- 15.11
- 2024
- 16:00
- Ramylle Freitas
Liberdade de expressão
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TransMídia: conheça a primeira organização jornalística que cobre pautas trans no Brasil
O jornalista transmasculino Caê Vatiero, cofundador da Transmídia e que também atua na equipe de Proteção e Participação Democrática da Artigo 19 Brasil e América do Sul, compartilhou, durante entrevista para o Jornalismo Sem Trégua, da Abraji, como surgiu a ideia de criar uma organização jornalística formada por pessoas trans e travestis e inteiramente focada na pauta de interesse dessa comunidade. Ele abordou temas como combate à desinformação, cobertura das eleições e sustentabilidade. A live, mediada por Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes, aconteceu no Instagram da Abraji na última terça-feira (12 de novembro) e pode ser assistida na íntegra através deste link.
Acerca do início da Transmídia, Vatiero fala sobre o longo percurso que a organização percorreu desde 2020 até o seu lançamento, neste ano.
“A gente começa em 2020, no meio da pandemia, justamente pela falta de um espaço em que a gente pudesse se reconhecer. Seis profissionais da comunicação se juntaram, a gente não se conhecia, para falar “e aí? como que a gente existe no meio jornalístico que não enxerga a gente? Não valida nossos corpos, não sabe fazer uma cobertura qualificada e que também não dá oportunidades para que a gente acesse determinados lugares de prestígio no próprio jornalismo?” Então a gente se junta. Seis pessoas que começam a dividir opiniões semanais pelo meet”, contou o jornalista.
Além disso, Vatiero também fala sobre como a Transmídia nasceu de um lugar de afeto e sobre a importância de construir uma memória do que são as pessoas transexuais fazendo comunicação, bem como o sentimento de pertencimento por se conectar com outros jornalistas da comunidade trans.
“Eu passei a minha graduação inteira sem conhecer outros jornalistas trans. E a partir do momento que eu conheço outras pessoas trans na profissão que é a minha, isso muda muita coisa. Isso é muito significativo. A Transmídia surge de um lugar afetivo, por uma necessidade grande que é o jornalismo não dar espaço para nós [...] a gente sempre fez comunicação de outras formas não tradicionais, a gente se junta nessa necessidade mesmo de construir novas narrativas”, compartilhou.
A importância das pautas trans
Conforme conta Vatiero, um ponto que surgiu nas conversas iniciais sobre a Transmídia foi sobre a mídia não saber cobrir a temática da comunidade com profundidade. O jornalista comenta que existe um olhar muito enviesado sobre a pauta trans e que os jornais só abordam a pauta quando é algo benéfico para si ou quando se trata de violência.
“A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) soltou um relatório anual que fala que, de cada 10 notícias que monitoraram contendo as palavras mulher trans e travesti, oito eram sobre violência. Então, o jornalismo tem uma reparação histórica a ser feita com pessoas trans; e a Transmídia vem para mostrar que é possível fazer uma cobertura adequada, uma cobertura profunda, que a gente consegue falar de questões trans em qualquer editoria”, pontuou.
Vatiero também fala sobre momentos em que o jornalismo foi contraditório, reiterando que este ano aconteceu a primeira marcha transmasculina, que foi amplamente divulgada e avisada aos meios de comunicação e não houve cobertura da grande mídia.
“Era uma marcha transmasculina, num domingo, na Avenida Paulista, tinha todos os critérios jornalísticos de ineditismo. Mais de 10 mil pessoas, um evento que também tinha parlamentares… então a gente também tinha o quesito político acontecendo e a gente não teve uma cobertura ao vivo. Não foi por falta de mandar um release, não foi por falta de conseguir enviar essa informação.”
Cobertura eleitoral e o combate à desinformação
Sendo um dos 10 veículos selecionados pelo edital da Énois Jornalismo para fazer uma cobertura eleitoral focada no combate à desinformação, a Transmídia realizou esse trabalho com foco nas candidaturas envolvendo pessoas trans.
“Esse é um dos marcos que, pra mim, é extremamente significativo. Porque é a primeira vez que a gente tem um veículo de comunicação composto inteiramente por uma equipe de pessoas trans fazendo uma cobertura eleitoral, focando no combate à desinformação. O portal Diadorim mapeou, se não me engano, ao menos 124 políticos entre políticos eleitos, vereadores e pré-candidatos, que fizeram impulsionamento de conteúdo contra pessoas trans com desinformação”, relatou.
Segundo Caê Vatiero, ao longo dos dois meses de cobertura eleitoral, todos os conteúdos tinham fontes trans. Ele ressalta esse feito como um ponto muito significativo por muitas pessoas falarem que não encontram fontes trans ou entrevistarem sempre a mesma pessoa. “Então esse é um ponto que a Transmídia traz que quebra o estigma do próprio jornalismo, que é não termos pessoas trans para falar sobre os assuntos.“
A TransMídia
Além de Vatiero, a equipe é formada por Sanara Santos, Agatha Lotus e Hela Santana.
CAÊ VATIERO
Cofundador e Diretor Institucional
Transmasculino (ele/dele)
Jornalista, pós-graduando em Jornalismo de Dados e criador do projeto Transfobia em Dados. Atua na equipe de Proteção e Participação Democrática da ARTIGO 19, fez parte da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e da segunda temporada do programa Idade Mídia, do Canal Futura. Em 2023, se tornou um dos primeiros transmasculinos a participar do programa Roda Viva, da TV Cultura, onde entrevistou a cartunista Laerte Coutinho.
SANARA SANTOS
Cofundadora e Diretora de Jornalismo
Mulher trans (ela/dela)
Nascida e criada na Favela da Ilha, na zona Leste de São Paulo, Sanara foi a primeira mulher trans e negra a liderar uma organização de jornalismo no Brasil na Énois Conteúdo, onde é diretora do Laboratório Énois.
AGATHA LOTUS
Cofundadora e Diretora de Design
Transfeminina (ela/dela)
Soteropolitana radicada em Bauru, no interior de São Paulo, Agatha é designer e já trabalhou em vários projetos produzindo identidade visual, posts para redes sociais, mockups e conteúdos audiovisuais variados. Já foi uma das coordenadoras do FAB LAB CiteBauru, onde faz orientações sobre fabricação digital.
HELA SANTANA
Cofundadora e Diretora de Conteúdo
Travesti (ela/dela)
Nascida em Jequié, interior da Bahia, Hela é escritora e roteirista audiovisual. Na TV Globo, fez parte da sala de roteiro das séries Histórias (im)Possíveis e Encantado’s, em quadro de animação para o Fantástico e foi consultora dramatúrgica do remake da novela Elas por Elas. Nos últimos anos, tem trabalhado em seu primeiro projeto autoral, o documentário Pajubá, que narra histórias de pessoas trans no cinco cantos do Brasil.