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Dicas do NICAR 2018 - Reportagens
O coordenador de cursos e projetos da Abraji, Tiago Mali, participou, no começo de março, da edição de 2018 do NICAR, principal evento de jornalismo de dados do mundo. Organizado pelo IRE (Investigative Reporters and Editors) – entidade que inspirou a criação da Abraji –, o evento ocorreu em Chicago entre 8 e 11 de março.
Tal como em 2017, Mali reuniu o que viu de melhor em dois e-mails enviados para a lista de associados da Abraji. O conteúdo é dividido em 5 tópicos: reportagens; os seres humanos por trás dos dados; as máquinas que fazem jornalismo e anti-jornalismo; workshops; e ferramentas.
Abaixo, uma adaptação do texto do coordenador da Abraji sobre as reportagens de dados que valem ser guardadas como referência.
Reportagens
Jornalismo de Dados e Diversidade
O evento contou com uma trilha específica de mesas sobre reportagens com grupos marginalizados. Os melhores trabalhos com dados apresentados em todo o evento lidaram com o tema. Para Mali, isso mostra o poder “cada vez mais bem usado desse tipo de narrativa para desvelar o preconceito”. Abaixo, alguns exemplos das ideias por trás dessas matérias:
A primeira reportagem com dados a ganhar o Pulitzer, The Color of Money, escancarou em 1988 o preconceito racial ao mostrar que a chance de um pedido de empréstimo para a casa própria ser aprovado era muito maior se quem pedisse fosse um cidadão branco. A pauta foi replicada pelo Reveal News, que fez uma análise mais abrangente mostrando que, tanto tempo depois, ainda é verdade que ser negro reduz a chance de uma pessoa ter um retorno positivo dos avaliadores de empréstimo. Mais: uma das três reportagens vencedoras do Philip Meyer Awards (que premia os melhores trabalhos com dados) foi esta da ProPublica, mostrando que os negros proprietários de empresas também têm chance reduzida de receber alívio financeiro para suas dívidas decretando falência.
Outra das reportagens vencedoras do prêmio Philip Meyer também tratava de diversidade. Os alemães do Bayerischer Rundfunke do SPIEGEL Online fizeram uma espécie de experimento científico para checar se o fato de ser imigrante fazia com que a pessoa fosse discriminada ao tentar alugar um apartamento. Eles criaram 14 personagens e, em nome deles, fizeram 20 mil contatos com proprietários de 7 mil imóveis de uma série de cidades alemãs. Todos tinham nomes fictícios que entregavam a sua origem (turco, árabe, alemão, polonês, etc). Ao analisar 8 mil respostas recebidas, constataram uma rejeição significativamente mais alta aos contatos de turcos e árabes. Aqui é possível entender melhor o processo. Segundo Mali, “a reportagem vai no caminho de um dos ideais de Philip Meyer (aproximar jornalismo e método científico), mas causa polêmica ao inventar pessoas para enganar proprietários”.
Outros exemplos de jornalismo de dados lidando com diversidade chamaram a atenção na conferência:
Rigged (USA Today)
Mostra o lado sujo do eficiente sistema de logística de entregas dos EUA. A matéria narra como as transportadoras obrigam caminhoneiros (em sua maioria imigrantes pobres que não falam inglês direito) a tomar empréstimos delas para financiar seus veículos e depois usam isso para extrair trabalho forçado deles, excedendo limite de horas e tomando o caminhão de quem não cumprir metas. Para Mali, “o uso de dados portuários na matéria para provar que os caminhoneiros passavam frequentemente do limite de horas é muito inteligente”.
Rape in the fields (Reveal)
Trabalho de coleta de dados de imigrantes ilegais que trabalham no campo e são vítimas de abusos sexuais de seus supervisores. Para o coordenador de cursos da Abraji, “é muito interessante ver a criatividade da reportagem para chegar aos casos – que normalmente permanecem ocultos, dada a situação vulnerável das imigrantes”.
Walking While black (ProPublica)
Reportagem mostrando que a aplicação de multas a pedestres pode estar sendo feita de maneira racista para intimidar populações negras.
Reportagens de veículos regionais
Segundo Mali, “foi visível nas palestras como o jornalismo de dados, que tem uma vocação local, se tornou um instrumento cada vez mais importante para veículos regionais nos EUA”. Essas matérias são, em geral, pautas pontuais sobre temas que são caros às comunidades. Abaixo, algumas matérias que dão um panorama do que tem sido feito em veículos locais.
Post-Gazette and Philadelphia Inquirer/Daily News
Os veículos reuniram duas dúzias de acordos judiciais que usaram dinheiro arrecadado de impostos para livrar altos funcionários do Executivo, Legislativo e Judiciário de ações por assédio sexual.
The Oregonian /Oregon Live, Kept in Dark
Ao automatizar o download de um site que deveria registrar abusos em casas de repouso no Oregon, os jornalistas notaram que 8 mil registros coletados estavam escondidos e inacessíveis aos usuários da página. Segundo a reportagem, alguns dos casos mais claros de maus tratos tinham sido deliberadamente ocultados.
A repórter escreveu um script para obter informações do AirBnb e conseguiu mostrar a dependência crescente de pequenas cidades do estado do serviço. Em alguns dos lugares, uma em cada dez casas está listada no serviço. É possível checar o código de raspagem que ela criou e replicar isso no Brasil.
A gentrificação é um assunto que preocupa muitas comunidades. O repórter do Bozeman Chronicle escreveu sobre o fenômeno da gentrificação criando um índice de inflação da cerveja da cidade e mostrando os bares mais e menos baratos.
Tiago Mali, coordenador de cursos da Abraji, viajou à Florida para participar do Nicar em março de 2018. Todas as suas despesas foram cobertas com recursos da própria Abraji.