- 28.02
- 2021
- 14:45
- Rowan Philp - GIJN
Formação
Seis ferramentas e seis técnicas que repórteres podem usar para desmascarar autores por trás da desinformação sobre a covid-19
Texto originalmente publicado em 8.jul.2020.
Alexandre Capron esperava encontrar uma organização ameaçadora e com muito dinheiro quando começou a investigar uma campanha de informações falsas sobre a covid-19 que havia chamado a atenção de centenas de milhares de pessoas na África e no oeste europeu.
Postagens de cinco páginas populares do Facebook continham citações falsas atribuídas a presidentes e autoridades médicas - com informações que poderiam ter consequências fatais - e pareciam ser habilmente elaboradas para explorar ressentimentos entre muitos da República Democrática do Congo (RDC) e da grande comunidade de congoleses que migraram para a França.
Capron, um repórter do The Observers, do France 24, usou um conjunto de ferramentas de rastreamento - incluindo Hoaxy, whopostedwhat.com e a cada vez mais poderosa ferramenta Transparência do Facebook - para encontrar a organização por trás disso.
Ao contrário do que imaginava, ele encontrou um estudante universitário de 20 anos e um estudante do ensino médio de 16 anos na capital da RDC, Kinshasa, brincando.O administrador da página de 20 anos disse a Capron: “Nós inventamos histórias para conseguir seguidores. Damos aos seguidores da página novas informações que eles não leram em outro lugar”.
Um estudante congolês de 20 anos disse a um repórter que ganhou 60.000 seguidores em um mês postando informações falsas sobre a covid-19. Imagem: The Observers, do France 24.
Apenas uma das páginas no Facebook tinha 150.000 seguidores, e seus artigos fabricados sobre a covid-19 foram compartilhados 206 mil vezes nas redes sociais em cinco semanas.
As forças por trás da onda mundial de conteúdos falsos - criados intencionalmente sobre a pandemia - surgem como uma mistura tóxica de grupos ideológicos à margem da sociedade, golpistas, agentes estatais e de "relações públicas negativas", redes de notícias conspiratórias e até mesmo estudantes buscando atenção ou pequenas recompensas financeiras.
Uma pesquisa do Reuters Institute da University of Oxford sugere que quase dois quintos de todas as informações incorretas sobre a covid-19 foram completamente fabricadas. Além disso, um estudo do Oxford Internet Institute descobriu que matérias com informações falsas sobre a covid-19, produzidas pelas mídias estatais russa e chinesa, geraram muito mais engajamento nas redes sociais do que histórias factuais produzidas por veículos da Europa Ocidental. A situação é tão grave que a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que a pandemia vem acompanhada de uma "infodemia" (junção das palavras informação e pandemia) de desinformação.
Ao contrário das mentiras políticas, as mentiras sobre doenças transmissíveis estrategicamente plantadas e disseminadas têm consequências mortais. Isso inclui mortes decorrentes de comportamentos irresponsáveis, “curas” falsas ou até mesmo venenosas, e incitação à violência, como foi visto nos ataques a minorias muçulmanas na Índia.
A GIJN entrevistou sete repórteres e editores que trabalham com questões de desinformação sobre a covid-19, e descobrimos que suas opiniões sobre o papel da reportagem investigativa eram unânimes: jornalistas investigativos devem se concentrar principalmente nas pessoas e no dinheiro por trás dessas campanhas, ao invés de tentar desmentir as alegações falsas que elas geram e espalham.
Enquanto os jornalistas entrevistados usaram dezenas de ferramentas para expor os responsáveis por essas invenções, a GIJN identificou seis ferramentas e seis técnicas comuns a muitas das investigações descritas nas entrevistas.
“Acho que temos a responsabilidade de expor as pessoas e grupos que estão gerando e espalhando desinformação”, afirma Craig Silverman, editor de mídia do BuzzFeed News. “Grupos de trolls, agentes estatais, grupos com motivação financeira - todos eles precisam ser investigados. Primeiro porque é uma boa história e, segundo, porque ajuda a deter essas pessoas. É menos atraente produzir desinformação se os jornalistas estiverem no seu encalço”.
Silverman atualizou recentemente uma lista de ferramentas e plug-ins de código aberto essenciais para ajudar repórteres a seguirem de perto esses vendedores ambulantes de informações erradas.
