- 30.04
- 2021
- 10:30
- Aric Toler
Formação
Precisa verificar um vídeo? Temos um guia avançado
Texto originalmente publicado no site da Global Investigative Journalism Network (GIJN) em 24.jul.2017.
Tanto pesquisadores, quanto jornalistas frequentemente precisam verificar vídeos criados por usuários em redes sociais e plataformas de compartilhamento de conteúdo, tais como YouTube, Twitter e Facebook. Não há, porém, um método infalível, que seja aplicável à verificação de todos os vídeos disponíveis, e é quase impossível checar alguns deles sem ter acesso ao arquivo original.
(Para mais artigos sobre a verificação de vídeos, veja a página GIJN Fact-Checking and Verification resource page).
No entanto, há métodos que podem ajudar a verificar a maior parte do conteúdo, principalmente para garantir que os vídeos de últimas notícias não sejam reciclados de incidentes anteriores. Existem numerosos guias já disponíveis on-line para verificação de vídeos, e muitos estão no Verification Handbook.
Este guia irá incluir algumas técnicas adicionais frequentemente usadas pelos profissionais do Bellingcat, incluindo maneiras de sobrepujar as limitações das ferramentas disponíveis. Veja o Bellingcat’s Guide to Using Reverse Image Search for Investigations (2019). Depois de ler este guia, saberá não apenas como usar todas as ferramentas, mas também como ser criativo e evitar becos sem saída.
Imperfeita mas útil: Pesquisa reversa de imagem
O primeiro passo para a verificação do conteúdo de um vídeo é o mesmo usado para verificar imagens: executar uma pesquisa reversa de imagem no Google ou outros serviços, como o TinEye. Atualmente, não existem ferramentas gratuitas que permitam a pesquisa reversa de um vídeo ou trecho de vídeo completo, a exemplo do que já se pode fazer com arquivos de imagens, mas quase tão efetivo quanto é fazer uma pesquisa reversa de miniaturas e capturas de tela. Os criadores de vídeos falsos raramente são criativos e, em sua maioria, compartilham um vídeo fácil de procurar, sem nenhum sinal óbvio de que não pertence ao incidente citado, como um rodapé de notícias ou uma faixa de áudio em idioma que não se encaixa no novo incidente. Por tudo isso, é relativamente fácil verificar a autenticidade de vídeos reciclados.
Existem duas maneiras de conduzir esta pesquisa. A primeira é capturar manualmente a tela do vídeo, preferencialmente, a primeira imagem ou momentos-chaves do clipe e, então, fazer o upload das telas para um serviço de pesquisa reversa de imagens, como o Google Imagens. A segunda é usar as miniaturas geradas pelo host do vídeo, na maioria das vezes, o YouTube.
Não existe uma forma fácil de determinar qual frame de um vídeo será selecionada automaticamente como miniatura, pois a Google desenvolveu um algoritmo complexo para que o YouTube selecione a melhor thumbnail do conteúdo. (Para mais informações, acesse, no Google Research Blog, o tópico deste assunto). Talvez, a melhor ferramenta para encontrar essas miniaturas seja o YouTube DataViewer, da Anistia Internacional, que gera as thumbnails usadas em vídeos no YouTube e permite a pesquisa reversa de imagem com apenas um clique.
Por exemplo, o agregador do YouTube, chamado de Action Tube, recentemente publicou um vídeo que supostamente mostraria um comboio de equipamento militar na Lituânia, mas sem prover nenhuma fonte. Ademais, não havia nenhuma indicação de quando o vídeo teria sido filmado, o que significa que pode ter sido ontem ou há cinco anos.
Se procurarmos este vídeo na ferramenta da Anistia Internacional, descobriremos a data e a hora exatas da publicação pelo Action Tube. A informação é acompanhada ainda de quatro miniaturas que podem ser usadas numa pesquisa reversa para descobrir o vídeo original.
