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Dicas do NICAR 2018 - O ser humano por trás dos dados
O coordenador de cursos e projetos da Abraji, Tiago Mali, participou, no começo de março, da edição de 2018 do NICAR, principal evento de jornalismo de dados do mundo. Organizado pelo IRE (Investigative Reporters and Editors) – entidade que inspirou a criação da Abraji –, o evento ocorreu em Chicago entre 8 e 11 de março.
Tal como em 2017, Mali reuniu o que viu de melhor em dois e-mails enviados para a lista de associados da Abraji. O conteúdo é dividido em 5 tópicos: reportagens; os seres humanos por trás dos dados; as máquinas que fazem jornalismo e anti-jornalismo; workshops; e ferramentas.
Abaixo, uma adaptação do texto do coordenador da Abraji sobre os seres humanos por trás dos dados.
O SER HUMANO POR TRÁS DOS DADOS
Segundo Mali, a edição de 2017 do Nicar abordou pouco a parte mais humana das narrativas com dados. Dessa vez, a organização se aprofundou no tópico, tentando responder a algumas perguntas: como chegar às pessoas citadas nos dados, exemplificar o fenômeno sendo honesto com o leitor, lidar com fontes em situações vulneráveis, ter certeza do que falam?
Na mesa principal, Michael Berens, do Chicago Tribune, deu dicas para lidar com casos complexos, como esta reportagem em que revela maus tratos em centros pagos pelo governo para tratar pessoas com deficiências mentais. Berens usou dados obtidos por meio de 100 pedidos de Lei de Acesso à Informação para órgãos diversos.
Segundo Mali, Berens conseguiu driblar a falta de transparência governo durante a apuração. “Como o nome dos pacientes vítimas de maus tratos eram sempre rasurados para evitar a identificação, ele deu a volta na opacidade do governo juntando um monte de informação de outras bases de dados que permitia, pelas características descritas no caso de abuso, chegar à identidade deles. Sua apuração foi tão boa que o governo posteriormente pediu a ele a base de dados montada pela reportagem para substituir a oficial.
Abaixo, Mali relata algumas das dicas de Berens baseadas nesta e em outras reportagens para lidar com a busca de pessoas na matéria:
“1 - Não ir automaticamente atrás de entrevistar/mostrar o pior caso encontrado nos dados para ilustrar uma situação ou fazer uma denúncia. Muitas vezes o pior caso é apenas um outlier, longe do que normalmente acontece. Priorizar o seu uso pode passar uma dimensão errada do problema ao leitor.
2 - Se você vai demorar para publicar a reportagem, mantenha contato e dê retorno às famílias que deram depoimento. “Alguém que topou passar pela dor de contar sobre a morte de um filho não pode ficar tanto tempo esperando pra saber se vai ser publicado ou não”. Ele diz que no caso dos maus tratos, montou um fluxo para ligar a cada três semanas para as famílias dando atualizações. “Isso evita que depois eles se sintam traídos ou repensem a colaboração e tentem pedir para retirar o depoimento”.
3 - Um jeito de facilitar o contato com familiares identificados nos dados e que perderam seus entes, e deixá-los mais propensos a dar depoimentos, é se aproximar deles com alguma informação que não tenham sobre o caso. Por exemplo, documentos de uma investigação oficial.
4 – Parece óbvio, mas ele frisa que é preciso ser completamente honesto com as pessoas sobre quem você é e que não está ali para defender o interesse delas. Berens conta a história de uma fonte que guardou e mandou pra ele todos os emails que trocou com jornalistas. Lá, achou repórteres que ficavam falando “Nós vamos pegar esses caras” e tentavam se passar por amigo da fonte. “Se eu revelasse esses e-mails”, diz, “acabava com a carreira do jornalista que usou isso como tática de convencimento”. O ideal, diz, é assumir que o seu pior inimigo um dia poderá estar de posse do email que você mandou ao entrevistado. Sobre a proximidade excessiva de um repórter com a fonte, ele recomenda a leitura deste artigo da Columbia Journalism Review, onde o repórter Jay Solomon conta como isso acabou com a carreira dele e o fez ser despedido do Wall Street Journal.
5 – Ache “a pessoa do porão”
Toda história tem uma pessoa que devotou a sua vida inteira pesquisando sobre o assunto, o que ele chama de “a pessoa do porão”. No caso da história citada, ele encontrou uma mulher que tinha feito os trocentos pedidos de Lei de Acesso à Informação e repassou a ele todos os documentos. Foi como ganhar na loteria poupando meses de trabalho.
6 – Fazer checagem discreta para ver se a pessoa mente
Algumas vezes é difícil checar um fato narrado por uma pessoa para assegurar que ela não está inventando que estava num lugar e presenciou um episódio. Nestes casos, é útil sempre incluir uma pergunta tira-dúvida: como estava o tempo naquele dia? Como temos dados retroativos de temperatura e se estava chovendo para tudo quanto é lugar e data, dá pra checar depois e ver se a narrativa bate com os registros.”
O resumo de Berens com dicas do tema da mesa que participou está aqui.
Tiago Mali, coordenador de cursos da Abraji, viajou à Florida para participar do Nicar em março de 2018. Todas as suas despesas foram cobertas com recursos da própria Abraji.