- 25.04
- 2021
- 09:30
- Abraji
Site reconstrói legado de Geraldo Mayrink
Desde nov.2020, um projeto de memória jornalística está no ar. O site Geraldo Mayrink levou uma década para ficar pronto e faz uma homenagem ao trabalho do repórter e editor que assinou perfis históricos na imprensa brasileira. Parte dos 900 textos produzidos por Mayrink já está disponível para professores, estudantes e profissionais, que agora têm acesso a esse estilo único de contar histórias.
Foi Gustavo, filho de Geraldo, quem assumiu a tarefa de resumir na plataforma a trajetória do jornalista mineiro, considerado um gênio da geração por desempenhar múltiplas funções nas Redações, como pautar, apurar, escrever e editar reportagens:
“Geraldo Mayrink nasceu em Juiz de Fora (MG), em 1942. Começou a carreira em 1960 e ao longo de cinco décadas passou pelas principais publicações do país, como Binômio, Diário de Minas, O Globo, Jornal do Brasil, Manchete, Veja, IstoÉ, Playboy, Afinal, Correio Braziliense, Revista Goodyear, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, Época e Diário do Comércio. Tem uma dezena de livros publicados, entre eles “Juscelino” (biografia), Editora Nova Cultural, 1988; “Memorando” (teatro, coautoria com Fernando Moreira Salles), Companhia das Letras, 1993; e “Escuridão ao Meio-dia” (ensaios), Editora Record, 2005. Morreu em 2009, em São Paulo, aos 67 anos”.
Depois da morte do pai, Gustavo Mayrink decidiu empreender um site de memória independente, financiado com recursos próprios e a ajuda de amigos. Foram muitos altos e baixos: “Fizemos crowdfunding, tentamos agilizar para colocar de pé a ideia em 2019, esfriamos e nos animamos. Mas é compensador terminar algo que valoriza o trabalho de um jornalista a partir de um bom texto e um bom conteúdo”.
A recuperação da obra do pai se tornou um desafio enorme diante das centenas de recortes em papel para analisar, já que a maior parte não estava digitalizada. Outra questão decisiva era priorizar quais reportagens e ensaios mais representavam a marca do craque. “Passei os últimos anos organizando e editando o acervo do meu pai, textos escritos entre as décadas de 1960 e 2000 nas principais Redações do país”, conta Gustavo.
Entrevistas feitas por Geraldo Mayrink com Elis Regina, Rita Lee e Mané Garrincha fazem parte da primeira leva de textos que foi publicada. A meta é disponibilizar 900 artigos que serão distribuídos em três editorias: Conversas (entrevistas, perfis e memória), Cultura (cinema, música e literatura) e Cotidiano (crônicas, ensaios e reportagens).
Gustavo Maryink explica que “o critério de seleção passou pela qualidade editorial, pelo ineditismo e caráter inusitado dos textos – boa parte foi publicada em revistas de acesso restrito, como Goodyear e Takano -, pela relevância cultural e pela possibilidade de estabelecer conexões com o contexto atual”.
“São textos que mostram como Geraldo Mayrink tinha uma capacidade incansável de contar boas histórias, de imprimir um ponto de vista, de questionar o sistema. Textos que nos parecem muito vivos, que resistiram ao tempo e que fazem falta no jornalismo de hoje”, disse o publicitário.
Marcelo Beraba, cofundador da Abraji, ressalta a importância do colega como um exemplo do cuidado com o resultado final:
“Não trabalhei diretamente com o Geraldo Mayrink, mas tenho grande admiração pelo tanto que contribuiu para o bom jornalismo. Não se pode esmorecer na investigação, no compromisso de produzir reportagens sólidas, de fustigar os poderes. Mas, sem um bom texto, sem uma escrita clara e sedutora, não tem boa apuração que se sustente”.
Nessa catalogação minuciosa a partir de caixas guardadas, o filho descobriu joias, como o obituário de Jean Paul Sartre. Nele, está presente um exemplo claro de uma espécie de “ritual de abertura de um texto” desenvolvido por Geraldo, que não se prendia à “pirâmide invertida”, a fórmula pela qual o jornalista precisa “entregar” os fatos mais relevantes já de largada, no primeiro parágrafo:
“A cova reservada a Jean-Paul Sartre parecia aberta desde o começo dos anos 1960, quando se trocou o vocabulário da filosofia pelo das ciências humanas, mas ela talvez fique vazia para sempre”, escreveu Geraldo Mayrink nas páginas da Veja em 1980.
Ao organizar o acervo do pai, Gustavo também escolheu o ensaio “Raízes do Brasil: a cordialidade, a malandragem e a conciliação a partir de uma profunda crise nacional”. E encontrou uma crítica ao filme “O Poderoso Chefão”, dirigido por Francis Ford Coppola em 1972, em que o personagem de Marlon Brando é definido assim:
“É o retrato de um patriarca a caminho do túmulo, envolvido numa aura de inexplicável e enternecedora melancolia. É uma epopeia de homens de negócios e, também, uma bela demonstração de amizade entre pessoas que se sentem ligadas a um mesmo destino”.
Para Gustavo Mayrink, da mesma forma que o filme resistiu ao tempo, a resenha do seu pai se tornou um clássico. Sinaliza o talento de enxergar algo para além da superfície, uma nova mirada de um mesmo ângulo.
O projeto está recebendo doações para as próximas fases. Clique aqui para saber mais.
Foto cedida à Abraji por Gustavo Maryink. Autor: Chico Nelson.