- 22.04
- 2020
- 16:25
- Abraji
Liberdade de expressão
Ataques de Bolsonaro deterioram liberdade de imprensa no país, segundo RSF
Foto: José Cruz/Agência Brasil
A situação da liberdade de imprensa no Brasil se deteriorou nos último anos, segundo índices da Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa 2020. Da 105ª posição que ocupava em 2019, foi para a 107ª neste ano.
De acordo com o relatório da Repórteres sem Fronteiras (RSF), a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República “contribuiu grandemente para derrubar o país no ranking pelo segundo ano seguido”.
O documento faz uma previsão sombria para a liberdade de imprensa no Brasil: "[O país] provavelmente vai continuar a cair enquanto Bolsonaro, incentivado por sua família e vários membros de seu governo, continuar a insultar e humilhar alguns dos principais jornalistas e veículos de comunicação do Brasil, alimentando um clima de ódio e desconfiança em relação aos provedores de notícias."
A RSF demonstra preocupação ainda com as mulheres jornalistas, constantemente atacadas por Bolsonaro e seus apoiadores, como nos casos de Patrícia Campos Mello, Miriam Leitão e Vera Magalhães, para citar alguns em que a Abraji manifestou seu repúdio. "[Elas] estão cada vez mais vulneráveis neste ambiente de grande tensão e são constantemente atacadas por grupos de ódio e apoiadores do Bolsonaro, especialmente nas mídias sociais", destaca o relatório.
Matéria do The New York Times também confirma o fato de o Brasil ter se tornado “um modelo de hostilidade em relação à mídia”.
Uma rápida análise dos últimos 10 anos dos relatórios da RSF permite observar as oscilações do país no ranking, entre a 99ª e a 108º posição. O ano de 2018 viu uma ligeira subida, do 103º lugar para o 102º. Mas 2019 registrou uma queda de três posições - de 102º para 105º. E 2020 assiste a mais um retrocesso na comparação global.
A metodologia da classificação se baseia em parâmetros como pluralismo, independência da mídia, ambiente de autocensura, arcabouço jurídico, transparência e qualidade das infraestruturas de apoio à produção de informações.
A Abraji conversou com especialistas e organizações que trabalham em defesa das liberdades de imprensa e de expressão, que afirmam estar preocupados.
Segundo Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, a queda consecutiva do Brasil no ranking representa mais um sinal de refluxo da democracia. Ele menciona outros indicadores, como o Democracy Index, feito pela revista The Economist, que em 2019 registrou uma queda do Brasil na pontuação e ainda classificou o país como “democracia falha”.
“Nós temos um governo trabalhando abertamente contra as garantias democráticas e as liberdades individuais; e um presidente que é líder destas ações. Em um país governado por esse tipo de força política, as condições de trabalho dos jornalistas profissionais só podem piorar”, afirma Bucci.
O professor explica ainda que os constantes exemplos institucionais de desprezo ao trabalho jornalístico têm consequências imediatas. “Aqueles que são inimigos da livre circulação de informações se sentem autorizados e encorajados a intimidar e agredir jornalistas”.
De acordo com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, a fragilidade da liberdade de imprensa no país se torna ainda mais grave em meio à pandemia da covid-19. “Em especial neste momento de crise sanitária, ataques a jornalistas e meios de comunicação e investidas contra a transparência de dados governamentais fragilizam nossa democracia e são extremamente danosos ao país."
"A queda do Brasil acende sinal de alerta para todos que defendem o Estado democrático de direito, que tem como um dos pilares a liberdade de imprensa”, acrescenta Santa Cruz.
O presidente da Abraji, Marcelo Träsel, lamenta a deterioração das condições para o exercício do jornalismo no Brasil: “Infelizmente, não estamos surpresos com o resultado, porque viemos acompanhando a escalada da agressividade do presidente, de seus filhos, do alto escalão do governo federal e da militância bolsonarista contra o jornalismo desde o primeiro dia de 2019”. E completa: “Quando o trabalho de reportagem não pode ser desempenhado com liberdade e segurança, a sociedade deixa de receber informações relevantes e a democracia fica em risco.”
América Latina
Em relação à América Latina, o Brasil está no meio da régua. Dos 20 países da região, 8 deles estão abaixo do Brasil no ranking de liberdade de imprensa; e 11 estão acima.
Acima estão Costa Rica (7º), Uruguai (19º), Chile (51º), República Dominicana (55º), Argentina (64º), El Salvador (74º), Panamá (76º), Haiti (83º), Peru (90º), Equador (98º) e Paraguai (100º).
O diretor da ONG Fundameios, sediada no Equador, César Ricaurte, afirma que enxerga "com grande preocupação a situação da liberdade de imprensa no Brasil deteriorar-se há vários anos, um processo que acelerou e se agravou significativamente com a chegada ao poder de Jair Bolsonaro". Desde a campanha eleitoral, o atual presidente fez da imprensa independente brasileira um alvo constante dos seus ataques, acumulando ações ameaçadoras e encorajando os seus principais colaboradores a agir contra os jornalistas", completa.
De acordo com Eugênio Bucci, os esboços de regimes autoritários em marcha na região prejudicam a liberdade de imprensa. Quando o Estado não é o próprio agente de hostilidade à mídia, sua omissão em relação às agressões agrava o cenário.
"O governo sozinho não garante a liberdade de expressão. Mas um governo de expressão pode atrapalhar muito a liberdade de expressão, e é isso que está acontecendo", explica.