Repórteres Sem Fronteiras: 546 jornalistas presos pelo mundo e 1 no Brasil
  • 19.01
  • 2024
  • 17:14
  • Isadora Ferreira

Liberdade de expressão

Repórteres Sem Fronteiras: 546 jornalistas presos pelo mundo e 1 no Brasil

Em um cenário global desafiador, o Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa, elaborado pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF), revela que, ao encerrar 2023, 547 jornalistas encontravam-se detidos em diversas partes do mundo. 

O Brasil, posicionado em 92º lugar entre os 180 países analisados, com a prisão de um blogueiro paulista, demonstra uma realidade mais complexa, caracterizada pelos indicadores como "problemática", na cor laranja claro do relatório (são cinco graus de gravidade e o Brasil se encaixa no terceiro).  A prisão por motivo do exercício do trabalho registrada pela RSF no Brasil é a de Paulo Cezar de Andrade Prado, do Blog do Paulinho, especializado em esportes.

Em entrevista a Abraji, Artur Romeu, diretor do escritório da Repórteres Sem Fronteiras para a América Latina, explica: "O Brasil enfrenta desafios estruturais e históricos para consolidar um ambiente mais favorável ao exercício de um jornalismo livre e plural."

O relatório emprega uma escala de zero a cem, considerando cinco indicadores: contexto político, estrutura legal, contexto econômico, contexto sociocultural e segurança. No contexto brasileiro, destaca-se como principal obstáculo a instabilidade política. Durante o período compreendido entre 2019 e 2022, sob a administração do governo Bolsonaro, a imprensa nacional deparou com desafios consideráveis, conforme enfatizado pelo índice. O levantamento não apenas apresenta números significativos, mas também destaca o complexo panorama enfrentado pelos jornalistas no país.

Ao abordar as políticas públicas em vigor para lidar com a violência, Artur Romeu explica: “Nos últimos anos, a dinâmica da desinformação associada à violência nas redes e as questões de regulação das plataformas têm gerado efeitos disruptivos. O governo atual tem tentado responder a esses desafios, mas de forma pouco convergente. Poderia haver uma abordagem mais estruturada e convergente, a partir da ampliação de políticas públicas para garantir o pluralismo e a liberdade de imprensa no país, ao invés de pequenas iniciativas isoladas para dar conta de um cenário ainda problemático.”

A ocorrência de eventos que dificultam a atuação dos jornalistas, seja por perseguições judiciais, detenções, prisões, ou pela impunidade diante dos crimes cometidos contra esses profissionais, é uma realidade presente. Quando jornalistas são privados de sua liberdade, a capacidade de informar é comprometida. Para Artur Romeu, a violência se manifesta em ameaças, intimidações, agressões físicas e assassinatos contra jornalistas, comunicadores locais e radialistas do interior do país: “Ao cobrirem temas como corrupção, política local, interesses políticos locais, direitos humanos, violações e crimes ambientais, esses profissionais tornam-se alvos de grupos políticos, econômicos, empresários e outras estruturas de poder paralelo, como o crime organizado, que tentam silenciá-los”, afirma.

Desafios à liberdade de imprensa no Brasil: o caso de Schirlei Alves

Em 27 de setembro de 2023, a jornalista Schirlei Alves foi condenada em primeira instância, sendo sentenciada a um ano de prisão em regime aberto e ao pagamento de uma multa no valor de R$ 400 mil. A decisão judicial foi desencadeada após a publicação de uma reportagem crítica às arbitrariedades no sistema judiciário pelo The Intercept Brasil e assinada por Schirlei. Na referida matéria, foram destacadas violações à integridade da vítima Mariana Ferrer durante o seu julgamento. 

Este episódio expôs Schirlei a uma perseguição judicial, assim como a ataques nas mídias digitais, uma prática crescente contra jornalistas e comunicadores no cenário nacional. Como está sub judice, esse caso não integra o relatório de prisões da RSF, mas demonstra a gravidade do avanço do assédio judicial e da violência de gênero contra jornalistas no país. A Abraji monitora os casos de assédio judicial (neste link, o mais recente relatório). 

De acordo com o levantamento Violência de Gênero contra Jornalistas, conduzido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) em colaboração com a rede Voces del Sur, até novembro de 2023, foram registrados 71 ataques com foco em questões de gênero. Dentro desse cenário, 46.3% desses ataques caracterizaram-se por discursos estigmatizantes, cujo objetivo era difamar e constranger as vítimas. Dos episódios registrados, 16.1% foram atribuídos a autoridades e figuras proeminentes, e 36.6% dos ataques estavam associados à cobertura política.

Esses dados não apenas quantificam a amplitude dos ataques, mas também lançam luz sobre a diversidade de contextos nos quais eles ocorrem. Além disso, destacam o papel significativo desempenhado por autoridades públicas que endossam ou se omitem ante tais discursos, agravando a complexidade do desafio enfrentado pelos jornalistas.

Como desdobramento da cobertura jornalística realizada por Schirlei durante a batalha judicial, a Lei 14.245 foi sancionada em novembro de 2021. Essa legislação estabelece punições para agentes que revitimizam vítimas de violência sexual e testemunhas durante processos judiciais. A condenação da jornalista, inserida nesse contexto, destaca a importância da defesa pela liberdade de imprensa e pelo direito de denunciar questões sensíveis. O caso permanece sujeito a revisão mediante recurso.

Cenário mundial: as principais prisões de jornalistas

No panorama global, 48,5% dos casos registrados até o final de 2023 concentram-se nos países: China, com 121 jornalistas detidos, Birmânia, 69, Bielorrúsia, 39, e Vietnã, 36. Dentre os casos mais emblemáticos, está o do fotojornalista Sai Zaw Thaike, preso na Birmânia. 

O fotojornalista foi condenado a uma pena de 20 anos de prisão sob acusação de desinformação. Países como Turquia, Irã, Rússia e Afeganistão também estão entre os analisados, revelando uma realidade de insegurança, onde a prisão de jornalistas é utilizada como método de repressão à liberdade de imprensa. 

A pesquisa da RSF identificou práticas comuns em países destacados pelos índices negativos. Tanto no Afeganistão quanto na Rússia, a espionagem é uma acusação recorrente, revelando a visão de que a atuação da imprensa representa uma ameaça à segurança nacional. 

No Vietnã, foram registradas detenções sob a justificativa de propaganda anti-Estado. Em Israel, jornalistas são detidos por razões de segurança, por vezes sem formalização de acusações específicas. No Irã, justificativas como propaganda anti-Estado, conluio contra a segurança do Estado e colaboração com país hostil embasam prisões, como no caso das repórteres Elaheh Mohammadi e Niloofar Hamedi, que cobriram a morte da estudante Mahsa Amani, quando estava sob custódia da "morality police".

Em um cenário global desafiador para a liberdade de imprensa, eventos recentes, como o caso envolvendo a jornalista Schirlei Alves no Brasil, bem como as prisões de jornalistas em diversas regiões do mundo, conforme evidenciado pela RSF, sublinham a necessidade de salvaguardar a liberdade de imprensa como um direito fundamental.


Crédito da imagem: Ehsan Habashi/Unsplash

Crédito dos gráficos: RSF
 

Assinatura Abraji