- 10.07
- 2018
- 09:27
- Carolina de Assis
Liberdade de expressão
Programa Tim Lopes, da Abraji, investiga segundo caso como parte de campanha contra impunidade em assassinatos de jornalistas
Publicado originalmente em 10.jul.2018 no Blog do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas
As pessoas que conheciam o radialista Jairo Sousa ainda estão em choque por sua morte.
Elas dizem que ele era muito combativo e “denunciava licitações suspeitas, superfaturamento em compras em Secretarias [do município]. Ele fazia críticas à atual prefeitura, a alguns vereadores e até empresários”, disse ao Centro Knight Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes de Proteção a Jornalistas, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Nunes é parte da equipe da Abraji que chegou no dia 5 de julho à cidade de Bragança, no Estado do Pará, na região norte do Brasil, para iniciar a segunda investigação do Programa sobre o assassinato de um comunicador.
A investigação policial sobre o assassinato de Sousa também está em andamento, segundo Nunes, sob sigilo. “Os indícios são fortes e apontam a hipótese mais provável de sua morte uma consequência do seu trabalho na rádio”, acrescentou ela.
Sousa foi morto no dia 21 de junho com dois tiros nas costas enquanto chegava à Rádio Pérola FM, onde trabalhava.
Segundo a polícia local afirmou após o assassinato, Sousa foi baleado nas costas por um homem na garupa de uma moto conduzida por outro homem. O motivo e os responsáveis ainda não foram identificados.
Seus familiares disseram ao jornal Online Castanhal que o radialista recebeu ameaças por telefone antes de sua morte. Um colega do radialista disse ao Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) que Sousa, que reportava temas como corrupção, homicídio e tráfico de drogas, às vezes usava colete à prova de balas.
Este é o segundo caso do Programa Tim Lopes de Proteção a Jornalistas desde o lançamento da iniciativa em setembro de 2017 pela Abraji com o objetivo de investigar assassinatos, tentativas de assassinato e sequestros de profissionais da imprensa e dar continuidade às reportagens interrompidas pelos autores dos crimes.
“Estamos na fase de coleta de depoimentos e de material/documentos”, disse Nunes.
Desenvolvimentos do primeiro caso, em Edealina, GO
O assassinato de Jairo Sousa é o segundo caso a ser acompanhado pelo Programa Tim Lopes. O primeiro foi o assassinato do também radialista Jefferson Pureza, morto a tiros dentro de sua casa no dia 17 de janeiro em Edealina, no Estado de Goiás, região centro-oeste do Brasil.
Angelina Nunes e Rafael Oliveira, estagiário da Abraji, estiveram duas vezes em Edealina, município com 3.700 habitantes, para investigar a morte de Pureza. A primeira visita foi realizada em janeiro, duas semanas após o assassinato, e a segunda em abril, após a prisão e indiciamento do vereador José Eduardo Alves da Silva, do Partido da República (PR), e de outros dois homens e três adolescentes suspeitos no assassinato.
Alves da Silva afirmou ao ser preso que havia ordenado o assassinato de Pureza duas vezes, em janeiro e em dezembro de 2017, mas que nas duas ocasiões acabou desistindo do plano. Ele nega ser o mandante do crime perpetrado em janeiro de 2018.
“Nossa missão era chegar ao local e fazer o levantamento de documentos, fontes, imagens, o máximo possível, e fazer uma apuração prévia para identificar se realmente aquela morte tinha ligação com o trabalho dele”, explicou Nunes.
“Fomos entrevistando as pessoas e percebemos que na cidade havia o que no Rio de Janeiro a gente chama de ‘lei do silêncio’. Todo mundo sabe o que aconteceu, quem matou, quem mandou matar, mas ninguém quer falar, ninguém quer se expor, por razões óbvias”, afirmou.
