- 11.02
- 2021
- 18:55
- Bruna Lima e Maria Esperidião
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
STF derruba direito ao esquecimento por 9 votos a 1
Nove ministros do Supremo Tribunal Federal votaram contra a existência do direito ao esquecimento em um dos julgamentos mais importantes para a imprensa nos últimos anos. A maior parte dos ministros entendeu que a questão poderia gerar censura prévia e colocava em risco liberdades garantidas pela Constituição. A Abraji era amicus curiae (amiga da corte) no caso e ajudou a mais alta corte do país a debater o tema.
Votaram contra o Recurso Extraordinário 1010606 os ministros Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Luís Roberto Barroso se declarou impedido para analisar a questão. Edson Fachin divergiu da maioria e foi o único favorável à existência do direito ao esquecimento.
O veredito de hoje é importante porque tem repercussão geral - ou seja, vale para casos semelhantes em todo o Brasil.
Desde que o assunto passou a ser debatido, a Abraji criticou a evocação desse suposto direito por entender que poderia ser usado por agentes públicos e políticos para remover notícias negativas da internet. Para amparar o argumento, a associação usou dados do projeto CTRL+X, que acompanha milhares de ações na Justiça para remover conteúdos on-line, especialmente em anos eleitorais.
A advogada Taís Gasparian, que representou a Abraji no caso, comemorou o resultado:
"O STF mais uma vez demonstrou seu apoio à liberdade de expressão e de informação ao reconhecer que a Constituição Federal não acolhe o direito ao esquecimento. Como afirmou a ministra Cármen Lúcia, o esquecimento, no Brasil, soa como um desaforo jurídico", disse.
Para Katia Brembatti, diretora da Abraji, a decisão representa uma importante vitória para a liberdade de expressão e para o jornalismo, já que ficou “assegurado o direito de continuar registrando a história diária”. A jornalista ressalta que, com o entendimento do STF, reafirma-se o papel da imprensa em relembrar fatos do passado relevantes para entender o cotidiano.
Durante quatro dias, os ministros julgaram se era possível proibir que empresas jornalísticas e plataformas de internet (Google, por exemplo) divulgassem informações sobre o passado de uma determinada pessoa. Para isso, seria evocado o “direito ao esquecimento”.
O julgamento começou em 03.fev.2021 e se refere a um caso de 16 anos atrás. O então programa "Linha Direta", da TV Globo, reconstituiu o crime de uma jovem assassinada no Rio de Janeiro em 1958. A família pediu indenização por danos morais e queria que a tragédia fosse apagada definitivamente da imprensa. Outras instâncias inferiores da Justiça negaram o pedido, e o caso foi parar no STF.
Confira como alguns ministros votaram
No primeiro dia do julgamento, o ministro Dias Toffoli, relator do caso, argumentou que “não se defendem dados pessoais com obscurantismo” e resumiu a razão pela qual foi contra o recurso:
“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento. Assim entendido como poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais.”
No dia 10.fev.2021, votaram os ministros Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Rosa Weber.
O ministro Nunes Marques votou contra o direito ao esquecimento, mas divergiu de Toffoli. Segundo ele, a família Curi merece indenização por danos morais. Durante a justificativa, fez críticas ao que chamou de "mau jornalismo".
"É preciso reconhecer que existe o mau jornalismo, que é aquele que abusa da prerrogativa de criar notícias falsas ou causar sensação a custo da intimidade alheia. Mas, mesmo assim, é necessário ter prudência para não tolher a atividade jornalística”, pontuou.
Alexandre de Moraes sublinhou que o direito ao esquecimento permitiria transformar a realidade em virtude do lapso temporal, apagando ou restringindo o acesso à memória coletiva de fatos concretos. E questionou:
“Como e quem seria o órgão responsável para estipular se aquelas informações são verídicas, foram desvirtuadas ou são degradantes? Nós teríamos um controle preventivo das informações a serem divulgadas? Isso claramente configura censura prévia. Não há permissivo constitucional que garanta isso.”
A ministra Rosa Weber fez duras críticas ao recurso. Segundo ela, além de ser inconstitucional, o direito ao esquecimento “contribuiria para manter um país culturalmente pobre, a sociedade moralmente imatura e a nação economicamente subdesenvolvida.”
A única divergência veio de Edson Fachin, que votou a favor do recurso. O ministro argumentou que o esquecimento deve ser analisado caso a caso e utilizado como “trunfo” em casos excepcionais. Contudo, reconheceu que a liberdade de expressão tem preferência.
A quarta e última sessão do julgamento foi aberta nesta quinta-feira com o voto da ministra Cármen Lúcia, que também rejeitou a tese do suposto direito.
"Em um país de triste desmemória como o nosso, discutir e julgar o esquecimento como direito fundamental - neste sentido aqui adotado - ou de alguém poder impor o silêncio, e até o segredo, de fato ou ato que poderia ser de interesse público, parece, se existisse essa categoria no direito - que não existe - um desaforo jurídico para a minha geração. Porque o Brasil é um país no qual a minha geração lutou pelo direito de lembrar.”
O ministro Lewandowski foi o responsável pelo voto que formou a maioria contra o direito ao esquecimento. “Com a abrangência e generalidade que o recorrente busca ver reconhecido, esse instituto nunca encontrou abrigo no direito brasileiro”, afirmou.
Os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio vieram logo em seguida. Ambos votaram contra.
Por fim, o presidente do STF, Luiz Fux, exerceu seu direito de voto, mesmo que a maioria já tivesse sido formada. Sua posição seguiu a do relator do caso, Dias Toffoli, e a dos outros ministros.
"O direito ao esquecimento não pode reescrever o passado, nem obstaculizar o acesso à memória, ao direito de informação e à liberdade de imprensa. Esse é o estado atual da jurisprudência da Suprema Corte". E continuou: "(...) um estágio que não pode retroceder, porque é um estágio em que hoje são concedidas as liberdade públicas, que na minha juventude eram suprimidas ao povo brasileiro."
Foto: ministra Cármen Lúcia/ Agência Brasil