- 10.06
- 2022
- 11:00
- Pedro Teixeira
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Bolsonaro bloqueia mais de 90 jornalistas e 10 veículos de comunicação
O 90º jornalista bloqueado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no Twitter, o editor de gráficos do Nexo Jornal Gabriel Zanlorenssi, afirma que não houve interação recente com o presidente que possa ter motivado o veto. “Postei críticas no passado, mas nada nos últimos seis meses”, diz à Abraji. O comportamento do chefe do Executivo é pauta no veículo nativo digital onde Zanlorenssi trabalha.
Hoje, o presidente bloqueia na rede social de microblogs 91 profissionais de imprensa, além de 10 empresas jornalísticas. Desde jul.2021, a Abraji, que faz o monitoramento dos bloqueios, aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o mandado de segurança coletivo que impetrou para que Bolsonaro desbloqueie jornalistas. À época, as restrições do mandatário e atual pré-candidato à presidência se estendiam a 73 repórteres, editores e colunistas. A lista ganhou mais 18 nomes.
A Abraji pediu liminarmente o cancelamento dos bloqueios realizados por Bolsonaro aos profissionais de jornalismo no Twitter que a entidade levantou a partir de set.2020, assim como a determinação de que novos bloqueios não possam ser realizados. O entendimento da Abraji é que a atitude de Bolsonaro viola a garantia dos jornalistas à liberdade de expressão e acesso à informação, visto que o bloqueio impede o profissional de conseguir impressões e interagir com o político.
Distribuído à ministra Cármen Lúcia, o mandado de segurança teve a sua última atualização em fev.2022 e aguarda decisão.
A assistente jurídica da Abraji, Letícia Kleim, declara que mandados de segurança em geral são apreciados pelas cortes brasileiras com celeridade para encerrar ou prevenir situações de violação de direitos. De acordo com a tese da entidade, os jornalistas já estariam tendo suas garantias desrespeitadas e, por isso, o pedido foi feito em tutela de urgência
Já houve em ao menos quatro outros países americanos decisões no sentido de determinar que autoridades desbloqueassem jornalistas, como mostrou a Abraji. A mais emblemática delas foi no processo do Instituto Knight, entidade em defesa da liberdade de expressão associada à Universidade de Columbia, em Nova York, contra Donald Trump, então presidente.
Representando sete requerentes, a entidade conseguiu junto às cortes de apelação do distrito de Nova York que o ex-presidente dos Estados Unidos retirasse o veto a seu perfil no Twitter de cerca de 100 contas, relata à Abraji a advogada e pesquisadora do Instituto Knight Kate Fallow. Com a repercussão do caso, outras pessoas bloqueadas por Trump procuraram a entidade e os nomes foram sendo juntados à petição.
As cortes julgaram que Trump violava a primeira emenda à Constituição Norte-Americana, que versa sobre a liberdade de expressão — valor quase absoluto nos EUA —, ao impedir que os solicitantes o respondessem com o bloqueio. Eis o despacho da decisão. Na primeira instância, os magistrados foram na mesma direção.
“Nós trabalhamos em cima de um precedente de que, se um político frequenta um lugar que por natureza é privado para criar um espaço de debate, toda a população deve ter acesso e poder se expressar lá”, recorda Fallow. Segundo ela, a situação era comum em ambientes presenciais, como durante atos ou comícios realizados em ranchos ou universidades, e serviu como paralelo para entender a relação entre Donald Trump e o Twitter.
A advogada afirma também que o direito de acesso à informação foi citado na ação do Knight Institute, mas o argumento não foi avaliado pelos magistrados. À época da decisão em segunda instância, Trump tinha cerca de 50 milhões de seguidores.
A defesa de Trump ainda recorreu à Suprema Corte norte-americana, e o caso chegou a ser discutido em plenário, mas o julgamento nunca teve um desfecho. Após o ex-presidente perder as eleições em 2020 e deixar o mandato, o processo perdeu o objeto e foi arquivado. Em jan.2021, com quase 90 milhões de seguidores, Trump foi permanentemente banido do Twitter, segundo a plataforma, por causa da sua irresponsabilidade diante da invasão do Capitólio, que tentou impedir a posse do atual presidente dos EUA, Joe Biden.
Um dos juízes associados do tribunal constitucional a votar antes do caso ir para a gaveta, Clarence Thomas, considerou que redes sociais eram como “shopping centers”, com a possibilidade de encontros e debates como em uma praça pública, mas sob a ingerência dos proprietários. Fallow afirma que conceituar a natureza desses espaços é importante, mas lamenta que o caso não tenha se tornado um precedente constitucional.
Ainda assim, ela diz que o Instituto Knight tem ganhado várias causas contra prefeitos e deputados norte-americanos que bloqueiam cidadãos em redes sociais com base na decisão contra Trump nas cortes de apelação. “Já devemos ter conquistado uma segunda centena de desbloqueios”, estima.
No Brasil, Bolsonaro e outras 44 autoridades continuam a bloquear no Twitter 175 jornalistas. São 357 vetos no total. Esses profissionais não podem responder a posts desses políticos com mandato e servidores do alto escalão com suas contas verificadas e com credibilidade junto aos seus seguidores.