Os repórteres dizem que uma notável reação coletiva de organizações de checagem de notícias ao redor do mundo em 2020 os ajudou a ir atrás desses responsáveis misteriosos.
Apenas a CoronaVirusFacts Alliance - 100 organizações lideradas pela International Fact Checking Network, do Poynter Institute - já desmentiu mais de 7.000 boatos relacionados a covid-19 em 2020*. Ao mesmo tempo, o Fórum sobre Informação e Democracia lançou um grupo de trabalho para buscar uma resposta à infodemia com base em políticas públicas. Além disso, organizações investigativas, como a coalizão sem fins lucrativos First Draft, estão treinando repórteres com técnicas para verificar postagens on-line e para reportar sobre desinformação de forma responsável.
Com uma simples busca reversa de imagens, o First Draft provou que esta imagem - amplamente divulgada nas redes sociais como mostrando as mortes de covid-19 na China - era de um projeto de arte de 2014 na Alemanha. Imagem: Cortesia da First Draft
Aimee Rinehart, vice-diretora do First Draft nos Estados Unidos, disse que o grupo também estava focado em ajudar redações a derrubar boatos perigosos sobre o coronavírus antes que tivessem a chance de se tornarem virais.
"Estamos vendo os mesmos tipos de clichês, alienação e níveis gerais de ódio contra grupos que normalmente vemos com rumores na Internet, mas a 'cereja do bolo' da desinformação é o coronavírus", afirma Rinehart. “Ao invés de George Soros como alvo frequente, o bicho-papão dos trolls agora é Bill Gates. Havia desinformação antes, mas dessa forma deliberada realmente começou a acontecer em torno dos protestos ReOpen [após as quarentenas por conta da covid-19]. Nos EUA, vimos narrativas que tomam a forma de uma ferradura: a comunidade antivacina de um lado do espectro político e os defensores da Segunda Emenda [direitos relacionados a armas] do outro, mas unidos em qualquer conteúdo de campanha que diga que ‘você não pode nos dizer o que fazer''.
Furos sobre desinformação coordenada
Jornalistas investigativos publicaram várias histórias bombásticas sobre as forças coordenadas por trás da desinformação que comprometeu as eleições nos Estados Unidos em 2016 e influenciou o voto do Brexit no Reino Unido. Uma delas, escrita por Silverman, revelou que jovens empreendedores em uma pequena cidade na Macedônia criaram pelo menos 140 sites de propaganda que tiveram um impacto significativo sobre os eleitores americanos, enquanto uma série do New York Times expandiu um furo feito por repórteres russos sobre uma "fazenda de trolls" em St. Petersburgo chamada de Agência de Pesquisa da Internet.
Ainda não foi publicada uma história nessa escala sobre informações falsas relacionadas com a covid-19. Mas os especialistas afirmam que possíveis furos sobre desinformação estão por aí.
Natalia Antelava, editora-chefe do Coda Story, uma organização sem fins lucrativos sediada em Tblisi, Geórgia, diz que a desinformação forçou muitas redações a entrar em um modo reativo e que focar nas organizações e motivações por trás dos boatos poderia ser o melhor caminho a seguir.
“Eu acho que desmentir boatos tem sido uma diversão para os repórteres, em muitos aspectos”, acredita Antelava. “Precisamos contar histórias de forma proativa, e não apenas reagir à agenda de outra pessoa. Acho que cobrir desinformação deveria ser como cobrir qualquer outra crise. Os princípios devem ser os mesmos”.
Imagem: Cortesia do Coda Story
Em fevereiro, o Coda Story investigou um grupo do Facebook, “Stop5G International” (“Parem o 5G Internacional”), que usa informações falsas para atacar a tecnologia de dados 5G - um assunto que desde então se tornou um grande tema de desinformação na pandemia. Só no Reino Unido, mais de 70 torres de celular foram vandalizadas ou queimadas por pessoas que acreditavam na história de que a tecnologia 5G estava ajudando a espalhar a covid-19 ao danificar o sistema imunológico humano.