Nenhum dos resultados nos dá um resultado direto sobre a fonte do vídeo original. No entanto, há um número considerável de resultados na terceira imagem que nos direciona a vídeos que já mostraram a mesma miniatura. Se clicar num desses vídeos, pode até não encontrar a thumbnail, devido ao recurso “Reproduzir a seguir", exibido no lado direito dos vídeos do YouTube, ser adaptado a cada usuário. No entanto, o vídeo com a miniatura foi apresentado nos resultados da busca do Google, o que significa que você pode encontrá-lo numa página em cache.
Novamente, nenhum dos cinco resultados são exatamente o vídeo original que estamos procurando, mas quando a Google guarda em cache a captura de tela, a thumbnail do vídeo original estava presente na página do vídeo. Quando vimos a página em cache do primeiro resultado, vemos a origem do vídeo publicado pelo Action Tube, com o título “Enhanced Forward Presence Battle Group Poland Conducts a Road March to Rukla, Lithuania”.
Agora temos todas as informações necessárias para rastrear o vídeo original e verificar que o vídeo do Action Tube realmente mostra uma recente ação de despacho de equipamento militar na Lituânia. Depois de pesquisarmos o título do vídeo encontrado no resultado da pesquisa reversa da thumbnail, encontramos seis uploads. Se os classificarmos por data, podemos encontrar o upload mais antigo, que serviu como material de origem para o Action Tube.
O que nos leva a um vídeo publicado em 18.jun.2017 — um dia antes do vídeo publicado pelo Action Tube, pelo Major Anthony Clas. Este é o mesmo vídeo compartilhado pelo Action Tube.
Se fizermos uma busca simples na página de quem compartilhou o conteúdo original, descobrimos que escreveu artigos para o site do Exército dos Estados Unidos sobre atividades da OTAN na Europa, demonstrando que ele é provavelmente um oficial de comunicação, credibilizando ainda mais o vídeo que publicou como fonte original do Action Tube.
A criatividade ainda é mais poderosa do que os algoritmos
Embora a busca reversa de imagem exponha muitos vídeos falsos, ainda não é a solução perfeita. Por exemplo, o vídeo abaixo, que tem mais de 45 mil visualizações, supostamente mostra um conflito entre soldados ucranianos e forças separatistas apoiadas pela Rússia, perto de Svitlodarsk, na Ucrânia ocidental. O título traduz-se como “Batalha no front de Svitlodarsk em Donbas (filmada da perspectiva das Forças Armadas da Ucrânia)”. Podemos ver um tiroteio e tiros de artilharia, enquanto os soldados parecem rir do desenrolar do conflito.
Quando inserimos o endereço do vídeo na ferramenta da Anistia Internacional, temos acesso à exata data e hora em que o vídeo foi publicado. A informação é acompanhada das thumbnails que podemos usar na pesquisa reversa.
Ao observarmos os resultados da busca, veremos que todos os vídeos foram publicados no mesmo período, dando a impressão de que o vídeo pode ser genuíno e mostrar realmente um conflito perto Svitlodarsk, em dez.2016.
No entanto, o vídeo é, na verdade, composto por imagens de um treinamento militar realizado pelo exército Russo em 2012.
Até o uso mais criativo das ferramentas de busca reversa do Google Imagens e da Anistia Internacional não mostrará o vídeo original nos resultados, exceto em artigos que descrevem o desmascaramento, após a propagação do conteúdo falso. Por exemplo, se procurarmos o exato título do vídeo original (“кавказ 2012 учения ночь” ou “Treinamento Noturno Kavkaz 2012”, sobre os exercícios militares de Kavkaz em 2012), junto à captura de tela do vídeo, iremos apenas encontrar o resultado de Svitlodarsk. A verificação deste conteúdo como falso requer uma das duas coisas: familiaridade com o vídeo original ou olhos (e ouvidos) aguçados para perceber que soldados rindo não correspondem a um suposto cenário de batalha em curso.
Então, o que se pode fazer? Não há uma resposta fácil, além de pesquisar com criatividade.
