Repórter do Pantanal dá dicas sobre cobertura de incêndios
  • 06.01
  • 2021
  • 12:34
  • Abraji

Formação

Repórter do Pantanal dá dicas sobre cobertura de incêndios

Eu moro em Mato Grosso do Sul desde 1998, sempre fazendo as coberturas no Pantanal. Os incêndios na estação seca acontecem, mas jamais como no ano passado.

Os incêndios no Pantanal começaram a se agravar em 2019. Mas, em 2020, a dimensão e intensidade foram as maiores dos últimos 50 anos. 30% do bioma queimaram. 

Foram praticamente 10 meses de cobertura de incêndios no Pantanal. Imagine uma área maior que o estado do Rio de Janeiro em chamas. Era esse o desafio de todos, tanto para quem tentava apagar os incêndios quanto para gente que estava cobrindo essa tragédia ambiental. 

O primeiro cuidado que eu sempre tive foi a apuração prévia.

Como as distâncias são imensas, eu recebia a informação sobre um foco de incêndio e logo ligava para as minhas fontes que atuavam em pesquisas na região, pousadas e guias, para fazendeiros que tinham terras próximas e também para as autoridades do Prevfogo do Ibama e dos Bombeiros para saber as coordenadas de onde estava queimando.

Além disso, eu uso muito as ferramentas disponíveis de mapeamento via satélite, tanto acompanhando os satélites da Nasa, quanto do Inpe e do Lasa, o Laboratório de análises da UFRJ. 

Um dica importante: nunca cobrir incêndios sem antes verificar como estão os acessos aos focos. Muitas pontes estavam queimadas, estradas interrompidas e os riscos de se perder no meio do fogo são grandes. A decisão de ir a campo acompanhar os trabalhos de combate sempre deve ser  tomada com base na segurança. 

Escolhíamos ficar hospedados nas bases das equipes de combate ou nas pousadas que estavam auxiliando no combate. Geralmente eram sedes de fazendas ou então de Ongs e Institutos de pesquisas. Algumas pousadas também se transformaram em QGs no combate. Dessa forma, estávamos ali ao lado das equipes que tomavam as decisões e traçavam as estratégias. Só saíamos para gravar nas áreas de fogo com essas equipes. 

Outra orientação importante: nunca viajar sozinho. As chamas invadem estradas e rios.

Essa é a primeira medida de cuidado: estar sempre acompanhado com Bombeiros e Brigadistas porque eles sabem até onde podemos chegar sem correr o risco de sermos cercados pelas chamas.  

No Pantanal, a biomassa seca queima como rastilho de pólvora. Em questão de segundos o fogo se espalha e nem de carro ou a pé temos tempo de correr. Além das labaredas serem muito altas, a intensidade do calor é imensa e o vento empurra esse fogo em linha, criando linhas de quilômetros de chamas, ou então em bolsões, com redemoinhos de cinzas e brasas. Tem ainda o fogo subterrâneo, de turfa, onde as raízes incandescentes ardem e rebrotam o fogo metros adiante. 

Não se enganem. Uma chama pequena aparentemente inofensiva que surge no solo ou apenas a fumaça já sinalizam perigo. 

Porque se você caminha sobre esse solo de turfa e afunda nessa matéria orgânica, você queima os pés e as pernas. E se você tenta se proteger sobre árvores, tudo está tão seco que as fagulhas que são levadas pelo vento iniciavam incêndios da copa para o tronco e te pegava desprevenido. Por isso, estar com os especialistas é fundamental. Ainda assim, passamos situações arriscadas e de perigo.  

Em 2019, no combate aos incêndios no Pantanal na região de Miranda, estávamos com os brigadistas do Prevfogo num alagado. O chão era de água, mas a vegetação seca sobre o banhado estava em chamas. A mata em volta também. O fogo estava contido e de repente ouvimos o estalar das folhas e a fumaça subiu tão rápido que nós corremos para o meio do alagado e os brigadistas chamaram o avião pelo rádio. Só depois que o avião lançou água sobre o chão em chamas e a mata em chamas é que foi seguro sair de onde estávamos. 

