- 16.03
- 2021
- 18:58
- Abraji
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Repórteres são alvos de novos ataques em Goiás e na Bahia
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo recebeu denúncias de novos ataques contra profissionais de imprensa nos últimos dias. Além das agressões físicas sofridas por um repórter fotográfico do jornal Estado de Minas, a Abraji registrou relatos de hostilidade e violência em Goiás e na Bahia.
A fotojornalista do jornal Correio, Paula Fróes, que tem 12 anos de profissão, foi alvo de ofensas durante um protesto de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, na manhã de domingo (14.mar.2021), em frente a um quartel de Salvador. Fróes fotografava o fim da mobilização “Passeata pela Liberdade, com Deus e pela Família”, quando foi cercada por militantes.
Por ter sido escalada para cobrir dois protestos simultâneos no mesmo dia, incluindo uma outra carreata pró-Bolsonaro, a repórter chegou ao local já no fim do evento. E começou a receber ataques machistas e misóginos:
"Agora que você chega, é? Pra dizer que teve pouca gente. Você não tem vergonha na cara. Palhaça! Vocês são bandidos, vagabundos! A imprensa é que nem um cachorro, sempre atrás de comida. Fale seu nome! Vagabunda! Chamei mesmo, de vagabunda, é vagabunda mesmo, a serviço de bandido. Venha cá, comunista!"
A jornalista reagiu aos questionamentos em relação a sua presença no local, com a justificativa de que apenas fazia o seu trabalho, o que elevou o tom das provocações. Em depoimento ao jornal baiano, a fotógrafa conta como se sentiu:
"Comecei a fotografar um grupo pequeno de pessoas que estavam pedindo intervenção militar. Logo depois fui abordada por um dos manifestantes, já me chamando de vagabunda gratuitamente. Quando vi, estava cercada. A maioria das pessoas estava sem máscara. Prontamente peguei o celular e comecei a gravar. Me senti bastante acuada. Falei que não estava agredindo ninguém, que só estava trabalhando e saí. Dois manifestantes vieram e me pediram desculpas, dizendo que o ‘movimento’ não era isso".
Jairo Costa Júnior, editor de política do Correio, declarou à Abraji que o jornal tem como política prestar apoio jurídico e administrativo a seus repórteres. E que, devido à pandemia, as equipes foram reduzidas para evitar contaminação.
“Decidimos tornar a agressão pública, porque não é a primeira vez, nem será a última, que movimentos claramente antidemocráticos agridem e ameaçam jornalistas no exercício da função. Isso é inadimissível”.
Ontem (15.mar.2021), em Belo Horizonte, outro fotógrafo foi tachado de comunista, ao ser sitiado por manifestantes que repudiavam as medidas de distanciamento para conter a pandemia. Ciente do clima hostil no local, o repórter mostrou seu crachá de identificação à liderança do movimento. Ainda assim, foi cercado e agredido, mas sem ferimentos graves.
Durante o cerco, o fotógrafo lembrou aos manifestantes a necessidade de manter distância para evitar uma possível contaminação pelo coronavírus. Em vão. Os ataques persistiram. O funcionário do jornal mineiro continuou sendo ameaçado e permaneceu no local até a chegada da PM, quando os militantes se dispersaram com receio de serem identificados. Depois, o fotojornalista registrou um Boletim de Ocorrência e recebeu apoio de entidades de classe, como o Sindicato dos Jornalistas de MG e da Abraji.
O caso de Goiás
Ainda na segunda-feira (15.mar.2021), uma equipe da TV Serra Dourada, afiliada do SBT em Goiás, foi abordada por um homem que tentou impedir uma transmissão ao vivo durante manifestação na rodovia BR 153, em Goiânia. Empresários protestavam contra o fechamento do comércio, decisão anunciada pelo governo de Goiás para combater o agravamento da covid-19.
Neste vídeo, é possível ver o momento em que o agressor com a bandeira do Brasil na mão tenta impedir que a equipe da emissora reporte a mobilização. A TV Serra Dourada divulgou nota de repúdio contra a abordagem violenta.
O repórter Maycon Leão contou à Abraji que, por volta de 12h40, foi surpreendido com a presença do homem, que tentou tomar seu celular e a câmera do cinegrafista.
“Conseguimos contornar na base do diálogo, mas ficamos com medo, porque o pessoal foi nos cercando, gritando e incentivando para nos intimidar. O que mais me deixa preocupado é que estávamos focados na questão do trânsito bloqueado. Em momento algum criticamos o movimento”, afirmou Leão.
O jornalista lembrou ao apoiador do presidente Jair Bolsonaro que o próprio governo federal, em março de 2020, definiu o jornalismo como atividade essencial durante a pandemia. "Não justifica o senhor me agredir. Estamos levando informação para a população, é um serviço essencial”, argumentou.
Há relatos não confirmados pela Abraji de que profissionais de outros veículos tiveram que ser escoltados pela polícia para evitar agressões de manifestantes no mesmo protesto.
Discursos estigmatizantes
Letícia Kleim, assessora jurídica da Abraji, explica que impedir um jornalista de registrar imagens em vias públicas é inconstitucional, fere o direito à informação previsto no artigo 5º incisos IV, VIII e IX da Constituição Federal, especialmente quando se trata de fato de interesse público. Sitiar e agredir um repórter no exercício de sua profissão pode configurar infração penal por prática de vias de fato (art. 21 da Lei de Contravenções Penais), ou até crime de lesão corporal, como previsto pelo artigo 129 do Código Penal.
Para o presidente da Abraji, Marcelo Träsel, enquanto o presidente da República não condenar ataques como esses e seguir hostilizando a imprensa, a democracia brasileira estará sob ameaça. Levantamentos feitos por várias organizações de defesa da liberdade de imprensa mostram que discursos estigmatizantes de Jair Bolsonaro e seus filhos legitimam teorias conspiratórias que desembocam em agressões a profissionais, tanto físicas, como no meio digital.
Foto de capa: reprodução do momento que um manifestante tenta impedir o trabalho da TV Serra Dourada, afiliada do SBT em Goiânia