Artigo do PL das fake news proíbe que contas oficiais de agentes públicos façam bloqueio de internautas
  • 03.07
  • 2020
  • 14:30
  • Abraji

Liberdade de expressão

Artigo do PL das fake news proíbe que contas oficiais de agentes públicos façam bloqueio de internautas

Das 28 denúncias recebidas pela Abraji de jornalistas sobre bloqueio de autoridades em redes sociais, 19 vêm do presidente Jair Bolsonaro, de seus familiares ou de membros de seu governo. Se o Projeto de Lei 2630/2020 for aprovado em definitivo pelo Congresso Nacional, perfis de redes sociais de funcionários do alto escalão passam a ser de interesse público. Ou seja, a prática de barrar jornalistas nas plataformas torna-se ilegal.

Em seu 3º capítulo, o chamado PL das fake news, aprovado pelo Senado em 30.jun.2020, define que as contas de detentores de mandatos eletivos e ocupantes de cargos no Executivo não poderão restringir o acesso de outras contas às suas publicações, notadamente aquelas de interesse público.

O projeto de lei ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados antes de seguir para o Palácio do Planalto. Bolsonaro já sinalizou que pode vetá-lo. Entidades da sociedade civil, como a Abraji, pediram o adiamento da votação por considerar que o PL das fake news não foi discutido em comissões do Congresso, num momento de crise política e no qual a sociedade enfrenta uma pandemia.

Para a Abraji, o combate à desinformação não precisa de uma nova lei para regular atuação das redes sociais. “O Marco Civil da Internet já prevê a guarda dos dados de conexão por alguns meses, o que permite à polícia identificar os responsáveis por crimes contra a honra ou discriminação, se a investigação não andar a passo de tartaruga”, avalia o presidente da associação, Marcelo Träsel.

No entanto, o trecho sobre bloqueios nas redes sociais pode representar um avanço sobre o acesso à informação. Em maio de 2020, a Abraji ouviu especialistas sobre se esse tipo de barreira poderia ser considerada infração ao direito constitucional de acesso à informação. A partir daí, iniciou um censo sobre a prática desses bloqueios nas redes sociais.

Depois de recolher relatos de repórteres, editores e comentaristas desde 28.mai.2020, a Abraji analisou os primeiros dados da pesquisa sobre quais autoridades vêm bloqueando profissionais dos veículos de comunicação. O formulário continua aberto para quem tem alguma denúncia. Confira os números preliminares do levantamento:

 

 

De acordo com o monitoramento, entre os seis jornalistas bloqueados pelo presidente Jair Bolsonaro está Adriana Carranca, comentarista da Rádio CBN. Ela afirma que continuou acessando os perfis de políticos com contas paralelas. “Muito mais grave é o ato de falta de transparência, sendo que eles usam essas plataformas como presidente, como ministros”, afirma.

Tai Nalon, diretora executiva da Aos Fatos, teve o acesso bloqueado ao perfil no Twitter de Osmar Terra, ex-ministro da Cidadania do governo Bolsonaro. Isso aconteceu depois que a agência de checagem publicou verificações referentes às alegações do deputado federal (MDB-RS) sobre a crise sanitária no Brasil para criticar o isolamento social. Ela aponta que os posts do político continuam públicos quando os acessa sem estar conectada à sua conta:

“Ou seja, a tentativa dele de impedir que eu visualize o que ele publica é apenas provocação, já que não é eficaz, nem impede que eu ou a equipe da Aos Fatos tenha acesso aos tweets”, afirma Nalon.

Apesar de deixar claro que não é o momento para se legislar sobre desinformação, a diretora executiva da Aos Fatos considera o artigo 18 do PL das fake news positivo, pois assegura que autoridades com mandato não constranjam jornalistas, dificultando o acesso às suas informações.

Para Adriana Carranca, proibir a restrição de acesso a perfis de autoridades não precisaria ganhar forma de lei em governos transparentes. “Como esse governo não é transparente e não só bloqueia jornalistas, como também as contas usadas no exercício jornalístico, o dispositivo me parece positivo”, diz.

“Se você tem muitos apoiadores do presidente ou do ex-ministro que vão à timeline deles, sempre haverá muito mais comentários positivos sobre o governo, uma vez que os comentários negativos são deletados”, argumenta Carranca. “Isso é grave, porque é o presidente dando voz apenas a seus apoiadores, uma tentativa de manipular a opinião pública”, pontua.

Em 2019, a Justiça dos Estados Unidos proibiu o presidente Donald Trump de bloquear jornalistas e opositores no Twitter. “No caso de acesso à informação, a intervenção da Suprema Corte para o exercício democrático constitucional e para garantir a transparência do poder público pode ser necessária. Os três poderes têm equilíbrio constitucionalmente”, lembra Carranca.


Medida é positiva para dar transparência à administração pública

Para Caio Machado, advogado, cientista social e pesquisador do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), proibir o bloqueio de qualquer cidadão é um dos poucos pontos positivos do PL.

“Ministros, às vezes membros do Judiciário, fazem uso das redes sociais pessoais para discutir assuntos ligados à carreira deles, ao cargo que ocupam, e acabam fazendo uma moderação privada”, exemplifica o pesquisador do LAUT. “Ou seja, o tema que discutem é de interesse público, mas usam isso para alavancar as suas visibilidades privadas e fazer a moderação conforme o seu próprio interesse”, complementa.

De acordo com Machado, o artigo 18 é uma medida eficaz, pois serviria para proteger o debate e o acesso à informação, além de prevenir o uso da visibilidade da administração pública para promover desinformação. A OCDE já tem diretrizes sobre o uso de redes sociais pela administração pública e por ocupantes de cargos públicos. Reino Unido, Canadá, Índia e EUA também adotam códigos de conduta próprios.

Heloísa Massaro e Natália Neris, coordenadoras de pesquisa no InternetLab, também classificam o artigo 18 do PL como positivo, já que consideram de interesse público as contas dos agentes públicos com cargos eletivos e também as contas de cargos da administração indireta e dos tribunais de contas. 

No entanto, fazem uma ponderação: “Há que se dedicar atenção e discussão ao segundo parágrafo do artigo, que prevê que o agente indique a conta que o representa oficialmente, nos casos de mais de uma. Nessa situação, o parágrafo exime as outras contas não oficiais das responsabilidades do artigo. Contudo, como a lei deixa a indicação da conta a cargo do agente, pode colocar interpretações sobre conteúdos publicados em outras contas numa zona cinzenta e, de alguma forma, violar direitos de liberdade de acesso à informação e imprensa, via bloqueios”, concluem as pesquisadoras.

Assinatura Abraji