- 20.07
- 2021
- 10:30
- Maria Esperidião e Pedro Teixeira
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Novo relatório indica que alertas à liberdade de imprensa subiram mais de 200% no Brasil
* Imagem: Dida Sampaio, de O Estado de S. Paulo, sendo agredido durante cobertura de manifestação a favor do governo Bolsonaro em 2020. Foto de Ueslei Marcelino, gentilmente cedida pela Reuters à Abraji.
Um estudo internacional lançado nesta terça-feira (20.jul.2021) demonstra aumento colossal de ataques à imprensa no Brasil e na América Latina. A rede Voces del Sur (VdS), da qual a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e outras 12 organizações da região fazem parte, divulgou a terceira edição do Relatório Sombra. O informe apresenta dados particularmente preocupantes para o Brasil. O número de alertas contra violações à liberdade de imprensa, à liberdade de expressão e ao acesso à informação no país cresceu 222% em 2020 ante 2019.
O relatório é baseado em dados na forma de “alertas” que foram coletados, registrados e relatados pelas organizações à rede VdS. O objetivo é rastrear o progresso em direção ao indicador do Objetivo 16.10.1 para a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) de Desenvolvimento Sustentável da América Latina.
Além do Brasil, o monitoramento é realizado nos seguintes países: Argentina, Bolívia, Colômbia, Cuba, Equador, Guatemala, Honduras, México,Nicarágua, Peru, Uruguai e Venezuela.
Todas as organizações envolvidas na pesquisa estabelecem 12 indicadores regionais comuns. Eles foram pensados para acompanhar o desenvolvimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16.10.01 da Agenda 2030 da ONU em que são levantados, entre outros, os números de casos verificados de assassinatos, sequestros, desaparecimentos forçados, discursos estigmatizantes, detenções arbitrárias e tortura de jornalistas, comunicadores, sindicalistas e defensores dos direitos humanos de tanto a tanto de 2020.
Os dados de monitoramento mostram que, em meio à maior crise sanitária em um século, as tendências autoritárias aumentaram na América Latina. No ano passado, o Relatório Sombra sublinhou que o jornalismo praticado na região estava cada vez mais ameaçado “pela rápida deterioração das liberdades fundamentais em um contexto de crescente populismo e convulsão social”. Em 2020, essa tendência piorou.
O novo relatório registrou 3.350 alertas nos 13 países pesquisados. Foram 2.521 alertas nos 10 países em 2019 contra 734 em 2018. A contagem de 2018 não incluiu o Brasil, já que a Abraji só passou a integrar o Voces del Sur a partir de 2019.
Importante observar o caso dos autores das violações por país em 2020. Assim como em 2018 (55%) e 2019 (75%), a maioria dos alertas (59%) em 2020 identifica os governos como autores das violações. Os cinco mais problemáticos são, por ordem: Venezuela (352), México (349), Cuba (328), Brasil, (312) e Nicarágua (204).
Segundo o informe, “considerando que o Estado é responsável por garantir e proteger a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o acesso à informação e a segurança e proteção dos jornalistas, essa tendência representa uma contradição e é um
grande obstáculo para a melhoria da situação dessas liberdades fundamentais na região”.
Cuba e Brasil
Os pesquisadores mostram que as democracias correram riscos de regressão e, com exceção do Uruguai e do Peru, considerados pontos fora da curva, as liberdades fundamentais na maior parte da região enfrentaram “severa pressão”, mesmo antes do começo da pandemia.
Três elementos aparecem fortemente: autoritarismo de governos que se utilizaram da crise para governar por decreto; o crescimento da desinformação; e a precariedade do trabalho dos jornalistas, que viram suas rendas comprometidas em face ao colapso econômico.
Os casos de Cuba e Brasil mereceram destaque.
Na ilha caribenha, que atualmente enfrenta grandes protestos da população contra o regime comunista, a perseguição contra jornalistas intensificou-se com a pandemia, com 344 alertas registrados, inclusive com 114 detenções arbitrárias e 36 alertas de restrições na internet.
O documento lembra que o país não reconhece direitos fundamentais contidos no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Salienta também que o artigo 55 da Constituição cubana proíbe a liberdade de imprensa, permitindo apenas o funcionamento de organizações midiáticas controladas pelo Estado. “Consequentemente, o jornalismo independente vem sendo criminalizado há mais de 60 anos no país[...] A estrutura institucional de Cuba se opõe a um ecossistema de mídia independente, plural e profissional. Ela favorece a manipulação do público com propaganda e negação dos fatos”.
O trecho dedicado ao Brasil a partir da página 41 afirma que a liberdade de expressão, liberdade de imprensa, acesso à informação e a segurança e proteção dos jornalistas no Brasil se deterioraram sob a presidência de Jair Bolsonaro. O chefe do Poder Executivo estigmatiza profissionais e veículos,“corrói a confiança do público no jornalismo e incentiva a violência de seus apoiadores”.
A Abraji registrou um total de 419 alertas, o que representa aumento de 222% quando comparado ao ano de 2019. O número maior em relação ao anunciado pela Abraji em mar.2021 (367) é explicado pela metodologia da VDS, que considera um caso a cada vítima.
Segundo o monitoramento, os ataques e agressões verbais e físicas cresceram 489%. O Estado foi identificado como agressor em 74% de todos os casos. Há sinais claros de assédio judicial: os processos judiciais criminais e civis contra a mídia e jornalistas aumentaram de 8 para 39 alertas em 2020, ou 388%.
Outros sinais de declínio: as detenções arbitrárias aumentaram 200%, o discurso estigmatizante, 169%, as restrições à Internet, 167%, as restrições ao acesso à informação, 86%, e o uso abusivo do poder do Estado, 83%. Outros dois problemas foram colocados como preocupação
O documento pontua que a propagação de desinformação durante a pandemia também desencadeou tentativas de risco à privacidade dos cidadãos. Cita o “PL das Fake News” como uma ameaça às liberdades fundamentais sob o pretexto da legitimidade e lembra que a misoginia é uma característica particular dos ataques, já que as mulheres jornalistas são as que mais recebem ameaças on-line.
Recomendações e perspectivas
O relatório avalia que as violações do últimos anos sinaliza um perigo maior:
“O contexto pré-eleitoral de 2021 e as eleições presidenciais de 2022 podem incentivar a violência de detentores de poder e fanáticos que veem os jornalistas como inimigos”.
A rede VdS recomenda para o Brasil a união de organizações da sociedade civil, jornalistas e funcionários públicos para fortalecer os mecanismos de proteção às mulheres, que devem estar no centro desses esforços.
O documento defende ainda que é preciso desenvolver estratégias para se envolver com as grandes plataformas tecnológicas e responsabilizá-las pela proliferação de desinformação.
Apesar dos desafios enfrentados no continente, o relatório reforça que as liberdades fundamentais de expressão e de imprensa, o acesso à informação e a segurança e proteção dos jornalistas devem ser tratados como facilitadores mais amplos na agenda pelo desenvolvimento sustentável.
Confira aqui o relatório completo em português
Lançamento do relatório
Para lançar os dados, a rede Voces del Sur vai promover nesta terça-feira uma live. Os convidados são: Enrique Gasteazoro, autor do Relatório Sombra; Claudia Ordóñez, comissária do programa ARTICLE 19 para México e América Central; Leticia Kleim, assessora jurídica da Abraji, María Paula Martínez, FLIP Colombia. A conversa terá mediação da jornalista peruana Adriana León, do IPYS (Instituto Imprensa e Sociedade, em tradução livre). Não são necessárias inscrições para assistir ao evento disponível neste link.
Informações para entrevistas escreva para [email protected]