A equipe do Coda Story rastreou o administrador da página de Facebook até um porão perto de Zurique, onde um repórter foi escaneado com um detector de radiação portátil quando foi até lá entrevistar o responsável pela página. No entanto, em vez de usar um tom depreciativo, ou focar em algumas das afirmações bizarras do entrevistado, a matéria explorou as motivações e medos do homem de forma respeitosa, ao mesmo tempo que apresentou dados científicos.
Investigações que impactam a desinformação
Em maio, a repórter armênia Tatev Hovhannisyan descobriu que um site de notícias de saúde local, Medmedia.am, postou vários conteúdos enganosos e imprudentes sobre a pandemia, incluindo uma que pedia aos armênios que “recusassem todos os possíveis programas de vacinação”. Hovhannisyan disse que a história atraiu 131.000 visualizações, em um país com cerca de 3 milhões de cidadãos.
Ela também mencionou a segunda história mais lida do site, que afirmava, falsamente, que um necrotério estava oferecendo dinheiro aos familiares de pessoas falecidas para assinarem um documento dizendo que seu parente havia morrido de covid-19.
O site - que ela descobriu ser administrado por um médico de extrema direita e anti-LGBTQ - também alegou ser "financiado por meio de um subsídio do Departamento de Estado [dos EUA]". No entanto, Hovhannisyan questionou se esta última afirmação, entre tantas outras absurdas do portal, poderia ser mesmo verdadeira. Em vez de ir atrás das informações falsas - o que era fácil, mas que ela sabia que seria como lutar contra um oceano - ela decidiu seguir o rastro do dinheiro.
Ela tentou, sem sucesso, rastrear o subsídio através do grants.gov (um site de concessões do governo federal norte-americano) e encontrar os proprietários de Medmedia.am e da ONG responsável pelo veículo por meio de uma pesquisa no site Whois (que permite identificar o dono de um determinado domínio on-line).
Então, Hovhannisyan descobriu que alguns beneficiários de subsídios precisam se inscrever para obter um número DUNS (padrão usado globalmente para identificar empresas em transações comerciais), que gera um identificador numérico único, e completar um processo de registro SAM (Sistema para Gerenciamento de Prêmios).
Ela pesquisou o banco de dados SAM.gov e encontrou um registro da “Associação Armênia de Jovens Médicos” - uma ONG criada por esse mesmo médico. Foi necessária ainda mais uma etapa para verificar se o subsídio para este “Prêmio de Assistência Federal” estava ativo.
Oito dias depois de apresentar suas provas, a embaixada dos Estados Unidos na Armênia admitiu que, de fato, havia financiado a ONG e o site.
Uma semana depois que a história estourou no openDemocracy, a Embaixadora dos Estados Unidos na Armênia, Lynne Tracy, anunciou que a embaixada encerraria o financiamento para o site e iria “restringir alguns procedimentos”.
Desde então, a matéria do openDemocracy foi coberta ou citada em mais de 70 veículos e em oito idiomas.
“Eu me perguntei: como o Departamento de Estado dos EUA poderia financiar um site armênio que divulga informações incorretas sobre a covid-19 e faz campanha contra a vacinação?” conta Hovhannisyan. “Durante a pandemia da covid-19, a desinformação se espalhou desenfreadamente. O real impacto [desta matéria] superou nossas expectativas”.
“O Medmedia parece ter mudado sua abordagem, e o número de publicações com afirmações enganosas e incorretas sobre a covid-19 parece ter diminuído. Este é o impacto mais importante para mim! ”
Seis ferramentas para identificar os responsáveis por trás da desinformação sobre a covid-19
1 - Hoaxy. Essa ferramenta de código aberto permite que você visualize a disseminação de postagens e artigos online, pesquise artigos de fontes com pouca credibilidade e mapeie o número cumulativo de compartilhamentos ao longo do tempo.
2 -.CrowdTangle. A maioria daqueles que investigam a desinformação descreve o CrowdTangle como a ferramenta mais poderosa neste campo. Esta plataforma de monitoramento oferece ótimos insights sobre como o conteúdo é compartilhado em redes sociais como Facebook, Instagram e Reddit.
3 - Graphika. Esta ferramenta permite que você mapeie o cenário das mídias sociais e encontre conexões entre domínios. Uma ferramenta complexa, mas eficaz para visualizar graficamente os fluxos de desinformação é o Gephi.
