- 03.08
- 2011
- 12:04
- Luiz Gustavo Pacete
´Prestes a completar 10 anos, Abraji é um milagre´, diz Fernando Rodrigues
Publicado no Portal Imprensa em 2 de agosto de 2011
O nome do jornalista Fernando Rodrigues se confunde com a trajetória do jornalismo investigativo brasileiro da última década. Mesmo antes de ser um dos fundadores e chegar à presidência da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) - que completa 10 anos em 2012 - Rodrigues lembra que sempre esteve engajado pessoalmente em desenvolver um jornalismo que exerça de fato seu papel social.
Aos 48 anos, o presidente da entidade também repórter e colunista da Folha de S. Paulo em Brasília, blogueiro do UOL, comentarista da Rádio Jovem Pan e iniciou recentemente o projeto "Poder e Política" na TV Folha. Em entrevista ao Portal IMPRENSA, Rodrigues mostra otimismo quanto à situação do jornalismo investigativo no país. "Vejo que o jornalismo prestou e tem prestado um grande serviço para a sociedade brasileira. Ainda que muitos casos revelados não sejam levados adiante ou julgados pela Justiça, a categoria não deve desanimar, pois nosso papel é informar e não prender ou sentenciar", diz.
Na entrevista, Rodrigues também faz um balanço do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo que aconteceu no final de junho, fala sobre a atuação da Abraji no Brasil e comenta o desafio de manter uma entidade somente com a contribuição de seus associados.
Portal IMPRENSA - Qual o balanço que você faz do Congresso de Jornalismo Investigativo que aconteceu em junho?
Fernando Rodrigues - O Congresso chegou à sua sexta edição e mostra o amadurecimento da Abraji. Mesmo sendo uma entidade jovem com quase 10 anos, a Abraji possui o desafio de se manter por meio da associação voluntária de jornalistas e eventuais patrocinadores, que em geral são entidades ligadas ao jornalismo no mundo e no Brasil. Posso dizer que nossa organização é um milagre. Ela se baseia no espírito de colaboração de jornalistas, seres que não são muito gregários. E o congresso deste ano mostra que estamos no caminho certo. Teve um número crescente de participantes, perto de 803 pessoas. Eu acredito que ele serve para que jornalistas tenham contato com colegas de outros países que possam compartilhar experiências e técnicas de trabalho.
IMPRENSA - De que forma você enxerga o cenário do jornalismo investigativo no Brasil, ainda mais em tempos que a profissão vive sob ataque constante?
Rodrigues - Mesmo que muitos profissionais tenham a impressão de que chegam ao mercado desmoralizados e sem estímulo, eu acredito que são os próprios jornalistas que devem reagir para que sua profissão seja respeitada. Apesar deste cenário inicial, eu acredito que o jornalismo investigativo no Brasil é muito bom. E não poderia ser melhor. Pense nos últimos anos depois de 1985. Centenas de reportagens investigativas produzidas pela mídia independente que ajudaram o Brasil a se conhecer, essa é uma das nossas funções. Muitos céticos dizem que tais reportagens não adiantam nada, mas acho essa visão errada. Eu entendo que, embora as reportagens não tenham o papel de fazer com que as pessoas sejam condenadas, não podemos simplesmente sentar no meio fio, chorar e lamentar, pois esse problema é do país e nosso papel é informar.
IMPRENSA - O Wikileaks destacou-se nos últimos meses como uma forma de contribuir para o trabalho da imprensa. Ele é um divisor de águas?
Rodrigues - O Wikileaks é uma forma de organização na divulgação de informação e um tipo de entidade que vai se proliferar no ambiente virtual. Ele se soma a outras iniciativas que já existem e são complementares. Eu não acredito que o Wikileaks seja uma forma de substituir o jornalismo investigativo, mas é uma ferramenta útil que pode colaborar de maneira positiva para que os jornalistas possam ter acesso a informações.
IMPRENSA - O surgimento de agências de jornalismo investigativo no Brasil, como a Publica, por exemplo, revelam uma tendência?
Rodrigues - Eu acho que todas essas iniciativas de fazer jornalismo são ótimas. Mas não representam novidades. Há anos e décadas existem jornalistas da melhor qualidade que tentaram e tentam. Agora a Natália Viana lançou a Pública, vejo a iniciativa como um empreendimento louvável. Mas podemos observar que modelos alternativos sempre existiram. Mesmo antes da internet, tínhamos os jornais alternativos e a imprensa nanica. E agora com as plataformas digitais, tudo acaba facilitado. Eu acredito que é possível conviver com todos esses modelos, um não vai suplantar o outro.
IMPRENSA - O financiamento de reportagens investigativas ainda é um problema para as entidades?
Rodrigues - Hoje, ontem e amanha sempre será. Reportagem custa dinheiro. Muitas vezes um repórter fica dias e meses atrás de um assunto para descobrir que aquele tema não vai valer nenhuma linha de reportagem. Mas, temos que entender que aquele dinheiro não fica perdido. Ainda que seja frustrante do ponto de vista da produção, não é um trabalho jogado fora. Esse problema de financiamento tem sido dramático sempre. Nos dias de hoje, ele fica mais explicito porque estamos em um momento de transição e integração entre mídias tradicionais e digitais, o que faz com que o dinheiro fique mais curto.
IMPRENSA - A Abraji está envolvida com organizações internacionais e projetos que vão além das fronteiras. Qual a imagem do jornalismo brasileiro lá fora?
Rodrigues - Olha, essa imagem é mais positiva do que negativa. Temos episódios lamentáveis de senador tomando gravador da mão do repórter. Mas em geral existe uma percepção de que o Brasil evoluiu muito na área de liberdade de expressão e informação.
IMPRENSA - Você fez uma matéria em 1994, a "Operação Muamba", que revelou atitudes ilegais de Ricardo Teixeira. Qual a sensação depois de tantos anos ver que o objeto daquela reportagem se encontra na direção da CBF e sobre ele continuam a existir denúncias sem nenhuma medida aparente?
Rodrigues - Minha função é de jornalista. Não sou juiz, promotor ou policial. Inclusive, tenho uma implicância como o verbo denunciar. Quem faz denúncia é o promotor, não o jornalista. O Brasil é feito de mais de 190 milhões de pessoas e, se não existem instituições capazes de aplicar penas, não é um problema somente do jornalismo, mas de todos os brasileiros. Mas, também acho que nós não devemos nos martirizar e achar que por conta disso não adianta fazer nada. Cada um deve fazer sua parte. Mas se a Justiça vai agir, fica por conta dela.