Tem precedente: Contratos e processo de licitação, mesmo com informação pessoal, devem ser públicos
  • 05.02
  • 2024
  • 08:00
  • Luiz Fernando Toledo

Acesso à Informação

Tem precedente: Contratos e processo de licitação, mesmo com informação pessoal, devem ser públicos

Esta matéria é parte da newsletter Achados e complementa a seção Tem precedente?, um trabalho de análise das decisões do governo federal sobre transparência de informações realizado pela Abraji. Analisamos periodicamente decisões da Controladoria-Geral da União (CGU), o órgão responsável pelo monitoramento da LAI em nível federal, e fornecemos aqui um resumo das que podem ser de maior relevância para jornalistas, pois afetam o entendimento do governo sobre que tipo de informação é considerada pública ou sigilosa.

A cansativa disputa entre o acesso a dados públicos e a necessidade de resguardar o sigilo de informações pessoais costuma ser motivo de frustração para quem trabalha com documentos públicos. Muitas vezes pedimos acesso a um contrato público ou um processo administrativo, por exemplo, e a solicitação é negada porque parte desses documentos contêm informações pessoais.

Duas decisões recentes da Controladoria-Geral da União (CGU) geram um bom precedente no sentido de que é dever dos órgãos remover só a parte sigilosa dos documentos por meio de tarjas e fornecer o restante. Mais do que isso, essas decisões tratam de situações em que os documentos contêm centenas ou até milhares de páginas - motivo comum para que esses pedidos sejam negados.

Em um deles (01217.009796/2023-98), para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o órgão tentou negar acesso com base justamente no tamanho do documento, relacionado a uma contratação emergencial pela pasta - 173 MB, com 52 volumes e cerca de 3 mil páginas, com muitas informações que precisariam ser anonimizadas. O órgão alegou falta de pessoal e a necessidade de trabalhar por 100 dias para conseguir tratar os papéis adequadamente.

Em outro caso, no Ibama (02303.018156/2023-62), em que foram pedidas informações sobre um contrato de licença da Microsoft, o órgão também usou a quantidade de informação como motivo para negativa - eram 1379 arquivos e 4119 páginas, alegando que, "para tal atendimento, seriam necessárias 137h e 18m de dedicação exclusiva da sua equipe de servidores da área de TI (Tecnologia da Informação), para tarjar dados pessoais contidos nesses documentos".

A CGU determinou que os documentos fossem fornecidos aos solicitantes em ambos os casos. Um dos argumentos para a decisão foi o de que "é dever dos órgãos e entidades públicas promoverem, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas", citando como exemplos procedimentos licitatórios e contratos públicos.

Veja outras decisões recentes de interesse público selecionadas pela Abraji:

INSS deve dar acesso a microdados do CNIS somente se requerente pagar por extração das informações (protocolo 36783.008391/2023-92)

Informação solicitada: microdados completos do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) de 1998 a 2019, posteriormente ajustado para o período de 2003 a 2019, incluindo variáveis específicas.

Resposta do órgão: O INSS negou o acesso inicialmente, alegando que a extração dos dados solicitados geraria custos adicionais devido à necessidade de trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados.

Decisão sobre o recurso e precedente: A CGU decidiu pelo provimento parcial do recurso, permitindo que o INSS forneça ao solicitante um orçamento detalhado para a extração dos dados, desde que o solicitante concorde em arcar com os custos e assine um termo de responsabilidade.


Fiocruz deve fornecer cópia de acordos de cooperação técnica, com tarja em informações com sigilo industrial (protocolos 25072.056499/2023-91 e 25072.056496/2023-58).

Informação solicitada: cópia integral do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre Farmanguinhos/Fiocruz e uma empresa farmacêutica, relacionado à transferência de tecnologia de medicamentos. 

Resposta do órgão: A Fiocruz negou acesso integral, alegando sigilo de conteúdo por se tratar de projetos de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico.

Decisão sobre o recurso e precedente: A CGU decidiu pelo provimento parcial do recurso, concedendo acesso às partes não sigilosas do contrato e pedindo tarjas somente nos trechos protegidos por sigilo industrial ou com dados pessoais como CPF ou RG de envolvidos no contrato.


UNIFAP deve conceder acesso a documentos de concurso, incluindo provas escritas, áudios das provas e fichas de avaliação (protocolo 23546079957/2023-11)

Informação solicitada: documentos relacionados à seleção de candidatos para professor efetivo do Curso de Medicina, incluindo provas escritas, áudios das provas didáticas e fichas de avaliação dos avaliadores.

Resposta do órgão: A UNIFAP inicialmente negou o pedido com base na proteção de informações pessoais dos candidatos, conforme o edital do concurso e a Lei nº 12.527/2011.

Decisão sobre o recurso e precedente: A CGU, após análise, decidiu pela perda de objeto do recurso, visto que a UNIFAP disponibilizou os documentos solicitados antes da decisão final da CGU. Este caso ressalta a importância da transparência nos processos seletivos, permitindo a divulgação de documentos e informações relacionados a candidatos aprovados em seleções para o provimento de cargos públicos, desde que resguardadas as informações pessoais sensíveis.


Comando do Exército: concedido acesso a informações sobre Clube de Caça e Tiro (protocolo 60143.005812/2023-43)

Informação solicitada: documentos relativos a um clube de caça e tiro, incluindo certificado de registro, comprovantes de apostilamento de estande de tiro, vistoria do Exército e cumprimento de apresentação semestral de documentos.

Resposta do órgão: O Comando do Exército negou o acesso, alegando restrição de acesso a informações pessoais e técnicas relacionadas a atividades com Produtos Controlados pelo Exército, com base no Decreto nº 10.030/2019.

Decisão sobre o recurso e precedente: A CGU decidiu pelo provimento do recurso, determinando que o Comando do Exército forneça os documentos solicitados, protegendo eventuais informações pessoais.


Sobre o projeto

A Abraji monitora, desde novembro de 2023, decisões tomadas pelo governo federal sobre publicidade de documentos produzidos por órgãos públicos. A ideia é que jornalistas possam acompanhar, com mais agilidade e curadoria, quais argumentos estão sendo usados para negar dados ou até obter ideias para embasar seus próprios pedidos de informação.

Assinatura Abraji