“São Paulo Sem Migué” checa afirmações da Prefeitura de São Paulo
  • 16.07
  • 2018
  • 12:08
  • Rafael Oliveira

“São Paulo Sem Migué” checa afirmações da Prefeitura de São Paulo

O Centro Acadêmico dos estudantes de Políticas Públicas da UFABC e a empresa júnior do curso de Jornalismo da ECA/USP se uniram para tocar um projeto inédito: uma iniciativa de checagem de fatos focada na Prefeitura de São Paulo. Nasceu o “São Paulo Sem Migué”, no ar desde abril de 2018.

Quem juntou CAPOL-UFABC e Jornalismo Júnior (Jota) foi Ana Carolina Nunes. Formada em jornalismo na ECA e ex-presidente da empresa júnior, ela concluiu um mestrado em políticas públicas na Universidade Federal do ABC em 2017. Nunes coordena o projeto em conjunto com Felipe Teixeira, bacharel em Relações Internacionais pela USP, mestre em economia pela UFRJ e ex-assessor da Prefeitura de São Paulo, entre 2013 e 2016.

Segundo a jornalista, o São Paulo Sem Migué surgiu a partir de um “duplo diagnóstico”. “Por um lado, a cobertura jornalística de temas relacionados à gestão pública costuma ser muito focada em afirmações dos políticos e gestores públicos, com pouco aprofundamento na análise dos dados públicos disponíveis para verificar a veracidade das mesmas”, explica. “Por outro, boa parte dos gestores públicos ainda têm dificuldade em pensar a transparência dos dados públicos a partir de uma perspectiva do cidadão”, complementa a coordenadora.

A partir da percepção desse problema, Nunes e Teixeira decidiram pensar em um projeto que integrasse comunicação e gestão pública. Nasceu a plataforma de fact-checking, que ganhou um caráter pedagógico com o reforço dos jovens estudantes do CAPOL e da Jornalismo Júnior. 

Segundo a jornalista, apesar do tempo escasso que os graduandos têm para o projeto, que é voluntário, a “curiosidade” e a “vontade de aprender” são pontos positivos para a iniciativa. “São pessoas que estão mais abertas a desenvolver suas competências do que profissionais já 'moldados' pelo mercado”, aponta Nunes.

A coordenação do projeto, que conta com dois representantes do Centro Acadêmico e três da empresa júnior, além de Nunes e Teixeira, é responsável por selecionar as frases que virarão checagens. “Recolhemos todas as notícias e falas sobre a prefeitura que acreditamos poderem ser checadas. Ao fim de cada ciclo a coordenação se reúne e discute quais frases serão, de fato, analisadas. Para isso levamos em conta uma série de critérios, como relevância do dado e a possibilidade/viabilidade dele ser checado ou não”, explica Mariangela Castro, uma das diretoras da Jornalismo Júnior.

As frases selecionadas pelos coordenadores são divididas em quatro grupos: Gestão, orçamento e finanças; saúde e educação; mobilidade, segurança e zeladoria; assistência social, habitação, trabalho e empreendedorismo. Nunes e Teixeira ajudam a esclarecer dúvidas dos estudantes de cada grupo sobre planilhas, portais de transparência e o funcionamento da prefeitura, além de revisarem os textos.

As primeiras checagens, já no ar, foram feitas a partir do vídeo de balanço de um ano de gestão, feito pelo então prefeito João Doria Jr., hoje pré-candidato ao governo do Estado. “Entre as checagens já concluídas, constatamos, por exemplo, que o suposto déficit de R$ 7,5 bilhões deixado pelo ex-prefeito Fernando Haddad não existe. Essa informação é importante, pois o ex-prefeito Doria costumava se referir com frequência a esse dado para justificar decisões de sua gestão, como redução de investimentos”, conta Ana Carolina Nunes. Nesta primeira leva, a iniciativa também checou informações referentes ao Autódromo de Interlagos e a fila da pré-escola do município.

Projeto que cobra transparência, o São Paulo Sem Migué também se esforça para ser claro para quem o acompanha. “Em nossos textos, explicamos todo o ‘caminho da checagem’ para que os leitores do projeto também possam checar nossas informações”, conta Castro. 

Além disso, a iniciativa mantém um canal para sugestões de checagem e apontamento de correções. “Se o erro for constatado, corrigimos a checagem em nosso site e em todas as plataformas pelas quais ela foi divulgada, explicando a correção de forma clara e transparente. Buscamos garantir a mesma amplitude de divulgação da correção em relação à divulgação da publicação original”, explica a diretora da Jornalismo Júnior.

Segundo Castro, as checagens do projeto são todas feitas com dados públicos, disponíveis ao alcance de toda a população, seja em portais de transparência, seja via Lei de Acesso à Informação. Para Nunes, é aí que se encontra a grande dificuldade que o São Paulo Sem Migué vem enfrentando. “Nos últimos anos, a Prefeitura de São Paulo tem feito um esforço importante de aumento da transparência, porém ainda há muito o que fazer. Muitos dados só podem ser acessados via pedidos pela Lei de Acesso à Informação e na atual gestão estamos vendo alguns problemas nas respostas a esses pedidos”, explica a jornalista.

Para ela, o projeto é também uma maneira de contribuir para a melhoria do acesso à informação. “Nós entendemos que o aumento da transparência do poder público é um processo e acreditamos que iniciativas como o São Paulo Sem Migué contribuem para acelerar esse movimento”, diz Nunes.

O projeto da Jornalismo Júnior e do CAPOL-UFABC se soma a outras iniciativas de fact-checking recentes no Brasil, como as agências Lupa e Aos Fatos, além do Truco, da Agência Pública. Além delas, no final de junho, o Congresso da Abraji foi palco do lançamento do Projeto Comprova. Coalizão de 24 veículos, com a coordenação da Abraji, o Comprova combaterá a desinformação até o fim da eleição presidencial brasileira.

Para Ana Carolina Nunes, todas as iniciativas coincidem no “esforço do aumento da responsabilização dos políticos”, mas o São Paulo Sem Migué se diferencia das demais agências em alguns pontos, que incluem o foco em uma esfera de governo específica e a formação como um dos principais objetivos. “Nosso projeto é mais voltado para o interesse público, sem o objetivo de disputar espaço no mercado”, diz Nunes. 

Segundo ela, outro grande diferencial é a troca de conhecimentos entre “profissionais que conhecem profundamente o funcionamento da gestão pública municipal” e os jovens checadores, qualificando a checagem. “Essa dimensão de integração entre dois campos de conhecimento nos parece ser inédita”, aponta a coordenadora do São Paulo Sem Migué.

Assinatura Abraji