4 - Para investigar desinformação e golpes com motivações financeiras, ferramentas como o DNSlytics.com podem ajudá-lo a rastrear anúncios e atividades comerciais suspeitas em sites. Contas premium pedem uma pequena taxa de assinatura. Para redações com grandes orçamentos investigativos, o Adbeat é uma ferramenta que vasculha a web e fornece informações úteis sobre anúncios exibidos on-line.
5 - Whopostedwhat. Criado pelo especialista em inteligência online Henk van Ess, é uma ferramenta projetada para investigadores com foco no interesse público, que permite pesquisar palavras-chave no Facebook por data. Junto com a ferramenta de verificação de vídeo InVID e o CrowdTangle, ele surgiu como uma ferramenta importante para rastrear os responsáveis por trás de postagens enganosas de mídia social.
6 - Pesquise no Google para encontrar perguntas, ao invés de respostas. Rinehart disse que digitar metade de uma pergunta no Google, como "Por que o governo federal ..." fornece questões que são procuradas com frequência e que podem dar aos repórteres uma noção do que as comunidades suspeitam, ou não sabem, ao consumir notícias. Um exemplo famoso foi a pergunta "O que é a União Europeia" - amplamente feita pelos britânicos no dia seguinte à votação do Brexit no Reino Unido.
Ondas de mentiras perigosas na Ásia
Vivendo em Delhi (Índia), o presidente da Sociedade de Jornalistas Asiáticos e membro do conselho da GIJN, Syed Nazakat, disse que viu quatro ondas de desinformação sobre a pandemia na Ásia: primeiro, sobre suas origens, depois antigas histórias sem relação com a covid-19 sendo apresentadas como relacionadas ao vírus, depois sobre curas e, finalmente, sobre a quarentena.
Nazakat alertou que a próxima onda - nos meses seguintes - provavelmente teria campanhas coordenadas de desinformação contra o desenvolvimento de vacinas.
"Estou lhe dizendo, posso ver isso chegando, e será mais coordenado e intenso do que o que vimos até agora", disse ele. “Isso pode atrapalhar ou sabotar qualquer progresso no desenvolvimento da vacina, ou as pessoas vão evitá-la por causa desses rumores. Estou falando de milhares de vídeos contrários a vacinas diariamente. Os jornalistas vão ter muito trabalho. "
Nazakat - que fundou a DataLEADS, uma startup colaborativa de narrativas baseadas em dados - conta que as teorias da conspiração relacionadas a vacinas explodiram em todo o Paquistão depois que reportagens da grande mídia afirmaram que a CIA realizou uma campanha de vacinação falsa ao complexo de Osama Bin Laden antes do ataque militar norte-americano ao líder da Al-Qaeda, em 2011. Ele afirma que muitas dessas preocupações estavam sendo exploradas agora durante a pandemia covid-19.
"Mesmo quando a pandemia começou, as pessoas diziam que não havia covid-19, que era uma missão secreta da CIA", conta ele. “Vimos muitos vídeos em hindi e bengali sobre remédios e curas alternativas - sobre como o alho ou a urina de vaca podem curar você, por exemplo - e depois vimos muitas teorias da conspiração na língua urdu, amplamente falada no Paquistão e na Índia. Uma das razões para isso são as vacinas. Além disso, a covid-19 tem sido usada como uma arma de ódio contra os muçulmanos. Já escrevemos quase uma centena de matérias sobre supostas "curas" sem nenhuma evidência científica. Quando investigamos quem estava por trás disso, vimos um grande número de grupos de interesse relacionados à medicina alternativa”.
Esta matéria da Health Analytics Asia - na qual um médico rapidamente refutou uma afirmação muito compartilhada sobre as propriedades protetoras do suco de limão - é apenas um exemplo da parceria pioneira do site com uma rede de médicos em toda a Ásia para verificar alegações sobre a covid-19 em tempo real. Captura de tela: cortesia da Health Analytics Asia.
Em um programa pioneiro, a Health Analytics Asia - uma divisão da DataLEADS - fez parceria com médicos em 17 países asiáticos para conduzir verificações em tempo real de alegações médicas em postagens nas redes sociais e artigos relacionados à pandemia.
