• 08.07
  • 2011
  • 14:01
  • O Globo

Quando o assunto é o não dizer

Publicado no “O Globo Blogs” em 03 de julho de 2011

A palestra do jornalista Gabriel Michi, presidente do Foro de Periodismo Argentino (Fopea), e do jornalista da Folha Gustavo Hennemann, que foi correspondente da Folha de S. Paulo em Buenos Aires no ano passado, abordou um tema até então desconhecido para mim, pelo menos, quanto às proporções: as barreiras que jornalistas argentinos e estrangeiros enfrentam para cobrir a política no país. 

Os "desafios da cobertura política na era Kirchner" enfrentandos pelos profissionais de mídia envolviam na época de Néstor e ainda envolvem, agora no governo de sua esposa Cristina, uma estarrecedora lei do silêncio. Michi descreveu como funcionários do Estado têm medo de ter qualquer contato com a imprensa, a ponto de, em um determinado episódio, um grupo de jornalistas que conversavam com um dos ministros se dispersarem rapidamente diante da chegada da presidente ao local. 

O distanciamento de Néstor Kirchner da imprensa, principalmente do principal grupo de comunicação do país, o Clarín, se aprofundou no mandato de Cristina. Com isso, segundo o presidente do Fopea, passou a haver um constante debate entre os jornalistas argentinos que se resumia, basicamente, a "periodismo profesional" versus "periodismo militante". O resultado são notícias, sobre os mesmos temas, diametralmente diferentes que chegam à população. "As informações dos jornais que apoiam o governo e dos que são contra são muito divergentes", disse Michi. 

Segundo o Fopea, as ameaças aos jornalistas também são constantes no país, apesar de alguns avanços que têm ocorrido, como a descriminalização de delitos por calúnia e injúria. Entre os grupos que mais atacam os jornalistas estão pessoas desconhecidas, funcionários municipais e policiais. Os profissionais mais vulneráveis às ameaças são os de pequenos veículos de comunicação e de cidades do interior. 

E como se não bastasse o Legislativo no ataque à imprensa, o Judiciário também é coparticipante da intolerância da era Kirchner. "Muitos juízes se recusam a dar entrevistas e dizem: ´só falo através de sentenças´, relatou Michi. 

Mais do que a censura declarada, o silêncio, ou silenciamento, do governo prejudica a todos os jornalistas, mas, claro, principalmente à população. Com as eleições na Argentina se aproximando, o quadro se agrava ainda mais, já que a oposição usa em proveito próprio, mais do que de costume, essa péssima relação da mídia com o governo. Para Michi, "os principais partidos de oposição são os meios de comunicação". Resta saber se essa oposição, que enfrenta em seu próprio interior um racha, tem forças suficientes para trazer alguma mudança no próximo pleito.

 

Assinatura Abraji