Em 2020, uma situação inusitada também nos surpreendeu. Estávamos no rio Paraguai gravando um pequeno foco nas margens do rio. Paramos o barco sobre um banco de areia. De repente, em questão de minutos vimos que as labaredas estavam aumentando e ficando altas. O vento mudou de direção e veio pra cima da gente. Corremos para o barco e tentamos voltar para a base. Mas fomos engolidos por uma imensa nuvem de poeira, fumaça e fuligem. Ficamos desnorteados por quatro horas, sem enxergar nada porque o dia virou noite. Graças à destreza do piloto do barco, conseguimos chegar em segurança na base navegando a noite pelo rio. 

A roupa que eu uso é importante. Usar calça comprida de tecido grosso, com resistência ao calor. Máscara e óculos são essenciais quando estamos navegando em rios encobertos por fumaça. Já fui surpreendida por nuvens de fuligem e estava sem óculos, foi muito difícil, porque os meus olhos ressecaram e tive um tipo de conjuntivite. Além disso, o risco de ferir os olhos por causa de faíscas, insetos e galhos é bem grande.

É fundamental evitar inalar muita fumaça, por isso use sempre bandana no pescoço que permite  rapidamente cobrir nariz e boca, em casos de você ser coberto pela fumaça.

Durante a pandemia, eu molhava a máscara para ajudar a reter a fumaça. Sempre levo soro fisiológico na mochila e lavo muitas vezes as narinas e os olhos durante o trabalho de campo. Quando o soro acaba lavo com água mesmo.

Outro ponto  importante: a hidratação é fundamental, mas nunca com líquidos muito gelados para evitar choques térmicos. Estamos expostos ao calor intenso, então leve sempre dois litros de água na mochila ou repositores de sais minerais frescos, mas não gelados. Uma tática pessoal minha: levo sempre laranja descascada em gomos para hidratar e ajudar a não deixar a garganta arder quando estamos no meio do combate ao fogo.  

As camisas que eu uso na cobertura variam. Em 2020, o calor passava dos 45 graus com sensação térmica de 50. Estávamos à beira da desidratação a cada cobertura, então eu usava camisas leves e de manga curta, mas o ideal é usar camisa de manga comprida para proteger do sol. Filtro solar, sempre e em grande quantidade. Eu uso filtros líquidos que podem ser borrifados no rosto, porque com a fuligem no ar e a areia que sobe é impossível aplicar qualquer tipo de creme.

A alimentação sempre foi de frutas e muito leve porque a gente caminha muito sob o sol no meio do calor e não tem como aguentar se a alimentação for rica em gordura. Somente no jantar e café da manhã que comíamos refeições reforçadas para aguentar o esforço.  

Recomendo usar botina de cano alto de couro com sola resistentes, parecida com a dos brigadistas. Durante os incêndios florestais os animais ficam desesperados e fogem. Não raro você se depara com eles, e pisar numa cobra venenosa no meio do caminho pode acontecer. Na mochila levo sempre primeiros socorros e não pode faltar soro, anti-histamínico, pomada de queimadura, curativos, desinfetantes. Porque se você está no meio do campo, a duas, três horas da base de apoio e se machuca, precisa cuidar imediatamente para não se colocar em risco e nem aos seus companheiros que terão de cuidar das suas feridas.

Se você não passa bem ao voar de avião e helicóptero, tem de ter um remédio de enjoo, porque nunca sabemos quando precisaremos de transporte aéreo seja para nos resgatar de uma situação de perigo ou nos levar a um local onde carro nem barco chegue. E nada mais desagradável do que um jornalista passando mal tendo de ser cuidado por bombeiros e brigadistas que deveriam estar apagando fogo.   

Além de acompanhar os brigadistas e bombeiros, é preciso acatar as ordens de comando chefe da brigada. Se alguém te falar “sai agora”, é para deixar o local imediatamente, porque o fogo muda de comportamento rápido e minutos podem ser cruciais para fazer seu trabalho com cuidado, sem sair ferido, evitando o perigo desnecessariamente.  

foto: reprodução TV Globo

 

 
 

Assinatura Abraji