• 02.12
  • 2008
  • 17:45
  • Letícia Sander/Folha de S. Paulo (1º/12/2008)

Texto de projeto de lei de acesso à informação pública mantém brecha para sigilo

Promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o projeto de lei sobre acesso à informação pública que o governo pretende enviar ao Congresso no início de 2009 mantém a brecha para o sigilo eterno de alguns documentos considerados "ultra-secretos", embora restrinja a possibilidade de isso acontecer.

O texto, segundo a Folha apurou, terá duas vertentes: uma estabelecerá novas regras sobre o segredo de determinadas informações e outra regulamentará o acesso a dados de órgãos públicos em geral, algo inédito até então no país.

Fruto de meses de trabalho de uma comissão que inclui os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Franklin Martins (Comunicação Social), Celso Amorim (Relações Internacionais), Nelson Jobim (Defesa) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), o projeto garante a possibilidade de certos documentos de política externa permanecerem inéditos.

Como se trata de um projeto de lei, a proposta precisa ser posteriormente aprovada pela Câmara e pelo Senado para entrar em vigor. Até o envio ao Congresso, o texto ainda poderá sofrer alterações pontuais.

Pelo que ficou acordado até agora no governo, o projeto definirá três categorias para o sigilo de documentos públicos: os "ultra-secretos" poderiam ser mantidos em segredo por 25 anos, os "secretos", por 15 anos, e os confidenciais, por até oito anos (há ainda a possibilidade de este último prazo ser reduzido até o envio do texto ao Congresso).

Renovação do prazo

Somente os "ultra-secretos" poderão ter o prazo de sigilo renovado por decisão de uma comissão. Não há previsão de limite do número de prorrogações para os documentos que eventualmente provocarem "grave ameaça externa à soberania e grave risco às relações internacionais".

Por isso, em tese, documentos em posse do Estado referentes à ditadura militar (1964-1985) não poderão permanecer inéditos para sempre, a não ser que sua divulgação pudesse trazer problemas na relação do Brasil com outros países.

O projeto, segundo subordinados do presidente Lula ouvidos pela Folha, ainda prevê uma ressalva textual, segundo a qual não será permitida a renovação do prazo de sigilo de nenhum documento que envolva a violação dos direitos humanos.

A manutenção do veto à divulgação de certos documentos referentes à política externa é defendida pelo Itamaraty desde o governo anterior, do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), sob o argumento de que a publicidade de certas informações poderia reavivar conflitos internacionais com países vizinhos.

É o caso, por exemplo, dos documentos oficiais que se referem à demarcação de fronteiras ao final da Guerra do Paraguai (1864-1870). Em 2004, uma reportagem da Folha revelou que autoridades brasileiras subornaram árbitros que demarcaram fronteiras, subtraindo território paraguaio.

Além da parte que trata das informações sigilosas, o projeto do governo federal pretende regulamentar, pela primeira vez, o acesso a informações do Executivo, Legislativo e Judiciário. A idéia é estabelecer prazos (deverá ser de dez dias, com a possibilidade de uma prorrogação), para que sejam fornecidas informações requeridas pelos cidadãos sobre a gestão pública.

Caso o prazo não seja cumprido, haverá sanções administrativas. Hoje, não há regras claras no Brasil para que uma pessoa tenha acesso a documentos do Estado, diferentemente do que ocorre em vários países do mundo. O caso mais conhecido é o dos Estados Unidos, que desde 1966 têm uma lei neste sentido, o "Freedom of Information Act" (Lei de Liberdade de Informação, em tradução livre).

Pacote para 2009

O projeto de lei sobre o acesso a informações públicas é parte de um "pacote" do governo para esta área em 2009, que prevê outras duas iniciativas: uma é o lançamento de um portal na internet intitulado "Memórias Reveladas", com dados da ditadura militar que estão de posse do Arquivo Nacional, além de documentos hoje em poder dos Estados.

Outra é a divulgação de um edital de "chamamento público", solicitando às pessoas que tiverem documentos sobre o período da repressão para que os entreguem ao Arquivo Nacional, que se encarregará de catalogá-los e, futuramente, torná-los públicos.

Essas iniciativas devem ser anunciadas em evento no Planalto nos moldes da divulgação, em 2007, do livro "Direito à Memória e à Verdade", documento do governo federal que acusa governos militares de atos cruéis contra opositores.


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Assinatura Abraji