- 28.07
- 2004
- 10:43
- MarceloSoares
Projeto do governo proíbe divulgação de grampos e uso de câmera oculta
FERNANDO RODRIGUES
DA FOLHA DE S.PAULO
O governo pretende aproveitar o ambiente criado pelo recente caso de espionagem envolvendo empresas de telefonia para apressar o debate e a aprovação de uma lei que punirá com até quatro anos de prisão, mais multa, quem divulgar o conteúdo de grampos telefônicos.
O anteprojeto está no Ministério da Justiça e pode ser enviado ao Congresso quando deputados e senadores voltarem do recesso, no mês que vem. O escopo principal será regulamentar de maneira mais estrita os monitoramentos telefônicos. No mesmo texto, entretanto, o governo pretende restringir a divulgação do conteúdo de conversas gravadas - legal ou ilegalmente.
Hoje, há controvérsia no meio jurídico a respeito da divulgação do conteúdo de um grampo telefônico por um jornal. Esta Folha, por exemplo, considera que a transcrição de uma conversa deve ser divulgada quando há notório interesse público envolvido.
Um exemplo foi o grampo ilegal de telefones na sede do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em 1998, durante o processo de privatização das empresas de telefonia. A Folha teve acesso ao material, gravado em mais de 40 fitas. As informações pessoais foram descartadas, mas o jornal optou por divulgar as conversas entre o então presidente Fernando Henrique Cardoso e seus assessores quando tratavam da venda das estatais. Ao ser indagado se seu nome poderia ser usado na montagem de um dos consórcios, FHC respondeu: "Não tenha dúvida, não tenha dúvida".
O anteprojeto que o governo Lula pretende patrocinar vai além da punição para quem divulga conversas telefônicas gravadas de forma ilegal ou por meio judicial. Se aprovado pelo Congresso, haverá restrição para que sejam gravadas conversas pessoais sem que todos os interlocutores estejam de acordo. Hoje, a lei do país é omissa a respeito deste tema.
Com a nova regra, será punido com até três anos de reclusão, mais multa, quem "divulgar gravação de conversa própria, por telefone ou por outro meio, gravada sem o conhecimento do interlocutor". Ao final da redação, existe um complemento ambíguo: "Salvo para o exercício regular de um direito". Não fica claro no texto qual seria esse "direito".
Pelo que a Folha apurou, a ressalva serviria para alguém se precaver em alguma disputa. Por exemplo, um consumidor que se sinta lesado por um prestador de serviços poderá gravar a conversa para registrar sua negociação e cobrar seus direitos na Justiça.
Não fica claro, entretanto, se um eleitor poderá gravar o que diz um político em um almoço de campanha para depois cobrar o cumprimento de uma promessa. O que fica certamente proibido, ouviu a Folha, são as reportagens em que jornalistas usam câmeras ocultas ou gravadores ocultos.
O pretexto inicial para produzir uma nova lei sobre grampos telefônicos foi regular esse tipo de atividade quando há uma ordem judicial. Hoje, delegados de polícia solicitam o monitoramento aos juízes, que quase sempre autorizam sem saber ao certo a quem pertencem todos os telefones citados no pedido.
Se for aprovada a lei em discussão dentro do governo Lula, o delegado terá de apresentar mais argumentos para convencer o juiz. O magistrado, por sua vez, ficará co-responsável pelo processo.
As empresas telefônicas terão de se adaptar para permitir que o policial e o juiz monitorem remotamente a gravação, que será em meio digital. Haverá senhas de acesso e será possível saber quem teve acesso ao material. Em tese, isso tornará mais difícil o vazamento -e mais fácil a identificação de quem tentar divulgar as conversas gravadas.
REPERCUSSÃO
Projeto divide especialistas e ministros do Supremo
DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O projeto de lei que estabelece punições mais duras para casos de interceptação telefônica dividiu a opinião de especialistas, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente da OAB ouvidos pela Folha. Em geral, todos concordam com a necessidade de um controle maior das gravações clandestinas, mas divergem quanto o assunto atinge o trabalho da imprensa.
Para o advogado constitucionalista e tributarista Ives Gandra Martins, o projeto deveria prever uma distinção. A punição severa, diz o advogado, é bem-vinda para coibir o "festival de gravações clandestinas". No caso de um jornalista que divulgue uma gravação telefônica, cujo teor é considerado de relevância para a sociedade, isso é obrigação da profissão, diz. "E o jornalista tem a garantia de sigilo de fonte. Se a lei também atinge os jornalistas, entendo que a proposta é inconstitucional."
O diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, classificou a medida como "um cerceamento à liberdade de informação".