Bloqueada por Bolsonaro desde 2020, a jornalista, escritora e colunista da Rádio CBN Adriana Carranca avalia que a partir dos bloqueios os políticos criam um registro “distorcido, irreal e manipulado” do debate público, já que vedam a crítica.
Defesa de Bolsonaro
O presidente, representado pela advogada Karina Kufa, argumenta na manifestação de 02.fev.2022 que o mandado de segurança da Abraji não deve sequer ser avaliado porque sua conta seria “personalíssima”. Partindo dessa perspectiva, Bolsonaro teria como os outros usuários do Twitter acesso à funcionalidade do bloqueio para moderar conteúdo em seu perfil. Kufa alega ainda que os pedidos da entidade “não passam no teste da razoabilidade e da proporcionalidade”.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, manifestou-se, em 28.out.2021, também de forma contrária à ação da Abraji. Aras afirma que as publicações de Bolsonaro na rede social “não têm caráter oficial”, e, portanto, não seriam regidas pelo princípio da publicidade.
A Abraji mostrou, no entanto, em set.2021, que mais de 98% dos tweets de Jair Bolsonaro são de interesse da sociedade. Adotando a estratégia de divulgar informações de seu mandato, mobilizar sua base política, detratar opositores e a imprensa, além de divulgar canais em outras redes, Bolsonaro passou dos 1,6 milhão de seguidores, antes de ganhar o primeiro turno das eleições em 07.out.2018, aos atuais 8,2 milhões de seguidores.
A Abraji noticiou também que assessores da Presidência trabalham para abastecer a “conta pessoal” de Bolsonaro levantando informações que o presidente divulga. Para especialistas consultados, isso indica que ou a conta tem um caráter público ou o presidente estaria comentendo um ato de improbidade administrativa ao usar servidores para interesse pessoal.
A defesa de Bolsonaro alega na última manifestação que os servidores públicos não detêm as senhas das contas, mas nada diz a respeito do serviço de apuração instalado no Planalto.
Para o professor de legislação em jornalismo da Universidade de São Paulo (USP) Vitor Blotta, a conta de Bolsonaro é um exemplo claro da interpenetração das esferas pública e privada. “O que importa não é a conta na rede social que é privada, e sim a característica dessa comunicação do presidente no exercício das funções de um representante do povo. E ela é, sim, de interesse público e deve estar enquadrada nos princípios da publicidade do artigo 37 parágrafo 1º da Constituição”, avalia Blotta.
O especialista acrescenta que “agentes públicos não podem usar o argumento da liberdade de expressão ou da privacidade para ferir a regra da impessoalidade nas suas comunicações ou para se defender de críticas sobre o exercício de suas funções”. Ele deu como exemplo a condenação de João Doria (PSDB-SP) por usar o slogan “Acelera São Paulo” em suas redes sociais quando era prefeito e concorria ao governo do Estado.
Blotta lembra ainda que o Código Penal, ao tratar de difamação, abre uma exceção de verdade no caso dos servidores públicos para ampliar o direito de crítica aos representantes do Estado.
No Brasil não há, porém, legislação que defina se autoridades podem ou não bloquear jornalistas. Repudiado pela Abraji por outros pontos, o projeto de lei 2630 de 2020 — mais conhecido como PL das Fake News — trata em seu capítulo IV a atuação do poder público nas redes sociais e, caso seja sancionado, determinaria em seu inciso 1º que autoridades não poderiam restringir o acesso.
O Marco Civil da Internet define que as empresas devem respeitar as decisões dos tribunais brasileiros. Na Justiça, além do mandado de segurança coletivo impetrado pela Abraji, há ao menos outras sete ações pedindo que Bolsonaro seja proibido de bloquear outros usuários de redes sociais.
Em outra das ações, juntada ao STF pelo jornalista William de Lucca, a ministra Cármen Lúcia e o ex-ministro Marco Aurélio votaram em plenário virtual para que o veto nas redes sociais não seja permitido, pois a divulgação e repercussão de atos de governo “manifesta ato vinculado ao exercício do cargo”. Kassio Nunes Marques pediu destaque, em nov.2020, para levar a pauta ao plenário habitual, onde os juízes constitucionais debatem entre si. Até esta sexta-feira (10.jun.2022), o mérito de nenhuma das ações foi julgado.
A Abraji monitora bloqueios de autoridades no Twitter desde set.2020. Foi bloqueado por algum político com mandato ou servidor público do alto escalão? Registre seu caso neste formulário.
Jair Bolsonaro bloqueia, além dos 91 jornalistas, 10 veículos de comunicação: DCM, Aos Fatos, The Intercept Brasil, Congresso em Foco, Repórter Brasil, O Antagonista, Brasil de Fato, Poder360, PoderData e PirambuNews. Bloqueiam veículos de comunicação também o ex-secretário especial da Cultura Mário Frias, o ex-presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo, e o vereador e filho do presidente, Carlos Bolsonaro.
Foto de capa: Divulgação/Presidência da República