O pano de fundo do assassinato de Pureza, segundo ela, era uma briga entre grupos políticos na cidade. O radialista pertencia a um grupo que se opunha àquele do vereador Alves da Silva e do ex-prefeito João Batista “Boiadeiro”, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Entre as denúncias relativas à administração pública que o profissional fazia em seu programa de rádio, duas eram objeto de inquérito no Ministério Público local e envolviam o ex-prefeito, disse Nunes. As fontes dela forneceram quase 500 páginas de documentos referentes às denúncias feitas por Pureza.
Na segunda visita, a equipe da Abraji teve acesso a outras 400 páginas do inquérito policial. De acordo com Nunes, o inquérito apontou motivação política e “passional” para o assassinato, devido a um suposto relacionamento de Pureza com uma ex-esposa do vereador Alves da Silva, indiciado como mandante do crime.
Nunes afirma, porém, que os indícios que colheu em sua investigação apontam que o radialista foi morto por seu exercício profissional. Ela lembra que um ano antes de seu assassinato Pureza relatou ter recebido ameaças de morte e apontou para o vereador e o ex-prefeito, e que ao longo de 2017 a sede da rádio Beira Rio FM, que transmitia o programa de Pureza, sofreu dois incêndios.
“No último [incêndio], eles perderam os transmissores, então ele fez transmissões pelo Facebook. Eles já estavam recebendo os equipamentos novos e [Pureza] avisava para todo mundo ‘olha, vamos voltar com tudo’, ‘ninguém vai me calar’. As pessoas sabiam que ele estava prestes a voltar com a rádio, já estava tudo acertado para ele voltar no fim de janeiro. Ele foi morto no dia 17. Foi uma morte anunciada”, disse a coordenadora do Programa Tim Lopes.
O julgamento dos suspeitos indiciados está previsto para os próximos meses, e a equipe da Abraji segue acompanhando o caso.
Parceria com meios jornalísticos
Além da investigação de assassinatos de comunicadores, o Programa Tim Lopes prevê a formação de equipes de profissionais de vários meios jornalísticos para apurar denúncias feitas pelos comunicadores antes de morrer. A ideia é que estes profissionais –repórteres, fotógrafos, cinegrafistas– sejam enviados para as cidades dos comunicadores assassinados para produzir reportagens e dar ainda mais divulgação às irregularidades que eles haviam denunciado.
A inspiração é o Projeto Arizona, da organização americana Investigative Reporters and Editors (IRE). Em resposta à explosão de um carro bomba em 1976 que matou o repórter Don Bolles em Phoenix, no Estado do Arizona, os colegas do jornalista viajaram para a cidade para terminar seu trabalho de investigação.
Até o momento, cinco meios fecharam a parceria com o Programa Tim Lopes: Veja, Poder 360, Agência Pública, Ponte e Projeto Colabora. A equipe do Programa está em contato com outros veículos e espera fechar novas parcerias em breve.
“O grande problema é sensibilizar os veículos para que abracem essa causa”, disse Nunes. “É uma causa maior. A gente está falando do exercício da profissão, de liberdade de expressão e de informação. Não se trata do furo, da notícia que você tem que publicar correndo. São investigações que demoram meses”, explicou.
Por essa razão, o Programa Tim Lopes prevê que o “empréstimo” de profissionais dos meios em que trabalham não deve passar de duas semanas, para não atrapalhar a rotina de sua redação de origem. Nesse período, o Programa vai cobrir todas as despesas da atuação do jornalista, bem como garantir seguro de vida e seguro saúde.
O material apurado pelos repórteres será editado pelo Programa Tim Lopes e, uma vez pronto, será publicado no site da iniciativa e disponibilizado para publicação livre em qualquer meio.
“A boa notícia é que os donos dos veículos, editores, diretores, estão começando a ser sensibilizados para isso. Sabemos que é um projeto pioneiro, que precisa amadurecer, mas não podemos esperar que ele fique maduro para colocá-lo na rua. Já estamos correndo atrás e fazendo esse trabalho”, disse Nunes.