O presidente em exercício da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, também se posicionou contra. "O governo erra quando pune todo tipo de divulgação [de resultado de escuta], até porque o silêncio pode beneficiar o próprio autor da infração. O limite da divulgação deve ser o que já está previsto na Lei de Imprensa: a condenação de quem utiliza a informação fora dos parâmetros éticos e legais."
Já o presidente Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), José Carlos Cosenzo, defendeu a medida "por garantir à pessoa alvo de um grampo ilegal a preservação de sua imagem".
As divergências sobre o tema também vêm à tona no STF. Para o ministro Carlos Velloso, a tentativa de disciplinar com maior rigor o tema é "razoável". "Se não há uma ameaça de punição severa, há descumprimento da lei."
Outros dois ministros do Supremo falaram em caráter reservado, alegando que, se for aprovada e sancionada, a lei poderá ser contestada no tribunal, e a declaração antecipada deles sobre o assunto os tornaria impedidos de participar do julgamento. Ambos ressaltaram que especulavam, pois desconheciam o texto do projeto.
Para um deles, os jornais hoje cometem excessos na divulgação de conversas grampeadas, porque essa prática não é punida. Se ela for tratada como crime, a banalização hoje existente seria substituída pela cautela, com a publicação apenas de casos excepcionais.
O outro ministro afirmou que a proposta poderá criar uma cultura de repressão, em que o Estado recorreria à ameaça para obter o silêncio. Disse que não tem sentido o governo se valer de seu aparato institucional para manipular leis penais e instituir mecanismos de limitação da liberdade de expressão e de pensamento.
Veja a repercussão causada pelo anteprojeto do governo:
OAB: projeto deve punir quem faz escuta e não quem divulga - Site da OAB - 28.jul.2004
Projeto que pune divulgação de grampos vai ao Congresso em agosto - Folha Online - 28.jul.2004
OAB critica punição de quem divulga grampo telefônico - Folha Online - 29.jul.2004
Governo quer proibir divulgação de teor de escutas - Estadão - 29.jul.2004
Imprensa na mira: Governo quer punir jornalistas que divulgarem grampos - Consultor Jurídico - 29.jul.2004
Thomaz Bastos anuncia ataque do governo contra grampos clandestinos - O Globo - 29.jul.2004
Lula diz que autores de grampos ilegais serão presos - Estadão - 29.jul.2004
Nova mordaça em debate - Observatório da Imprensa - 03.ago.2004
DA FOLHA DE S.PAULO
O governo pretende aproveitar o ambiente criado pelo recente caso de espionagem envolvendo empresas de telefonia para apressar o debate e a aprovação de uma lei que punirá com até quatro anos de prisão, mais multa, quem divulgar o conteúdo de grampos telefônicos.
O anteprojeto está no Ministério da Justiça e pode ser enviado ao Congresso quando deputados e senadores voltarem do recesso, no mês que vem. O escopo principal será regulamentar de maneira mais estrita os monitoramentos telefônicos. No mesmo texto, entretanto, o governo pretende restringir a divulgação do conteúdo de conversas gravadas - legal ou ilegalmente.
Hoje, há controvérsia no meio jurídico a respeito da divulgação do conteúdo de um grampo telefônico por um jornal. Esta Folha, por exemplo, considera que a transcrição de uma conversa deve ser divulgada quando há notório interesse público envolvido.
Um exemplo foi o grampo ilegal de telefones na sede do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em 1998, durante o processo de privatização das empresas de telefonia. A Folha teve acesso ao material, gravado em mais de 40 fitas. As informações pessoais foram descartadas, mas o jornal optou por divulgar as conversas entre o então presidente Fernando Henrique Cardoso e seus assessores quando tratavam da venda das estatais. Ao ser indagado se seu nome poderia ser usado na montagem de um dos consórcios, FHC respondeu: "Não tenha dúvida, não tenha dúvida".
O anteprojeto que o governo Lula pretende patrocinar vai além da punição para quem divulga conversas telefônicas gravadas de forma ilegal ou por meio judicial. Se aprovado pelo Congresso, haverá restrição para que sejam gravadas conversas pessoais sem que todos os interlocutores estejam de acordo. Hoje, a lei do país é omissa a respeito deste tema.
Com a nova regra, será punido com até três anos de reclusão, mais multa, quem "divulgar gravação de conversa própria, por telefone ou por outro meio, gravada sem o conhecimento do interlocutor". Ao final da redação, existe um complemento ambíguo: "Salvo para o exercício regular de um direito". Não fica claro no texto qual seria esse "direito".
