- 03.10
- 2024
- 14:22
- Ramylle Freitas
Sérgio Lüdtke fala sobre desertos de notícias e dá dicas sobre o combate à desinformação em live do Jornalismo Sem Trégua
O jornalista Sérgio Lüdtke, que atua no combate à desinformação e no mapeamento dos desertos de notícias, participou de live da Abraji para falar de ferramentas de fact-checking, principalmente durante as eleições municipais, prejuízos dos desertos de notícias, fontes que financiam o jornalismo, dicas sobre sustentabilidade no jornalismo, dentre outros temas. Sérgio é coordenador de projetos da Abraji, editor-chefe do Projeto Comprova, coordenador do Atlas da Notícia e presidente do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo). A entrevista faz parte da série Jornalismo Sem Trégua e foi conduzida por Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes. Você pode assistir a transmissão completa , que aconteceu no dia 25 de setembro, neste link.
De acordo com Lüdtke, o Comprova é uma coalizão que realiza o combate à desinformação. O projeto surgiu em 2018 com 24 veículos de comunicação, com a ideia de fazer um enfrentamento ao que se imaginava ter de desinformações nas eleições presidenciais daquele ano, voltando em edições limitadas após esse momento e se tornando um projeto quase permanente desde o início da pandemia. Hoje, o Comprova conta com 42 veículos. “A ideia do projeto é basicamente envolver colaborativamente repórteres de distintos veículos e territórios diferentes, para fazer uma investigação colaborativa”, explicou.
Sérgio conta que existe uma outra parte importante de apoio composta por outros jornalistas que não participaram da investigação. Esses ficam responsáveis pela revisão. “O produto final disso é um consenso, e, na base disso tudo, está o modo de atuar, que é um modo muito distinto das redações tradicionais, que é essa gestão mais horizontal. Não há uma hierarquia”, disse.
“Essa é uma experiência muito interessante, porque a gente ainda trabalha em redações que são normalmente muito verticalizadas, com hierarquias muito definidas em que as pessoas muitas vezes têm algum tipo de atividade delimitada. Não deixa de ser o resultado de uma redação tradicional, não deixa de ser um produto coletivo, mas quando é colaborativo nessa medida, com essa horizontalidade, ele é um produto ainda mais coletivo.”
Como o Comprova ajuda na qualificação dos jornalistas
Especialmente no período eleitoral, é necessário que os jornalistas estejam qualificados. Assim, o Comprova desenvolveu uma seção de recursos para auxiliar os jornalistas na cobertura das eleições municipais. “Esses recursos são basicamente em três grandes áreas. Uma delas é uma caixa de ferramentas, onde qualquer jornalista, não necessariamente para trabalhar com desinformação, mas para qualquer tipo de investigação de conteúdo digital, vai ter ali uma dezena de ferramentas que podem ajudá-lo.”
Além da caixa de ferramentas, Sérgio indica o guia básico de Inteligência Artificial (IA) para jornalistas e sessões de mentorias gratuitas. O guia, disponível neste link, oferece informações sobre IA, uma série de sugestões de ferramentas e como detectar um conteúdo criado por IA. E as mentorias são disponibilizadas para jornalistas que estejam lidando com alguma dificuldade em uma das ferramentas de fact-checking ou precisando de orientação sobre como conduzir uma investigação.
“A nossa ideia é atender 500 pessoas até o final do 2º turno. Então, as pessoas também podem pelo WhatsApp acessar o formulário, e a gente vai entrar em contato e marcar informando quem é o jornalista que vai atender, que tenha experiência naquele tema que ela tem necessidade de solução”, informou.
Os jornalistas interessados nas ferramentas de investigação do Comprova podem acessar tanto o número de WhatsApp 11-97045-4984, que é o chatbot do projeto, quanto o site, disponível neste link. Além disso, Lüdtke afirma que as ferramentas são de fácil utilização e que aquelas que são um pouco mais complexas contam com um tutorial.
O prejuízo dos desertos de notícias
Para Lüdtke, a informação deveria ser tratada como política pública, uma vez que a sociedade está vivendo um período contaminado pela desinformação. “Ela influencia na democracia, as pessoas podem tomar decisões equivocadas em função da desinformação [...] ela pode causar prejuízos à saúde das pessoas, quando as pessoas são convencidas com o movimento antivacina, por exemplo. Então é muito importante que o jornalismo seja presente. E é muito mais importante que esse jornalismo seja um jornalismo bem feito.”
Segundo o jornalista, atualmente os desertos de notícias atingem quase metade dos municípios brasileiros, com cerca de 2.500 cidades que não possuem um veículo cobrindo o que acontece localmente. Sobre isso, ele alega que a consequência da ausência de fiscalização do poder resulta na falta de informações de qualidade, onde as pessoas ficam reféns de conteúdos que circulam nas redes sociais.
“Normalmente é um conteúdo que vai circular por redes sociais, grupos de WhatsApp, Telegram, e manifestados por pessoas em quem os moradores confiam, mas não necessariamente essas pessoas têm o preparo, a atenção. Não há um método na apuração que eles fazem, eles são transmissores das informações que eles ouvem por aí.”
Além disso, Lüdtke reitera que não necessariamente as cidades que têm veículos jornalísticos são bem atendidas, pois o jornalismo precisa ser independente e ter transparência para ganhar a confiança do público. “Fazer um bom jornalismo é uma obrigação nossa enquanto profissionais, mas não necessariamente o jornalismo que se entrega em todos os lugares é um jornalismo de interesse público. Por que o jornalismo vive uma crise, essa crise precisa ser atendida de alguma forma e muitas vezes as organizações deixam de lado os princípios do bom jornalismo em nome da sobrevivência.”
Caminhos para a sustentabilidade no jornalismo
Durante a entrevista, Sérgio falou da importância dos veículos de comunicação terem uma diversidade de fontes de financiamento. “Uma pesquisa recente que a gente fez no Atlas da Notícia, com veículos que estão no que a gente chama de ‘quase desertos’, que são cidades que têm um ou dois veículos, chamou atenção pelo grande número de veículos que dependem unicamente de publicidade. Em alguns casos, dependem que a redação faça a venda da publicidade, o que é terrível, há um conflito de interesses bárbaro nisso. Mas é a forma que eles encontraram de sobreviver.”
Lüdtke alerta, também, sobre a dificuldade que muitos veículos têm de explorar novas fontes, ficando dependentes da venda da publicidade e, muitas vezes, publicidade oriunda da prefeitura, que acarreta na perda de independência daquele veículo. Ele recomenda, como forma de melhorar esse tipo de situação, buscar parcerias ou tentar buscar recursos da sua própria audiência.
“Busque parceiros que possam ajudar a buscar um novo modelo de negócios, que possa ajudar a diminuir a dependência, trazer recursos para a organização [...] você pode ter algum tipo de recurso vindo da sua audiência, se a audiência confiar em você e achar que você é importante para o território que você atua, essa audiência talvez possa, as pessoas mais abastadas ou mais interessadas nisso, colaborarem com um recurso que é maior que uma assinatura, por exemplo”, orientou.