa seja impedida de divulgar qualquer notícia que possa ‘atingir a honra’ do autor. A juíza decide sobre conteúdo que desconhece, a possível notícia futura”, diz Mali. “Observamos também esse tipo de censura com alguma frequência em processos movidos por políticos pedindo que veículos sejam impedidos de sequer mencionar os seus nomes em publicações futuras.”

Com este último caso, o projeto Ctrl+X registra 452 pedidos na justiça para impedir que alguém diga ou publique algum tipo de conteúdo. Desses, ao menos 134 foram aceitos pelos juízes, quase um terço.

Outro caso emblemático ocorreu em fevereiro deste ano, quando a primeira-dama Marcela Temer entrou com ação pedindo a censura de reportagens dos jornais O Globo e Folha de S.Paulo antes que fossem publicadas. O pedido foi deferido trinta minutos depois pelo juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da Justiça do Distrito Federal.

A ação foi movida após o contato de repórteres dos jornais com Marcela para ouvi-la a respeito da notícia de roubo de dados de seu celular. O juiz fixou pena de R$ 50 mil se as informações fossem publicadas. Conteúdos relacionados que estavam no ar também tiveram que ser retirados. 

Um mês depois do caso, em coluna no Dissenso.org, plataforma destinada à promoção da liberdade de expressão no ambiente digital, Mali chegou a dizer que a censura de Marcela Temer era “só a ponta do iceberg”. “Se a internet tem possibilitado uma criação e difusão cada vez mais rápida de notícias, comentários e opiniões, pessoas públicas têm também recorrido cada vez mais à justiça para suprimir essas informações e impedir que sejam divulgadas”, disse na ocasião. 

“A forma que nós, da Abraji, encontramos para combater esse tipo de censura é expor os autores desses processos e os juízes que permitem a volta deste fantasma da ditadura que, infelizmente, continua a assombrar as cortes brasileiras”, completa agora, após os últimos acontecimentos.

Assinatura Abraji