• 26.10
  • 2005
  • 10:16
  • MarceloSoares

Tem jornalismo investigativo no Brasil, sim!

LIÈGE ALBUQUERQUE

(Artigo originalmente publicado no Diário do Amazonas.)

Tem jornalista que faz piadinha quando eu e outros colegas falamos com empolgação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). "Coisa de marketing, porque não existe jornalismo investigativo no País", dizem. Ledo engano de quem não lê, e nem tem como, todos os jornais do Brasil. O Brasil tem mais de 150 jornais diários só nas capitais, acredita? Bem poucos on line, o que facilitaria alguém que more na selva na seca ler o produzido perto das praias lindas de Recife.

Então trata-se de um exagero absurdo (ou dor-de-cotovelo de jornalista que tem preguiça ou falta de competência para apurar) alguém dizer que não se faz jornalismo investigativo no país. Você, coleguinha, ou eu, podemos não fazer todo dia, por preguiça ou outra impossibilidade qualquer, mas tem muita, acredite, muita gente que faz por esse brasilzão afora.

E você pode também estar subestimando o que é uma reportagem investigativa, achando que ela só é investigativa se ganhou prêmio, se abalou as estruturas de Brasília ou se gerou uma CPI na Câmara de sua cidade. Jornalismo investigativo, também não é denuncismo. É ir ouvir mil pessoas se for o caso para ver se a denúncia procede. Exemplo: se o Conselho Nacional de Justiça determina que os Tribunais de todo o país demitam os parentes de juízes e desembargadores é só isso que a gente vai publicar? Não. Vai atrás da lista dos parentes, vai cruzar sobrenomes, vai cobrar do poder judiciário o cumprimento da determinação. Investigar, ir além da notícia.

Com um painel bem bolado, o "Boas Histórias, Boas Reportagens", que vou ter o prazer de apresentar no 1o Congresso Internacional de Jornalismo Abraji, a partir de hoje à noite no Rio, terei a responsabilidade de apresentar 16 belas reportagens investigativas escolhidas entre 28 enviadas de todo o país. E provar que elas existem, sim, senhor!

Podem não mudar a situação denunciada, podem ser escritas num jornal on line de Araras no interior de São Paulo que poucos ouviram falar, num pequeno diário no Rio Grande do Sul, ou ter sido apresentada entre tantas na TV Globo e que todo mundo já esqueceu, mas que foram apuradas com persistência e cuidado e corajosamente publicadas.

Reportagem investigativa, repito, não é só aquela que recebeu prêmio nacional, escrita no Estado de S. Paulo, na Folha, na Veja e que todo mundo sabe que ela existe. Afinal, para receber um prêmio, você tem de inscrever sua matéria, se quiser. É muita coisa produzida por aí que a maioria de nós não tem a menor idéia de que foi tão empolgadamente apurada e publicada com orgulho por pequenos jornais ou grandes emissoras.

As escolhidas são reportagens produzidas por jornalistas do Rio, Recife, Porto Alegre, São Paulo, Curitiba, Natal, Mato Grosso do Sul, Araras e São José dos Campos (se ficar curioso, como todo jornalista deve ser, veja a lista no www.abraji.org.br).

Infelizmente não tive o prazer de receber nada produzido no norte do País. Espero que tenha sido só incompetência de nossa divulgação do Congresso, porque já li boas reportagens investigativas no Amazonas. Todas as 16 têm em comum o jeito de "nascer" a pauta: de uma vontade de mudar alguma coisa que está cheirando muito mal na cidade, no Estado, no país em que vivemos.

E jornalismo tem de ser pensado primeiramente assim. Como forma de mostrar as versões da verdade, da realidade do país, que as autoridades não querem ver publicadas. Sempre, friso, indo além do que as autoridades querem que a gente publique. Mas não há regras fechadas de como fazer bom jornalismo, o investigativo, porque o batente é que ensina.

Ontem estava ouvindo o José Hamilton, da TV Globo, que vai ser homenageado no Congresso (terão também in memoriam para o Tim Lopes e o Vlado Herzog). Delícia ouvi-lo. Com 50 anos de jornalismo, Hamilton, na CBN, falou uma frase que adorei, e que vou repetir para meus alunos. Principalmente aqueles que acham que dá para aprender a fazer jornalismo sem suar ou ler jornal. "Tem duas coisas que aprendi nesses 50 anos de jornalismo: que azeitona preta é tingida e que a torneira de água quente nos hotéis está quase sempre à esquerda. O resto, só lendo e no batente".

P.S. Há 370 inscritos até hoje no Congresso. Não quer ir junto?
Assinatura Abraji