Uma das melhores formas de ser criativo nas buscas é tentar pensar pela perspectiva da pessoa que compartilhou o vídeo potencialmente falso. Como o exemplo acima, a risada dos soldados implica que talvez não se trate de uma batalha real, levando assim à pergunta: em qual circunstância soldados falando em Russo estariam filmando o incidente e rindo?
Se quisesse encontrar um vídeo assim, como pesquisaria? Seria provavelmente um vídeo noturno, pois assim teria menos detalhes para identificá-lo. Teria que procurar por cenas de batalha intensas ou espetaculares, mas não algo que fosse facilmente reconhecível para Ucraniânios ou Russos, que acompanham de perto a guerra em Donbas — então, um vídeo do exército da Rússia, Ucrânia ou Bielorrússia responderia bem a todos os requisitos, a não ser que encontrasse imagens de uma guerra em outro país dublado em Russo. Ao procurar em russo frases como “exercícios de treinamento” e “noite”, este vídeo seria o primeiro resultado. Se você não conseguiu chegar ao vídeo original, a melhor maneira de verificar este vídeo seria entrar em contato com a pessoa que o publicou.
Seja um Sherlock digital com um olho aguçado para detalhes
O uso de ferramentas digitais para verificação de conteúdo é, inerentemente, limitado, pois os algoritmos podem ser enganados. Os usuários geralmente usam truques simples para evitar a detecção através de busca reversa de imagem — invertendo o vídeo, mudando o esquema de cores para preto e branco, aproximando ou afastando o foco e assim por diante. A melhor maneira de verificar tais truques é ficar atento aos detalhes para ter a certeza de que os arredores do vídeo são consistentes com o incidente em questão.
Em 19.set.2016, vieram à tona denúncias de que o responsável por três explosões a bombas nas cidades de Nova York e Nova Jersey tinha sido preso em Linden, Nova Jersey. Algumas fotografias e vídeos emergiram de diferentes fontes, incluindo as duas abaixo, expondo o suspeito, Ahmad Khan Rahami, no chão, cercado por policiais.
O local exato da apreensão em Linden, NJ, não estava claro, mas era seguro presumir que as duas fotografias eram reais, considerando que ambas tinham sido tiradas no mesmo lugar e de ângulos diferentes. O vídeo incorporado abaixo também foi apresentado por um cidadão local. Claramente, o registro é real r foi exibido amplamente por vários veículos de comunicação durante o mesmo dia, mas como poderíamos realizar uma análise tão rápida para atestar a veracidade dele no meio de um situação de emergência?
Rapidamente, é possível descobrir onde Rahami foi apreendido ao analisar as duas fotografias. No canto inferior esquerdo da segunda imagem, vê-se uma propaganda com quatro números (8211) junto a fragmentos de palavras, como “-ARS” e “-ODY.” Pode-se também ver uma interseção com a autoestrada 619 nas proximidades, estreitando, assim, de forma mais precisa a localização. Ao procurar por um número telefónico com 8211 em sua composição, que seja de Linden, aparece como resultado o Fernando’s Auto Sales & Body Work, que resolve o mistério dos fragmentos “-ARS” e “-ODY” - das palavras Cars e Body (carros e corpo em inglês a loja e oficina automotivas). Podemos, adicionalmente, achar o endereço de Fernando’s Auto Sales & Body Work como 512E Elizabeth Ave in Linden, NJ.
Ao checar o endereço no Google Street View, podemos confirmar rapidamente que estamos no caminho certo.
Esquerda: Fotografia do suspeito sendo apreendido em Linden, NJ. Direita: Imagem do Google Street View para a mesma localização.
Em ambos os casos, das fotografias e dos vídeos em questão, o clima é o mesmo — nublado e úmido. Aos 26 segundos do vídeo, o motorista passa por uma placa que sinaliza “Bower St” e outra que diz “Highway 619”, o que nos dá uma localização geográfica para o cruzamento do endereço que descobrimos com as duas fotografias.