Pelo que a Folha apurou, a ressalva serviria para alguém se precaver em alguma disputa. Por exemplo, um consumidor que se sinta lesado por um prestador de serviços poderá gravar a conversa para registrar sua negociação e cobrar seus direitos na Justiça.
Não fica claro, entretanto, se um eleitor poderá gravar o que diz um político em um almoço de campanha para depois cobrar o cumprimento de uma promessa. O que fica certamente proibido, ouviu a Folha, são as reportagens em que jornalistas usam câmeras ocultas ou gravadores ocultos.
O pretexto inicial para produzir uma nova lei sobre grampos telefônicos foi regular esse tipo de atividade quando há uma ordem judicial. Hoje, delegados de polícia solicitam o monitoramento aos juízes, que quase sempre autorizam sem saber ao certo a quem pertencem todos os telefones citados no pedido.
Se for aprovada a lei em discussão dentro do governo Lula, o delegado terá de apresentar mais argumentos para convencer o juiz. O magistrado, por sua vez, ficará co-responsável pelo processo.
As empresas telefônicas terão de se adaptar para permitir que o policial e o juiz monitorem remotamente a gravação, que será em meio digital. Haverá senhas de acesso e será possível saber quem teve acesso ao material. Em tese, isso tornará mais difícil o vazamento -e mais fácil a identificação de quem tentar divulgar as conversas gravadas.
REPERCUSSÃO
Projeto divide especialistas e ministros do Supremo
DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O projeto de lei que estabelece punições mais duras para casos de interceptação telefônica dividiu a opinião de especialistas, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente da OAB ouvidos pela Folha. Em geral, todos concordam com a necessidade de um controle maior das gravações clandestinas, mas divergem quanto o assunto atinge o trabalho da imprensa.
Para o advogado constitucionalista e tributarista Ives Gandra Martins, o projeto deveria prever uma distinção. A punição severa, diz o advogado, é bem-vinda para coibir o "festival de gravações clandestinas". No caso de um jornalista que divulgue uma gravação telefônica, cujo teor é considerado de relevância para a sociedade, isso é obrigação da profissão, diz. "E o jornalista tem a garantia de sigilo de fonte. Se a lei também atinge os jornalistas, entendo que a proposta é inconstitucional."
O diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, classificou a medida como "um cerceamento à liberdade de informação".
O presidente em exercício da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, também se posicionou contra. "O governo erra quando pune todo tipo de divulgação [de resultado de escuta], até porque o silêncio pode beneficiar o próprio autor da infração. O limite da divulgação deve ser o que já está previsto na Lei de Imprensa: a condenação de quem utiliza a informação fora dos parâmetros éticos e legais."
Já o presidente Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), José Carlos Cosenzo, defendeu a medida "por garantir à pessoa alvo de um grampo ilegal a preservação de sua imagem".
As divergências sobre o tema também vêm à tona no STF. Para o ministro Carlos Velloso, a tentativa de disciplinar com maior rigor o tema é "razoável". "Se não há uma ameaça de punição severa, há descumprimento da lei."
Outros dois ministros do Supremo falaram em caráter reservado, alegando que, se for aprovada e sancionada, a lei poderá ser contestada no tribunal, e a declaração antecipada deles sobre o assunto os tornaria impedidos de participar do julgamento. Ambos ressaltaram que especulavam, pois desconheciam o texto do projeto.
Para um deles, os jornais hoje cometem excessos na divulgação de conversas grampeadas, porque essa prática não é punida. Se ela for tratada como crime, a banalização hoje existente seria substituída pela cautela, com a publicação apenas de casos excepcionais.
O outro ministro afirmou que a proposta poderá criar uma cultura de repressão, em que o Estado recorreria à ameaça para obter o silêncio. Disse que não tem sentido o governo se valer de seu aparato institucional para manipular leis penais e instituir mecanismos de limitação da liberdade de expressão e de pensamento.
Veja a repercussão causada pelo anteprojeto do governo:
OAB: projeto deve punir quem faz escuta e não quem divulga - Site da OAB - 28.jul.2004
Projeto que pune divulgação de grampos vai ao Congresso em agosto - Folha Online - 28.jul.2004
OAB critica punição de quem divulga grampo telefônico - Folha Online - 29.jul.2004
Governo quer proibir divulgação de teor de escutas - Estadão - 29.jul.2004
Imprensa na mira: Governo quer punir jornalistas que divulgarem grampos - Consultor Jurídico - 29.jul.2004
Thomaz Bastos anuncia ataque do governo contra grampos clandestinos - O Globo - 29.jul.2004
Lula diz que autores de grampos ilegais serão presos - Estadão - 29.jul.2004
Nova mordaça em debate - Observatório da Imprensa - 03.ago.2004