- 09.03
- 2021
- 18:00
- Abraji
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Seminário Mulheres no Jornalismo apontou propostas para diminuir ataques e racismo contra as jornalistas
Cobrar das plataformas de redes sociais uma reação firme e ágil sobre os ataques contra as mulheres, fortalecer parcerias com a sociedade civil para garantir a segurança das repórteres e mudar a cultura das redações para evitar o assédio e o racismo. Essas foram as principais sugestões feitas pelas convidadas do seminário Mulheres no Jornalismo, realizado ontem (08.mar.2021), pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em parceria com a Embaixada e os Consulados dos Estados Unidos para comemorar o Dia Internacional da Mulher.
O evento teve como objetivo debater os desafios enfrentados pelas mulheres no exercício da profissão jornalística, suas realizações e questões específicas para que atuem em diversas mídias jornalísticas tanto no Brasil como nos EUA. As convidadas também foram provocadas a sugerir como aumentar a representatividade feminina nas redações, destacar os tipos de assédio e casos de violência que as jornalistas lidam em suas rotinas de trabalho.
A jornalista e cofundadora do coletivo Nós, Mulheres da Periferia Semayat Oliveira moderou a mesa “Como se defender contra ataques on-line e presenciais com viés de gênero”, com Nina Jankowicz, que estuda desinformação no Wilson Center, nos Estados Unidos, Patricia Campos Mello, repórter especial e colunista da Folha de S. Paulo, e Schirlei Alves, repórter freelancer em Florianópolis (SC).
Patricia Campos Mello, autora do livro “A Máquina do Ódio”, e diretora da Abraji, abriu sua fala compartilhando os ataques sofridos nos últimos dias, coordenados por milícias digitais e bots. Os comentários ofensivos passaram a ser postados nas redes sociais dela, da Abraji e da Embaixada dos Estados Unidos.
“É uma nova forma de censura. Antigamente, na ditadura militar do nosso país, tinha uma coisa clássica que era o sensor nas redações. Hoje em dia, você pode fazer censura de duas maneiras: de um lado você inunda as redes sociais com desinformação - a versão que você quer implacar -, do outro lado você faz campanhas de intimidação, de assassinato de reputação”, disse Campos Mello.
Ao compartilhar sua experiência na cobertura do caso Mariana Ferrer, Schirlei Alves afirmou que a responsabilidade começa antes mesmo de publicar a reportagem, já que, em muitos momentos, a jornalista será uma das únicas que ouvirá o relato sem fazer qualquer prejulgamento. Além de receber dezenas de xingamentos misóginos por causa dessa matéria do “estupro doloso”, Alves ressaltou que os comentários buscavam desqualificá-la e prejudicar sua carreira.
A jornalista recebeu o apoio de diversas organizações, incluindo a Abraji, mas teve que sair das redes sociais, sua principal ferramenta para divulgar suas reportagens e atrair novos trabalhos como freelancer: "Eu acabei me afastando das redes porque eu precisava me fortalecer diante desses ataques", explicou Alves.
No painel seguinte, Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes, da Abraji, sinalizou que proteger os jornalistas também é um papel das redações, onde ocorre, muitas vezes, a naturalização dos ataques direcionados a esses profissionais e até a punição da vítima. "Os locais de trabalho precisam entender que é fundamental dar esse suporte, porque se não você passa a seguinte mensagem: é melhor você se calar, mudar de profissão ou mudar sua área de atuação".
Nunes debateu o tema “O que Brasil e EUA têm feito para proteger as jornalistas” com Elisa Muñoz, diretora executiva da International Women's Media Foundation (IWMF) e Natalie Southwick, coordenadora do Programa das Américas Central e do Sul do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), sob mediação da diretora da Abraji Natália Mazotte.
Segundo Natalie Southwick, este é um momento interessante para essa discussão, tendo em vista o cenário político no Brasil e nos Estados Unidos, com a saída recente de Donald Trump da presidência. Ela reconheceu avanços no que se refere às condições de trabalho do profissional de imprensa, mas reforça o que Angelina Nunes já havia apontado:
“Há muitas razões de preocupações em relação à segurança, e, principalmente, às mulheres jornalistas que fazem parte da população marginalizada, que trabalham nas favelas e em áreas menos privilegiadas”, avaliou. Southwick pontuou ainda que muitas ameaças vêm de níveis muito altos do governo em um contexto que acaba por fortalecer a retórica anti-imprensa.
A mesa “Ferramentas para enfrentar o assédio e a discriminação racial nas redações” encerrou o evento com a participação de Bianca Santana, do Ecoa/UOL, Flavia Lima, ombudsman da Folha de S. Paulo e da americana Sia Nyorkor, com mediação de Basilia Rodrigues, analista de política da CNN Brasil.
Flavia Lima citou que na Folha de S. Paulo houve uma mudança nos processos seletivos para que a redação avançasse em termos de representatividade, excluindo, por exemplo, a exigência de um idioma estrangeiro, abrindo a seleção àqueles que não tiveram oportunidade de estudar inglês. Basilia Rodrigues destacou a importância de rever os critérios de escolha dos candidatos, que acabam excluindo classe e gênero.
Para Bianca Santana, “o racismo é presente não apenas pela falta de negros nas redações. Vamos falar da vivência do negro, como, por exemplo, a segregação urbana racial em São Paulo. Falta esse olhar negro. Ainda produzimos notícias com viés branco e rico”.
Repercussão
O seminário foi transmitido oficialmente pela plataforma Congresse.Me, onde estará disponível até a próxima segunda-feira (15.mar.2021), em inglês e português com tradução simultânea, e pelos canais do Youtube da Abraji e da Embaixada e os Consulados dos Estados Unidos. Ao todo, obteve 782 inscrições na plataforma oficial, atingindo a marca de 947 espectadores. No Youtube da Abraji, o evento somou 392 visualizações, enquanto no canal da Embaixada foram contabilizadas 235.
A Abraji recebeu comentários positivos de como o seminário contribuiu para jornalistas de todo o país. Em seu perfil no Twitter, Ludmilla Gonçalves, de Brasília, escreveu que tinha chorado no trabalho ao se deparar com os depoimentos emocionados das repórteres que sofreram campanhas de difamação. “Eu estava ouvindo elas contarem sobre os assédios, uma delas chorou. Apesar de não ter sofrido nenhum ataque na minha carreira, tive muita empatia”, contou Gonçalves.
Balanço de agressões
O seminário se insere no contexto preocupante para as mulheres. Ontem, a Abraji divulgou um levantamento exclusivo sobre como a questão de gênero está no centro dos ataques. Segundo o estudo, mulheres jornalistas no Brasil foram vítimas de mais da metade das agressões no meio digital em 2020.
Outras organizações também aproveitaram o Dia Internacional da Mulher para lançar campanhas e pesquisas sobre a situação da mulher. Reunimos aqui o material divulgado pela Repórter sem Fronteiras, Unesco, PoderData e Federação Internacional dos Jornalistas. Na semana passada, o Comitê de Proteção a Jornalistas também divulgou uma reflexão global sobre o tema.
A Abraji já lançou uma cartilha para enfrentar o assédio on-line. Em 2017, divulgou um estudo sobre mulheres na redação. Para 2021, a organização planeja um acompanhamento diário dos ataques por gênero, um indicador que aparece diluído em muitas pesquisas.