Uma olhada breve no Google Maps revela que a Bower Street se cruza com a East Elizabeth Ave, onde o suspeito foi apreendido, perto de uma loja de reparos automobilísticos (representada pela estrela amarela).
Se tivermos tempo, podemos afunilar ainda mais a localização do vídeo ao comparar detalhes no Google Street View com os da imagem.
Apesar de parecer muito trabalhoso dar cada um desses passos, o processo completo não demora mais do que cinco minutos se souber o que procurar. Se não dispor de acesso a testemunhas oculares que providenciaram o vídeo do incidente, verificar as imagens vai demandar apenas um olhar detalhista e algum trabalho braçal no Google Maps e no Google Street View. Verificar o material do vídeo deve ser parte da rotina de apuração de uma reportagem, tanto quanto compartilhar conteúdo nas redes sociais, pois errar nisso pode ser a maneira mais rápida de espalhar uma notícia falsa.
Discernir o sinal através do ruído
São necessários muito trabalho e habilidade para alterar digitalmente vídeos, pois precisam de ser adicionados ou subtraídos elementos sem que pareça artificial. Muitas vezes, vídeos são alterados não só para despistar os verificadores de fatos, mas também para evitar a detecção por algoritmos que buscam conteúdo protegido por Direitos Autorais. Por exemplo, filmes, séries de TV ou eventos esportivos ainda podem ser enviados ao YouTube com o vídeo espelhado, que permite assistir (embora o resultado seja estranho), mas que evita violações da Lei dos Direitos Autorais do Milênio Digital. A melhor maneira de detectar rapidamente se um vídeo foi espelhado é procurar por texto ou números, pois eles terão uma aparência estranha após serem invertidos.
A série de capturas de telas abaixo exibe cenas de um ataque no aeroporto de Domodedovo, em Moscou, no ano de 2011, forjadas como os ataques aos aeroportos de Istambul e Bruxelas. Alguns dos efeitos utilizados pelos falsificadores incluíam aproximar o vídeo, com zoom in em alguns segmentos, adicionar marcas de tempo falsas e mudar o esquema de cor para preto e branco. Ademais, logos extravagantes são frequentemente aplicados no canto superior do vídeo, dificultando ainda mais a pesquisa reversa de imagens.
Não há uma maneira fácil de detectar esse tipo de falsificação com ferramentas — é preciso confiar no senso comum e na pesquisa criativa. Como no vídeo do treinamento militar russo, utilizado como uma falsa cena de batalha, é preciso pensar em como alguém que cria vídeos falsos pesquisaria o material de origem. Buscar termos como “explosão aeroporto” ou “ataque terrorista CCTV” proverá imagens e cenas para usar, como o ataque ao aeroporto de Demodedovo, mais rapidamente do que testar capturas de telas na ferramenta de busca reversa do Google Imagens.
Não há solução milagrosa à vista
Muitos veem os avanços tecnológicos como uma solução futura contra conteúdos e notícias falsas, mas é difícil de imaginar qualquer método digital que torne possível verificar e descobrir vídeos e conteúdos falsos com a máxima precisão. Em outras palavras, uma corrida armamentista entre desenvolvedores e produtores semi-criativos de vídeos falsos é uma batalha perdida agora, exceto por controle restritivo e severo das políticas de publicação e compartilhamento em redes sociais e no YouTube. Enquanto “a caixa de ferramentas digitais” é importante para a verificação de conteúdo falso, a utilização criativa dela é ainda mais importante.
O artigo foi originalmente publicado no site do Bellingcat e foi publicado pela GIJN, com permissão.
Aric Toler é parte da Bellingcat desde 2015. Seu trabalho é focado na verificação da mídia russa, o conflito na Ucrânia Ocidental, a influência da Rússia na extrema direita dos Estados Unidos e da Europa e na investigação em andamento no MH17.
Tradução: Raquel Lima