Expondo os golpistas por trás das informações falsas
Silverman editou vários livros para ajudar os repórteres a lidar com a desinformação, incluindo o "Manual de verificação: Um guia definitivo para verificar conteúdo digital para a cobertura de emergências", que está disponível para download gratuito.
Em maio, ele investigou informações falsas sobre máscaras anti-covid-19 no Facebook e descobriu um enorme esquema de aumento nos preços que não apenas enganava os clientes, mas também o próprio Facebook.
Seu processo de reportagem fornece um modelo de como os repórteres podem descobrir redes de desinformação comercial e os golpistas por trás delas, a partir de um único conteúdo suspeito.
A investigação de Craig Silverman expôs uma grande rede de golpes que começou com uma publicação no Facebook. Captura de tela.
Em um seminário da GIJN sobre desinformação, Silverman explicou que começou com um único anúncio no Facebook para máscaras N95, que apresentava estatísticas falsas e uma citação do "cirurgião-chefe" dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos - um cargo que não não existe.
Embora a URL da loja on-line não oferecesse muitas informações, Silverman simplesmente colocou essa URL entre aspas e pesquisou no Google. Isso forneceu todas as páginas que o Google indexou relacionadas a esse URL, que incluíam comunidades do PayPal, reclamações de clientes enganados e o nome da empresa que vendeu as máscaras: ZestAds. Uma busca separada por “máscaras” e “ZestAds” encontrou centenas de outras reclamações sobre informações falsas e máscaras com preços exorbitantes ou pedidos que nunca chegaram.
Depois de visitar a seção "páginas relacionadas" e todos os elementos do menu na página original do Facebook - incluindo "análises" e "sobre" - para procurar mais comentários, ele clicou na caixa Transparência da página e encontrou uma empresa nos Estados Unidos, em vez da ZestAds, listada como a “proprietária verificada da página”.
Para Silverman, essa discrepância foi um dos vários sinais de alerta relacionados às vendas. Outra era que o administrador dessa página supostamente americana estava aparentemente na Espanha.
Um grupo no Facebook dedicado a reclamações sobre a empresa ofereceu cópias de recibos de compras - e estes, por sua vez, ofereceram URLs para as lojas online criadas pela ZestAds.
Silverman então usou uma técnica “bola de neve” para investigar a escala da rede, incluindo o número de páginas do Facebook e lojas on-line que vendem as máscaras.
“O que vimos é um crescimento de empresas vendendo produtos no Facebook usando o Shopify como loja, que leva minutos [para configurar], e continuam criando várias contas enquanto enganam as pessoas e roubam seu dinheiro”, diz ele.
Sabendo que os golpistas muitas vezes não se dão ao trabalho de escrever missões e valores diferentes para cada loja, Silverman extraiu frases da seção "Sobre nós" de algumas das lojas online, colocou-as entre aspas e pesquisou no Google. Ele encontrou quase 300 lojas e visitou uma a uma - registrando os detalhes em uma planilha para ver se todas estavam conectadas à rede fraudulenta.
“É aqui que todo o glamour da investigação acaba”, comenta. “Mas o trabalho manual é muito importante, porque realmente tive uma boa noção dessas lojas e do que elas estavam fazendo, porque vi com meus próprios olhos.”
Em seguida, ele usou a frase de pesquisa “site: facebook.com” com o nome de quase 200 empresas vinculadas à rede para mapear sua inserção nas mídias sociais.
A seção “Transparência” na página do Facebook para esta loja - uma das quase 200 lojas na rede - apontou Silverman para a verdadeira localização da empresa: Malásia. Captura de tela
Isso o levou a uma página no Facebook de uma loja on-line, "qomingsoon.com", cuja seção "Transparência" finalmente o indicou a verdadeira localização da sede do golpe: uma empresa na Malásia.
“Acontece que a ZestAds descobriu uma forma de burlar o processo do Facebook para adicionar um proprietário de página verificado, então eles estavam deliberadamente enganando as pessoas e explorando o Facebook”, explica.
Silverman então pesquisou as lojas do DomainBigData.com no Whois.net para descobrir seus históricos de registro.
“Na época, o Facebook havia banido todos os anúncios de máscaras", conta Silverman. “Portanto, não estávamos apenas expondo esta empresa que estava enganando pessoas com informações falsas, mas também revelamos que o Facebook falhou em cumprir sua própria política."
