• 05.11
  • 2012
  • 13:28
  • Karin Salomao

Reportagem sobre trajetória de ex-internos recebe prêmio internacional

Histórias de superação e amor materno chamaram a atenção dos repórteres Adriana Irion e José Luís Costa, ao buscar o paradeiro de ex-internos da Fase (antiga Febem, em Rio Grande do Sul). Apesar do altíssimo índice de reincidência em crimes ou passagens por delegacias, os repórteres encontraram depoimentos emocionantes. A reportagem “Meninos Condenados”, do Zero Hora, ficou em segundo lugar no Prêmio Latino-americano de Jornalismo Investigativo, concedido pelo Instituto Imprensa e Sociedade (IPYS, na sigla em espanhol) e Transparência Internacional.

No dia 1° de janeiro de 2002, havia 162 internos na Comunidade Socioeducativa (CSE). A Comunidade tem o perfil mais complexo da Fase, pois reúne principalmente os autores dos atos infracionais mais graves e que são mais velhos — de 18 a 21 anos. Depois que saíram da fundação, os 162 adolescentes seguiram caminhos diferentes, mas com um ponto em comum: dez anos depois, dos 114 ex-internos vivos, 127 tiveram mais de uma internação ou passagens tumultuadas por agressões a outros internos ou a monitores. 55 estão atualmente presos. 

Apenas dois não voltaram a ter seus nomes registrados em ocorrências policiais ou em processos criminais. Um deles é Rafael. Hoje, é casado e pai de Rafaela. Segundo a reportagem, o que o levou a assaltar e, consequentemente, a ser preso, foi dificuldade financeira: “Faltava dinheiro para sair, comprar roupa. Tu vais conhecendo pessoas, o dinheiro vem fácil. Agora, vivo do serviço para casa e para cuidar da família”, diz. 

Natanael também se manteve longe da vida que levava. Ele foi preso aos 14, quando matou um comerciante em uma tentativa de roubo, depois de uma série de assaltos, prisões, fugas e novas prisões. “Lembro-me de ter pego a extensa ficha policial dele para ler numa tarde chuvosa de inverno. Levei uma tarde inteira para fazer uma primeira leitura”, diz Adriana, “meu pensamento ao final daquela tarde foi: só pode estar preso ou morto”. “Quando encontrei, tive uma enorme e feliz surpresa. Descobri um menino arrependido, mudado, trabalhador, convertido a uma igreja, casado e com filho recém-nascido. Um ex-infrator de fala forte, que relembrava tudo pelo que passou sem meias palavras”, completa ela. “As conversas sempre eram uma lição.”

Apesar desses dois casos de esperança, o índice de reincidência em crimes ou passagens por delegacias é altíssimo. “Não imaginava que o índice de reincidência seria tão alto. (...) Foi uma surpresa muito triste, não acreditava”, diz Costa. O número de mortos – 48 – também surpreendeu os repórteres. A maioria dos mortos foi executada a tiros antes de completar 25 anos, vítimas de vinganças ou de cobranças ligadas ao tráfico.

 

Busca

Foi preciso um esforço enorme para encontrar todos os meninos, já adultos, que passaram pela Fase em 2002. Para encontrar o endereço das famílias, o ponto de partida foram as listas de endereços fornecidas pela Fase. Depois, fizeram um levantamento junto ao Poder Judiciário e com banco de dados da Polícia e da Superintendência dos serviços Penitenciários.

Muitas famílias se mudaram diversas vezes e algumas das casas não tinham número e nem as ruas, nome. Para encontrar os familiares repórteres tomaram chuva, andaram na lama e por becos sem saída. “Visitamos alguns locais muito miseráveis e regiões marcadas pela violência. Teve caso de precisarmos chegar a locais em que nem a polícia entrava”, diz  Adriana. “As famílias são muito humildes, pobres, desregradas e sem estrutura”, diz Costa. Algumas vezes, foram a mais de dez endereços para encontrar a história.

“Procuramos jamais tratar os meninos como ´bandidos´. A ideia, ao procurar as famílias, era justamente a possibilidade de dar aos meninos outro rosto, um lado da história que não fosse só a história policial”, diz Adriana.

 

Amor de mãe

As fontes mais próximas dos personagens eram as mães. Ao entrar em contato com elas, os repórteres conheceram também o seu sofrimento. “Lembro ter passado algumas tardes chorando ao ouvir as mães. É muito difícil chegar nessas pessoas. É preciso ter delicadeza e muito, muito respeito com as histórias”, diz Adriana.

Nos casos em que o filho já morrera, o contato era ainda mais delicado. Segundo Costa, apesar do sofrimento, as mães pareciam resignadas com a situação, porque a morte de um filho era um exemplo para os outros, para tentar impedir que enveredassem pelo mesmo caminho do crime.

Uma das histórias mais marcantes, para Costa, foi a da mãe de Tiago Rodrigo Ferreira dos Santos, Vera Lúcia Mareth. Ela soube que o filho estava prestes a ser executado e irrompeu o matagal perto de casa e se jogou na frente do homem que apontava um revólver para o filho mais velho. O bandido derrubou Vera a coronhadas, socos e pontapés e atirou na cabeça de Tiago. Como Vera estava caída ao lado, o sangue do filho lavou o rosto da mãe. Costa conta que o que chamou sua atenção foi que a mãe tentou ao máximo evitar o fim do filho. 

 

Persistência para publicar

A pauta foi pensada em 2003, para publicação quatro anos depois, contando a trajetória dos ex-internos desde janeiro de 2002.  Porém, não foi possível publicá-la no período e a reportagem foi postergada por mais cinco anos. Entre 2003 e 2007, os jornalistas fizeram vários pedidos de dados à Fase e à Secretaria de Segurança e foram a campo nos anos seguintes.

Durante esse período, Adriana teve dois filhos e, em alguns momentos, teve que parar o trabalho por conta da gravidez. Finalmente, a reportagem foi publicada. Para Adriana, "Meninos Condenados" foi a pauta mais complexa que fez em seus 20 anos como repórter do Zero Hora. A série também trouxe a José Luís o aprendizado de persistência. Foi preciso insistir e persistir muito na apuração, pois era um trabalho muito longo e árduo. 

 

Assinatura Abraji