Relatório internacional sobre assassinato de Pedro Palma teve apoio da Abraji
  • 13.04
  • 2023
  • 15:00
  • Abraji

Liberdade de expressão

Relatório internacional sobre assassinato de Pedro Palma teve apoio da Abraji

Nove anos depois do assassinato do jornalista Pedro Palma, em Miguel Pereira (RJ), ninguém está preso ou foi acusado do crime. A investigação, que segue em aberto e sob sigilo, é criticada agora por um relatório da iniciativa internacional A Safer World For The Truth, divulgado nesta quinta-feira, 13.abr.2023, no Brasil e no exterior.

Os autores do relatório, Jos Midas Bartman, Jules Swinkels, Evelien Wijkstra e Jasmijn de Zeeuw, contaram com a colaboração no Brasil do advogado Diogo Flora e da Abraji, por meio de Cristina Zahar, secretária executiva, e dos jornalistas Angelina Nunes e Paulo Oliveira. O documento pode ser lido, na íntegra, aqui.

Pedro Palma foi morto com três tiros em frente a sua casa em Miguel Pereira, em 13.fev.2014. Ele trabalhava como editor-chefe do semanário local Panorama Regional, que noticiava casos de corrupção na prefeitura de Miguel Pereira. O relatório mostra que seu assassinato está ligado a suas atividades profissionais e aponta que houve demora em apresentar os resultados da investigação policial. O documento chama atenção para a falta de transparência do processo e conclui que não houve uma investigação justa e eficiente.

A Safer World For The Truth é uma iniciativa da Free Press Unlimited, do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e da RSF (Repórteres sem Fronteiras) que investiga, documenta e busca justiça para jornalistas assassinados. Ao relatar a investigação de casos como o de Palma, divulgando suas conclusões aos meios de comunicação, à sociedade civil e às autoridades locais, pretende-se convencer as instituições a concluir a apuração.

Foto: reprodução da capa do relatório sobre a morte de Pedro Palma/ASWFTT.

O relatório mostra que a investigação do assassinato de Pedro Palma foi transferida várias vezes entre diferentes delegacias e instâncias da polícia e acabou no 10º Cartório Notarial da Polícia (DEAC), em 2022. Durante os últimos nove anos, informações sobre o caso foram mantidas em sigilo. O documento critica a divisão de homicídios, que “tem negligenciado repetidamente os pedidos de investigação do Ministério Público. Além disso, duas testemunhas oculares só foram ouvidas um mês após o assassinato”.

Outra conclusão é de que foram perdidos dados cruciais de telefones celulares, que poderiam ter fornecido mais pistas. Um agente da polícia da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense declarou que não conseguiu encontrar os dados enviados pelas operadoras telefônicas e que os policiais que foram autorizados pelo juiz a trabalhar com os dados em 2017 já não trabalham na corporação.

Segundo o relatório, o episódio demonstra como os atrasos na investigação prejudicaram a possibilidade de analisar provas cruciais. Uma das constatações é a falta de transparência. Patrícia Palma, viúva de Pedro Palma, não era regularmente informada e só conseguiu ter acesso à investigação quase nove anos após o assassinato.

Para os autores, uma maior transparência teria permitido aos advogados de Patrícia Palma exercer o direito legal de propor ou introduzir provas adicionais e a indicar testemunhas, evitando que possíveis provas fossem ignoradas. É por isso, diz o relatório, que os assassinos de Pedro Palma ainda não foram identificados e responsabilizados.

Para levar os criminosos à Justiça e evitar a impunidade em novos assassinatos de jornalistas, A Safer World For The Truth apresentou uma série de recomendações ao governador do Rio de Janeiro, ao delegado chefe da Polícia Civil e ao Ministério Público. Por exemplo: criar uma equipe de polícia especializada ad hoc que possa agir pronta e eficazmente no caso de assassinatos de jornalistas; melhorar o acesso à informação sobre investigações criminais para os familiares dos jornalistas assassinados e seus representantes legais, assim como para o público em geral; e intensificar o controle externo da atividade policial.

O relatório fornece uma análise aprofundada da investigação oficial, com o objetivo de abrir novos caminhos para o caso de Palma e para investigações futuras.