O BuzzFeed enviou ao Facebook uma lista de quase 100 páginas vinculadas ao ZestAds. O Facebook enviou à empresa uma carta de rescisão e, desde então, baniu a ZestAds de sua plataforma.
Seis técnicas para rastrear as pessoas por trás da desinformação
1 - Encontre a foto de perfil ou foto de capa mais antiga da página suspeita que você está investigando. Em seguida, veja as “curtidas” e comentários. Frequentemente, pessoas próximas ao proprietário da página - ou mesmo o próprio proprietário - são as primeiras a "curtir" ou interagir com essas imagens.
2 - **As informações são ligeiramente diferentes entre o antigo e o novo design das páginas do Facebook, portanto, altere entre as duas versões para verificar se há dados ou links mais úteis no formato antigo. Procure recibos em grupos do Facebook, onde os consumidores se reúnem para reclamar dos produtos.
3 - Ao tentar contato direto com trolls - e descobrir a motivação por trás de suas ações - é importante se apresentar como um repórter. No entanto, alguns jornalistas descobriram que os trolls são muito mais propensos a concordar com entrevistas quando a abordagem se concentra na popularidade de suas páginas, em vez de seu conteúdo falso. “Não minta sobre suas intenções, mas [os trolls] gostam de falar sobre popularidade”, observa Capron.
4 - Coloque o conteúdo da seção “Sobre nós” de sites suspeitos de golpes entre aspas ao fazer pesquisas no Google para saber se outras lojas foram criadas com o mesmo pano de fundo na rede. Use as aspas para URLs e domínios também - como em “site: youtube.com”.
5 - Identifique uma possível informação incorreta por meio de sinais de alerta no conteúdo, incluindo linguagem emotiva ou exagerada, e chamadas apelativas, como: “Leia esta notícia importante antes que o Twitter a remova.” Linguagem idêntica nas postagens do feed de notícias é outro indicativo. Preste atenção aos sites com domínios “.news”, pois as redes de desinformação costumam usá-los para isolar públicos com diferentes pontos de vista ideológicos.
6 - Evite aumentar o alcance das mensagens falsas ou as marcas extremistas que você está investigando. Aimee Rinehart do First Draft sugere que postagens com informações falsas publicadas por grupo de teorias da conspiração como o QAnon excluem a palavra "QAnon" de seus títulos e das três primeiras frases, para diminuir a chance de que o termo possa ser divulgado como um termo em tendência. Silverman insinua que essas histórias começam, idealmente, com os fatos verdadeiros, seguidos por uma descrição cuidadosa da informação falsa - e que os fatos verificados são repetidos perto do final para reforçar a ideia de verdade na memória dos leitores. “Mostrem a responsabilidade dos trolls sem lhes dar a notoriedade que desejam”, diz ele.
Desvendando impérios de desinformação
Em junho, o Institute for Strategic Dialogue (ISD), com sede no Reino Unido, uma organização anti-extremista da sociedade civil que trabalha com jornalistas, publicou uma investigação abrangente sobre um dos maiores contribuintes para a desinformação sobre a covid-19 do mundo.
Sua investigação encontrou 496 domínios que ainda estavam vinculados à rede de extrema direita Natural News, com sede nos Estados Unidos, e seu fundador, Mike Adams, apesar do banimento desse domínio de várias plataformas de rede social, incluindo o Facebook em junho de 2019.
A rede de propaganda gerou inúmeras histórias de falsas conspirações sobre temas como Bill Gates e torres de 5G, e foi uma “super propagadora” do vídeo conspiratório “Plandemia” que espalhou a afirmação falsa de que a pandemia foi planejada.
Os investigadores do ISD compilaram este gráfico sobre proprietários de domínios e entidades comerciais ligadas à vasta rede de desinformação sobre a covid-19 da Natural News. Imagem: Cortesia ISD
O relatório do ISD afirmou que: “Apesar de ter sido banido do Facebook em 2019 e novamente em 2020, o Natural News e seus domínios afiliados são usados para compartilhar desinformação sobre uma variedade de temas, incluindo a covid-19 e os protestos pela morte de George Floyd.” Os pesquisadores encontraram 562.193 interações em postagens de domínios relacionados ao Natural News em menos de três meses após o banimento.
