• 15.03
  • 2005
  • 16:04
  • Thiago

Uma prioridade esquecida

FERNANDO RODRIGUES da Folha de S.Paulo

BRASÍLIA - Se há um predicado que não pode ser associado ao brasileiro é o da persistência. O comercial chapa-branca que martela "sou brasileiro, não desisto nunca" é uma fraude. Não tem conexão com a realidade. O país já teve várias moedas nos últimos 30 anos. Corta zeros do dinheiro como quem dá gorjeta no semáforo. Basta olhar em volta para enxergar centenas de obras inacabadas, pontes, viadutos e programas falidos.

Agora, com apenas dez anos de democracia estável, cabeças de toucinho em Brasília querem fazer coincidir os mandatos eletivos. Nosso negócio é mudar o tempo todo.
Essa dislexia operacional é reproduzida e realimentada pelo Congresso -a cara do Brasil. Deputados e senadores começam a tratar com vigor de um assunto para, logo em seguida, do nada, deixá-lo de lado. Um caso emblemático é o da lei sobre acesso aos arquivos públicos.

No ano passado, quando o "Correio Braziliense" divulgou fotos de um homem nu, preso durante a ditadura, houve uma grande movimentação do governo e dos congressistas. O saldo foi a MP 228, editada em 10 de novembro passado. O texto está para ser votado, mas sumiu da agenda. Virou um não-assunto.

Depois de amanhã, sexta-feira, dia 11, essa MP passa a trancar a pauta da Câmara (precisa ser votada obrigatoriamente). Até hoje não tem relator designado, mesmo tendo recebido 18 propostas de emendas.

É provável que a MP 228 seja aprovada tal como foi redigida pelo Planalto -inclusive com a reedição do "sigilo eterno" criado por FHC. Uma comissão obscura terá poderes para manter um documento indefinidamente vedado ao público.

Um país minimamente republicano e democrático é incompatível com essa medida. Com a imagem depauperada, a Câmara tem uma oportunidade única para começar a sair do buraco. Basta ter coragem e consertar a MP 228, fazendo uma lei moderna que facilite o acesso da população a todos os arquivos públicos.
Assinatura Abraji