- 06.09
- 2024
- 13:27
- Ramylle Freitas
Liberdade de expressão
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Violência, narcotráfico e impunidade marcam o cenário do jornalismo latino-americano, diz Relatório Sombra 2023
A Abraji e a Rede Voces del Sur (VDS) lançaram a versão em português do Relatório Sombra 2023, "A imprensa latino-americana sob ataque: Violência, impunidade e exílio”, destacando o cenário preocupante de ameaças à liberdade de imprensa na região. O lançamento foi discutido em uma transmissão ao vivo na plataforma X (antigo Twitter) Spaces, na última quinta-feira (29 de agosto), com a participação de Bia Barbosa, coordenadora de incidência na Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Cristina Zahar, coordenadora para a América Latina do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), e Letícia Kleim, coordenadora jurídica da Abraji, que mediou a conversa.
O objetivo da transmissão foi analisar as perspectivas para a liberdade de imprensa em 2024, comparando o cenário nacional com as tendências para a América Latina. O relatório da Rede VDS foi produzido com outras 17 organizações, sendo a Abraji uma delas. Durante a conversa, temas como liberdade de imprensa, censura, violência e criminalidade ligada ao narcotráfico, discursos estigmatizantes no jornalismo, impunidade em crimes contra jornalistas, dentre outros tópicos do relatório, foram analisados e debatidos.
Acerca do narcotráfico e crime organizado, Bia Barbosa comentou que a atividade criminosa também começou a tomar conta das estatísticas de crimes contra jornalistas em outras regiões latino-americanas, assim como no México. “O México, nos dados da RSF, é hoje o país que não é vítima de um conflito institucionalizado como uma guerra declarada, onde mais se assassina jornalistas e comunicadores todos anos”, afirmou.
Segundo o relatório, jornalistas e meios de comunicação se tornam alvos do crime organizado por investigar e revelar operações e atividades criminosas e a criminalidade ligada ao narcotráfico exerce, muitas vezes, uma grande influência sobre a liberdade de imprensa, promovendo uma atmosfera de medo e limitações.
“No caso do Brasil, a gente tem, sim, o crime organizado como um agente agressor do trabalho da imprensa, principalmente do ponto de vista de ameaças que são recebidas, mas isso se mistura um pouco com uma característica histórica das violências contra jornalistas do Brasil, que é o fato de a gente ter, em pequenas cidades, o poder político local muitas vezes associado em situações de crimes organizados”, falou Bia Barbosa.
Impunidade nos crimes contra jornalistas
Segundo Cristina Zahar, o CPJ registrou em dez anos (de 2014 a 2024), 78 assassinatos na América Latina e Caribe e, destes, 49 estão classificados como impunidade total, sendo o México o país mais impune e letal para jornalistas no hemisfério ocidental, que registrou, nesses dez anos, 23 assassinatos impunes.
“E infelizmente, o Brasil não fica muito atrás. Nestes últimos dez anos, de 2014 a 2024, o brasil registrou 11 assassinatos impunes”, afirmou Cristina. Conforme o relatório, esses níveis de impunidade geram um clima de permissividade e medo, perpetuando o ciclo de violência e autocensura.
“A mensagem que essa impunidade passa é a de que 'tudo bem matar jornalistas, pois você vai conseguir se safar em 80% das vezes'. E esse percentual é o índice global da impunidade de 2023, que é calculado pelo CPJ e que nós lançamos todos os anos próximo ao dia 2 de novembro, que é o dia internacional para o fim da impunidade em crimes contra jornalistas, data fixada pela ONU”, comentou Cristina Zahar.
Ela ressalta que o índice de impunidade não inclui casos de jornalistas mortos em combate ou na realização de reportagens perigosas. O índice registra somente assassinatos que estão em impunidade total ou parcial.
Quanto às perspectivas para o jornalismo em 2024, a jornalista aponta que as expectativas não são positivas. “Pelo que estamos vendo no CPJ, 2024 não vai ser um ano melhor para o jornalismo. Globalmente, estamos enfrentando muitas violações, como na guerra da Ucrânia e Hamas, e se a gente botar na conta os governos autocráticos e como eles impactam na realidade da liberdade de imprensa, a situação não vai melhorar”, alertou.
Discursos estigmatizantes
Segundo Bia Barbosa, agressões e discursos estigmatizantes partindo de agentes estatais contra a imprensa são maioria. “Estamos falando de discursos estigmatizantes, partindo de altas autoridades, muitas vezes. Mas também, e às vezes em maior quantidade, agressões por forças de segurança em contextos de cobertura de protesto, por agentes que acionam o Judiciário para tentar silenciar o trabalho da imprensa, tudo isso dentro desse pacote das agressões que viriam de agentes estatais”, disse.
Dados do Relatório Sombra 2023 apontam que, em 2023, agentes estatais foram responsáveis pela grande maioria das agressões contra a imprensa, sendo identificados como responsáveis em 53,2% dos alertas registrados pela Rede VDS.
Ainda de acordo com o relatório, o discurso estigmatizante em 2023 foi a segunda forma mais comum de atacar e silenciar a imprensa: 17,8% dos alertas de 2023 correspondem a esse tipo de agressão, representando 684 alertas registrados em 15 dos 17 países.
Para Bia Barbosa, é importante aprofundar a discussão em torno das consequências do discurso estigmatizante pela perspectiva de gênero. “Quando a gente olha para o cenário, principalmente no ambiente digital e de discursos estigmatizantes, a gente vê a enorme quantidade de mulheres que são alvos deles e o tamanho do efeito que isso tem do ponto de vista do silenciamento pro trabalho jornalístico”, comentou.
Confira o Relatório Sombra 2023 em português neste link.