“Atribuição aos responsáveis, e rastreamento dos perpetradores, é a peça que falta em muitos trabalhos de verificação, porque é com certeza o mais difícil de fazer”, diz Chloe Colliver, chefe da Unidade de Pesquisa Digital do ISD. “É necessário um conjunto de habilidades e coragem para expor essas pessoas, que geralmente são personagens bastante sombrios. É importante revelar ao público que este não é apenas um fenômeno incontrolável. Existem dinâmicas de poder que são importantes para os jornalistas investigarem”.
Colliver disse que o CrowdTangle, o Gephi e a lista de ferramentas OSINT do Bellingcat provaram ser importantes para investigar redes complexas. Os pesquisadores do ISD também usaram o Google Earth Pro para descobrir se os endereços online relacionados ao Natural News estavam vinculados a escritórios físicos.
Uma dica importante para os jornalistas que resultou dessa investigação foi que algumas das maiores redes de “desinformação ideológica” tem o cuidado de dividir seu público ideologicamente e afunilar em sites que excluem conteúdo que possa chateá-lo.
Por exemplo, os investigadores descobriram que o público interessado em saúde holística - e provavelmente alienado em relação a conteúdo ligado aos direitos de armas - foi redirecionado para sites de domínio “.news” com informações enganosas sobre saúde alternativa, mas sem propaganda pró-armas.
Áreas de desinformação a serem observadas
Colliver disse que as relações públicas negativas (em inglês, dark PR), onde as empresas são contratadas para desacreditar indivíduos e instituições, incluindo a imprensa, com mentiras estrategicamente colocadas, deveriam ser uma área de escrutínio para redações investigativas nos próximos meses.
"Eu realmente acho que o mercado de relações públicas negativas é massivamente pouco pesquisado e provavelmente desempenha um papel muito importante no trabalho sujo daqueles que procuram causar danos por meio da desinformação relacionada a covid-19", diz ela.
“Eu suspeito que há mais a ser descoberto sobre o que a China tem feito em termos de espalhar desinformação ao redor do mundo”, acredita Craig Silverman do BuzzFeed. “Provavelmente existem pessoas motivadas por dinheiro que estão tentando lucrar muito de maneiras que ainda vamos descobrir. O grande elemento de coordenação que já estamos vendo é como a comunidade conspiratória QAnon, a comunidade anti vacinas e extremistas anti governo formaram uma aliança profana em torno da pandemia, onde estão lutando juntos contra o uso de máscaras e plantando teorias da conspiração sobre como tudo isso foi um evento planejado”, acrescenta.
Alexandre Capron, o repórter do France 24, disse que o administrador de 20 anos da página de informações enganosas que ele entrevistou desconhecia o dano que suas 37 publicações de “notícias” relacionadas a covid-19 poderiam ter causado ao seus leitores.
Uma alegava falsamente que a Organização Mundial da Saúde endossou um remédio fitoterápico de Madagascar como cura para a covid-19, e outra centrou-se em uma citação anti-vacinação falsa atribuída ao conhecido epidemiologista francês Didier Raoult.
O aluno foi sincero sobre seu plano de desinformação e também sobre o estranho objetivo de sua “brincadeira”. “Nossa estratégia é compartilhar essas postagens em vários grupos [maiores]”, ele disse a Capron. “A intenção é compartilhar notícias para que realmente aconteçam.”
“Sua campanha foi muito popular porque jogou com os sentimentos antiocidentais da diáspora congolesa, e as histórias sempre eram algo em que as pessoas queriam acreditar”, diz Capron. “Esses caras são muito jovens, mas muito inteligentes, e entendem como as redes sociais funcionam e o que as pessoas queriam ler, e isso é tudo que precisavam”.
Rowan Philp é repórter da GIJN. Rowan foi repórter-chefe do Sunday Times da África do Sul. Como correspondente estrangeiro, ele relatou notícias, política, corrupção e conflitos em mais de duas dezenas de países ao redor do mundo.
Tradução de Ana Beatriz Assam
O gráfico que ilustra a matéria foi cedido pela Coda Story
*A Abraji lembra que esses números e algumas informações mudaram em função da publicação original do texto.
** Nota do tradutor: já não é mais possível usar esta técnica