"Pedro Palma foi assassinado por denunciar a corrupção local. Com seu assassinato foi negado ao público o acesso às informações e isso é importante em uma democracia. Isso só pode ser reparado pela Justiça. E, para obter justiça, seu caso deve ser imediatamente transferido para uma divisão especializada em homicídios; e a família deve ser regularmente informada sobre a investigação", afirmou Jos Midas Bartman, um dos autores do relatório.  

A viúva do jornalista conseguiu um pouco mais de informação sobre o processo por meio de Diogo Flora, advogado criminalista do escritório Flora, Matheus e Mangabeira e professor de Direito da UERJ. Para ele, o caso de Palma é um exemplo de como as falhas no sistema de justiça criminal podem gerar impunidade:

"Seu caso começou muito bem, mas parece que dependia mais do empenho pessoal das autoridades do que de algo sistemático e sustentável. A investigação começou na delegacia de homicídios, mas depois foi transferida para a delegacia de acervo cartorário, que não possui nenhuma estrutura, nem pessoal para lidar com crimes complexos como esse. Até hoje não foram produzidos os relatórios de inteligência das antenas de telefonia, que poderiam ajudar a identificar quais suspeitos estavam no local no crime quando ele foi assassinado", disse o advogado, lembrando que relatórios desse tipo foram muito usados no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes (2018), o que ajudou a identificar o executor.

Para o advogado, o caso de Pedro Palma mostra a importância de se criar um protocolo de trabalho para a polícia e o Ministério Público nos casos de jornalistas assassinados. "Os casos são sempre muito parecidos, ocorridos em cidades pequenas, com emboscada, executores e mandantes. O que aprendemos em um caso pode ajudar muito os outros", afirmou Flora.


Abraji investigou o caso
A equipe da Abraji foi a campo investigar o caso e durante seis meses conversou com familiares, amigos e políticos de Miguel Pereira. Algumas das pessoas entrevistadas preferiram falar sob anonimato por questões de segurança. Durante a investigação de campo foram analisadas as edições do jornal Panorama Regional.

"Foram vistoriadas 846 páginas, incluindo as colunas que Palma escrevia sob pseudônimo para identificar as eventuais causas de conflitos e a quem o jornalista teria desagradado. Foram avaliadas as publicações dos perfis de Palma no Facebook e do próprio jornal naquela rede. Ele comentava os temas que tratava em seu jornal e fazia outros textos para avisar a seus seguidores sobre o que iria acontecer naquela edição", afirmou o jornalista Paulo Oliveira, que atuou na apuração feita pela Abraji.

O jornalista buscou processos em nome dos suspeitos de fraudes e irregularidades apontados por Palma em seu jornal, encontrando muitas ações judiciais, recursos de segunda instância e operações policiais do Ministério Público geradas a partir desses casos e do assassinato do jornalista.

Para Angelina Nunes, a demora na investigação do assassinato em Miguel Pereira teve um ingrediente cruel. Em fev.2014, as redações estavam focadas na cobertura dos protestos contra a tarifa de ônibus, no Rio de Janeiro, e na morte do repórter cinematográfico Santiago Andrade, atingido por um rojão em 6.fev.2014, soltado por um manifestante. Ele morreu no dia 10.fev.2014. O assassinato de Pedro Palma ocorreu em 13.fev.2014.

"A morte de Pedro Palma ocorreu duas semanas antes do Carnaval. Naquele ano ainda teríamos, a cobertura da Copa do Mundo no Brasil e as eleições. O caso de Pedro Palma foi ignorado pelas autoridades mesmo depois das três operações policiais: Ícaro, em 2015, Cerro, em 2016, e Templum, em 2018, que mobilizaram centenas de policiais e ganharam mais destaque no noticiário. Isso aconteceu apesar de as publicações fazerem referência ao assassinato como um ponto inicial dessas operações", afirma Nunes. 

Para Cristina Zahar, é importante esclarecer à sociedade que cobrar um protocolo das autoridades policiais no tratamento de crimes contra jornalistas não se trata de um pedido especial. "A morte de um jornalista devido a seu trabalho é uma agressão à democracia e ao direito que os brasileiros têm de ser informados. Além disso, prejudica a fiscalização sistemática de órgãos, governos e personalidades de interesse público", conclui.

Assinatura Abraji