• 14.07
  • 2005
  • 12:31
  • MarceloSoares

Refeitório Penaforte Mendes oferece mais do que comida

TATIANE CONCEIÇÃO - REPÓRTER DO FUTURO

Cerca de 70 pessoas esperam por sua refeição, muitas delas com a cabeça baixa. Assistem sem muito entusiasmo à TV. Meia hora depois, acompanham a oração feita pela cozinheira, e tomam sopa rapidamente numa noite fria de abril. Ninguém deixa restos de comida nos pratos. De acordo com Carolina de Jorge de Ávila, coordenadora do Refeitório Penaforte Mendes, o horário noturno reúne as pessoas mais necessitadas. São servidas cerca de 500 refeições por dia gratuitamente, em três ocasiões: café-da-manhã, almoço e jantar.

Carolina Ávila conta que o local era visto apenas como uma “boca de rango” até a contratação de dois educadores. “Hoje os moradores de rua respeitam mais o local, deixando as mesas limpas, limpando os pratos, por meio de pequenas coisas”, conta Carolina. Ela não tinha idéia de como era a situação dos moradores de rua antes de ir trabalhar no refeitório, há quatro anos. “São pessoas que tiveram a vida machucada.” Carolina tem 26 anos, e diz que muitas pessoas falam a ela: “Carol, na sua idade eu não imaginava que fosse parar aqui”.

Hoje, antes do “rango”, são ministradas cerca de dez palestras por mês, principalmente sobre saúde (alcoolismo, drogas, tuberculose) e mercado de trabalho (como se portar em entrevistas, como buscar uma vaga). Há também atendimento psicológico individual e em grupo, grupo de leitura bíblica, e oficinas de confecção de bijuterias e expressão corporal. As atividades são feitas por voluntários, com o apoio dos educadores.

A direção do refeitório encaminha as pessoas que necessitam de atendimento médico para o posto de saúde Armando Darienzo, situado no mesmo bairro do refeitório, Bela Vista. Os funcionários pregam na parede páginas de cadernos de emprego dos jornais, e há parcerias com escolas que oferecem cursos profissionalizantes gratuitos. Além disso, os moradores de rua podem dar o endereço do refeitório para receber correspondências. Foi eleito no dia 28 de abril um comitê com cinco usuários do restaurante que ajudarão na administração do refeitório.

A prefeitura tem colaborado com o projeto dando verba para compra de materiais descartáveis, produtos de limpeza, materiais educativos, entre outros. A prefeitura também paga os salários dos 11 funcionários, que não dão conta do serviço, de acordo com Maria de Lourdes Codato de Oliveira, psicóloga do refeitório.

Para ela, trabalhar no refeitório é difícil, e duro, pois falta respaldo político e econômico. Mas é gratificante. Ela sabe que o desafio de tirar as pessoas da rua é grande. Muitos dos moradores de rua têm transtornos mentais. Ela disse ainda que há pessoas com curso superior e até doutorado, que hoje estão na rua. “Eu acredito no ser humano”.

Alguns moradores de rua freqüentam o local desde que ele abriu. “Estes estão passando de projeto em projeto e dormem na rua ou em albergues. Eles conhecem a assistência social, sabem onde podem comer, dormir, e se acomodam”, afirma Carolina Ávila.

Há também ex-usuários do restaurante que saem da rua, embora a entidade não saiba quantos. Das 2.500 pessoas cadastradas desde 2002, ano de início do cadastro, mais ou menos 1.000 freqüentam o local hoje. Das outras 1.500 não se sabe nada. Poucas voltam ao refeitório para contar como está a sua vida.

Uma exceção é um rapaz branco, com cerca de 25 anos, conhecido como Thiago. Durante a entrevista com a psicóloga Maria de Lourdes, ele apareceu na janela da sala da direção do refeitório perguntando se ela precisava de lixas de unha. Maria ficou contente por vê-lo, mas recusou a oferta, afirmando que tinha comprado lixas poucos dias atrás. Maria de Lourdes disse, após a saída do rapaz: “o Thiago deu muito trabalho, mas hoje ele mora em uma pensão e está se levantando.”

Vitório Zarzirskas quer voltar a trabalhar. Ele já foi motorista de carro e de caminhão, e se orgulha de nunca ter sofrido uma batida. Vitório começou a freqüentar o refeitório há cerca de quatro anos. Conseguiu um emprego, com a ajuda da equipe do Penaforte Mendes, e voltou para casa. Mas o emprego era uma cilada, porque ele não recebia. Com isso, voltou para a rua.

Hoje, ele só tem medo de piorar. “Eu estou desgostoso com o governo Lula. Ele precisa ver primeiro a pobreza daqui, ao invés de ver a pobreza de fora [do país]. No hospital não há remédio. Eu já sofri dois infartos e um derrame, e as minhas receitas estão vencendo. É assim que o brasileiro tem que viver?” No dia em que foi entrevistado, Vitório ligou a dois albergues e não conseguiu vaga, por isso teria que dormir na rua.
Assinatura Abraji