- 10.07
- 2020
- 14:30
- Abraji
Liberdade de expressão
Relator da CIDH diz que desinformação é complexa demais para ser combatida com leis
O relator especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), criticou, em webinar realizado em 9.jul.2020, o projeto de lei sobre desinformação que está sendo discutido no Congresso Nacional. Edison Lanza avalia que os direitos à privacidade e à liberdade de expressão não estão contemplados no PL 2630/2020, conhecido como PL das Fake News. Ele também se disse preocupado com tentativas do governo brasileiro de implementar políticas que fragilizam a democracia e sinalizam retrocessos na transparência pública.
Lanza foi entrevistado pelos jornalistas Gilberto Scofield Jr., diretor de Estratégias e Negócios da Lupa, e Cristina Zahar, secretária executiva da Abraji, durante o seminário on-line “Ataques a jornalistas: o direito à informação é um direito humano", que pode ser visto aqui.
O debate começou com Cristina Zahar falando do monitoramento de ataques a jornalistas realizado pela Abraji desde as manifestações de 2013, ainda no governo de Dilma Rousseff, e de como eles se intensificaram desde a eleição de Jair Bolsonaro. Lanza, que é jornalista e advogado, disse que desacreditar a imprensa é uma das táticas de regimes populistas para atacar a democracia.
O relator lembrou que não é nova a estratégia de governos latino-americanos de atacar e estigmatizar a imprensa, como fizeram o ex-presidente peruano Alberto Fujimori nos anos 1990, o chavismo na Venezuela e o ex-presidente equatoriano Rafael Correa. Lanza disse que os extremos populistas se copiam no sentido de minar a mídia, como acontece com os Estados Unidos de Donald Trump.
Para combater isso, Lanza sugere documentar e denunciar os ataque e, se necessário, ativar medidas cautelares. O relator da CIDH avalia que a pandemia de covid-19 "desnudou o fracasso do populismo" em vários países. Na sua análise, a resposta da sociedade contra propostas antidemocráticas tem sido maravilhosa, nos Estados Unidos, no Brasil, na Colômbia.
O uruguaio, no entanto, fez uma autocrítica que vale para jornalistas, acadêmicos e intelectuais que se consideram a vanguarda cultural. “Os populistas conseguiram chegar às pessoas, enquanto nós ainda falamos como advogados e acadêmicos. Há um desafio de fazer uma comunicação mais fluida para que as pessoas nos compreendam”.
Questionado por Gilberto Scofield Jr. se as notas de repúdio são de fato suficientes, Lanza ponderou que as manifestações públicas e instituições internacionais como a CIDH têm limitações, não podem, por exemplo, intervir na soberania dos Estados. Ele lembrou que a CIDH pediu às autoridades brasileiras medidas de proteção para os jornalistas Patricia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, e Glenn Greenwald, do Intercept, ameaçados por realizar seu trabalho e expor informações de interesse público.
Cristina Zahar registrou as tentativas feitas pelo governo federal de mudar a Lei de Acesso à Informação (LAI) e dificultar o acesso de dados sobre a pandemia. Lanza classificou as medidas como muito graves e lembrou que enviou, como representante da CIDH, uma carta pedindo explicações ao governo brasileiro, já que o cerceamento à informação pública é uma restrição não admitida no direito internacional, pelo artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992 e que trata da liberdade de pensamento e expressão.
“Liberdade de expressão não é apenas aquela que o Estado está obrigado a cumprir por causa da Constituição e dos tratados internacionais. Se um Estado se converte em produtor de informação tóxica e falsa, e se o faz de forma deliberada, creio que há uma clara violação dos tratados internacionais. O desafio que temos é buscar legislações mais amigáveis para garantir a liberdade de expressão”, explica.
Erros de projetos contra desinformação
O relator afirmou que as plataformas das redes sociais têm uma dívida com os direitos humanos e que considera positivo questionar modelos de negócio e políticas de anúncio. No entanto, criar um mecanismo penal para combater conteúdos falsos pode ser usado contra opositores, jornalistas, e ativistas. “A desinformação é um fenômeno complexo para se combater apenas com medidas legais”.
Lanza condenou o trecho do PL 2630/2020 que obriga serviços de mensagem a guardar o nome do usuário que mandou uma mesma mensagem a outras pessoas. Na sua avaliação e dos especialistas já ouvidos pela Abraji, adotar medidas de rastreabilidade abre caminho para inspecionar jornalistas e, por alguma razão, incriminá-los, promovendo a autocensura. E complementa: “Ao propor que as plataformas armazenem as mensagens dos usuários por três meses, o projeto enfraquece a criptografia".
Ainda sobre o PL das fake news, Lanza ressaltou que há um equívoco no texto-base aprovado pelo Senado e que ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados, o que prevê sanções aos cidadãos, mas não aos agentes públicos que compartilharem informações falsas.
A Abraji seguirá debatendo os problemas do PL 2630/2020. Na próxima terça-feira, 14.jul.2020, com apoio do InternetLab, promove o webinar “PL das fake news: riscos para a liberdade de imprensa”. Mais detalhes aqui.