• 06.08
  • 2004
  • 13:56
  • MarceloSoares

Usando pesquisas e ouvindo os cidadãos

Originalmente publicado em www.journalism.org
Tradução de Marina Della Valle


Os repórteres consultados por nós disseram que a cobertura política é geralmente muito focada em pesquisas. Elas se tornam o prisma pelo qual os jornalistas vêem tudo. “Candidato X” está fazendo isso porque está atrás nas pesquisas. Ele assumiu tal discurso para apelar a um grupo de eleitores que o está deixando para trás nas pesquisas. Mas a cobertura de pesquisas transforma o público em algo abstrato. Pessoas e questões se transformam em números sem profundidade, complexidade ou explicação dos motivos que levam as pessoas a reagirem como estão reagindo. Saiba algumas maneiras de driblar as reportagens centradas em pesquisas:

1. Não se limite a reproduzir pesquisas – entenda-as.
Conselho Nacional de Pesquisas Públicas
Apenas jogar os números pode não atingir os pontos-chave de uma pesquisa. Discuta com especialistas em pesquisas sobre a melhor maneira de usar os dados, sobre como ler a metodologia, o que você deveria procurar para julgar quão bem uma pesquisa foi conduzida, o que você deveria contar ao público sobre a abrangência das amostras, etc. O Conselho Nacional de Pesquisas Públicas dos EUA montou uma lista das “20 Perguntas que Jornalistas Deveriam Fazer Sobre Pesquisas”. Algumas das questões na lista: “Quem fez a pesquisa? Quem pagou pela pesquisa? Como as entrevistas foram conduzidas? O que é erro de amostragem? Quais questões foram efetivamente feitas?”. Você pode ver a lista completa de perguntas, com explicações, no website Public Agenda.

2. Fale com os eleitores
David Jones, The New York Times
Cubra os eleitores, não as pesquisas. São os eleitores – o que eles pensam, como eles vivem, com o que se preocupam – que são importantes (e também mais interessantes). As pesquisas transformam o público em algo abstrato, reagindo a questões e proposições dos pesquisadores/jornalistas. Mas eleitores/cidadãos podem ter muitas idéias diferentes. No final, saber o motivo pelo qual as pessoas acreditam no que fazem é mais interessante do que saber apenas o que elas pensam (por exemplo, se eles apóiam uma certa política ou não), já que suas opiniões (“eu aprovo o presidente”) podem mudar. Compreender como e quando vai depender das razões de seu apoio em primeiro lugar. Pesquisas são apenas uma ferramenta para chegar ao eleitor, e somente uma única ferramenta. Confiar apenas nela pode deixar sua cobertura tendenciosa. Outras ferramentas incluem “focus groups” ou painéis (um grupo de eleitores que você passa a visitar esporadicamente), bater em portas, conversar com pessoas em shoppings, conversar com pessoas em comícios.

3. Pergunte às pessoas no final de cada pesquisa se elas estariam dispostas a conversar com um repórter
David Yepsen, editor de política do Des Moines Register
Lembre que as pesquisas geralmente simplificam demais as questões, criam polarizações rígidas demais e impõem aos eleitores idéias que às vezes não existem. Quando fizer uma pesquisa, pegue os nomes daqueles que participaram e estão dispostos a serem entrevistados mais profundamente. Use essa pesquisa para desenvolver uma reportagem mais profunda sobre as atitudes dos eleitores, use a pesquisa dos indefinidos para entrevistas depois de debates. [N.do.E.: nos EUA, é comum que alguns jornais coloquem repórteres para preparar as pesquisas; no Brasil, o conselho pode ser aproveitado se o seu jornal tem um instituto.]

4. Não trate cada pesquisa como “notícia” (coloque sua cobertura de pesquisas em uma seção fixa)
Jack Germond, ex-colunista do Baltimore Sun
Quando for olhar os resultados de uma pesquisa, veja se ela está dizendo ao leitor algo novo. A menos que a pesquisa produza dados novos, únicos e interessantes, os resultados de pesquisas nem sempre são o centro da história. Uma forma de lidar com o fluxo contínuo de pesquisas que surge na época das eleições pode ser criar um espaço fixo para que os leitores as examinem, assim como as tabelas de resultados de esportes. Isso deve permitir que os leitores tenham acesso às pesquisas sem que elas sejam o aspecto definidor da sua cobertura.

5. Encontre amostragem em uma vizinhança
Bill Wheatley, Executivo VP, NBC News
Pode ser uma cidade. Ou um beco sem saída. Mas encontre um lugar onde as pessoas representem o eleitorado e passe algum tempo com eles, conheça-os e observe-os como um grupo vivo de amostragem. Faça reportagens com eles no lugar onde eles vivem, sem alterar a forma como eles vivem. Não os leve a um estúdio, retratando-os de um jeito artificial ou manufaturado. Entreviste-os em suas cozinhas, em suas quermesses, em seus churrascos.

6. Cubra as coisas que importam para a maioria
Não cubra apenas o que os candidatos querem falar. Identifique e cubra o que afeta a maioria das pessoas em sua comunidade e o que importa mais para eles. Isso envolve, claro, ter formas de identificar que coisas são essas, o que é um desafio de reportagem por si só. Valerá a pena ter-se dado o trabalho de descobrir.
(POR EXEMPLO: A questão não é se devemos cobrir a entrada do dinheiro na política, mas como devemos cobrir a questão. Uma reportagem relevante, na questão da arrecadação, responde as perguntas: De onde está saindo o dinheiro? O que os doadores esperam conseguir? E como isso se relaciona com o leitor – o que está em jogo?)

7. Como bater em portas
Paul Taylor, ex-Washington Post e Jack Germond
Bater em portas deve estar se tornando uma arte perdida os entre repórteres de política. Mas este é o conselho de dois escribas da velha escola sobre como fazê-lo: ande com grupos de pessoas diferentes e tenha conversas informais. Vá a asilos e jogue damas. Fale com sindicalistas. Converse com pessoas aleatoriamente. Não use jargão político. Esqueça as idéias prontas. Não busque descobrir como os eleitores respondem aos apelos das diferentes campanhas. Pergunte o que eles têm em mente. Deixe-os liderar a conversa. Em dois dias, você deverá ter de 30 a 35 pessoas com quem conversou o suficiente para ter anotações. E, se você ouviu uma mesma coisa de quatro ou cinco deles, fique atento. No final da campanha, você saberá o que andou acontecendo.
(POR EXEMPLO: Em 1992, um jornalista descobriu que George Bush estava com problemas quando ele perguntou a um gerente de hotel como iam os negócios. “Ótimos”, foi a resposta. “Pensei que o Estado estava com problemas financeiros”, disse o repórter. “Estamos lotados de hóspedes que vieram fazer auditoria em possíveis erros dos bancos federais e estaduais”, disse o gerente. Foi quando o repórter soube que a economia de New England estava em pior forma do que se sabia.)

8. Fique para trás depois que a campanha sai
Paul Friedman, ex-vice-presidente executivo da ABC News
Freqüentemente, quando um candidato faz uma visita, é como uma feira de diversões que chega à cidade. Todos parecem estar empolgados e atentos. Mas o que acontece quando o show sai da cidade? É geralmente válido ficar e descobrir. Espere um dia, ou mesmo apenas umas poucas horas, mas veja o que as pessoas dizem depois, o que eles pensam, se a visita realmente teve relação com a comunidade ou qualquer história que você descubra. Isso fará com que você ultrapasse o espetáculo e se foque nos eleitores.
Assinatura Abraji