Portal Radar Amazônico, de Manaus, afirma que vem sendo hostilizado em eventos da prefeitura
  • 21.11
  • 2022
  • 14:20
  • Abraji

Liberdade de expressão

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Portal Radar Amazônico, de Manaus, afirma que vem sendo hostilizado em eventos da prefeitura

Foto: reprodução da internet

O site Radar Amazônico, de Manaus, afirma que suas equipes estão sofrendo represálias por parte da prefeitura. Em um episódio, o prefeito David Almeida (Avante) ameaçou banir o portal de coletivas e mostrou a foto do repórter em evento de campanha de seu adversário político. O caso reabre um debate frequente durante os ciclos eleitorais: um gestor público pode impedir o trabalho de jornalistas que se manifestam sobre suas preferências políticas? 

Segundo o site, o clima de animosidade com a prefeitura piorou depois que foi reproduzida no portal uma reportagem do Metrópoles, de Brasília, sobre uma suposta aliança entre uma facção criminosa e o prefeito. Um relatório da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas sugere que a campanha de David Almeida teria destinado, em 2020, R$ 70 mil ao Comando Vermelho em troca de apoio político.

No dia 27.out.2022, David Almeida convocou uma entrevista para se manifestar sobre o caso. Negou envolvimento e sinalizou que processaria os envolvidos na denúncia. Ao ser interpelado pelo repórter Adriano Santos, que gostaria de fazer mais perguntas, o prefeito levantou da mesa e mostrou uma foto do jornalista com o então candidato a governador Eduardo Braga (MDB), adversário do governador reeleito Wilson Lima (União Brasil). E disse:

“Você é um teleguiado. Não venha fazer jornalismo do Bodó. Não leve para lama. Olha aqui você ao lado do Eduardo Braga. Você faz política na lama. Nós vamos banir vocês”.

O repórter disse que se sentiu agredido verbalmente e que tem o direito de, fora do horário de trabalho, longe da redação, expressar suas inclinações políticas. “Eu estava lá como jornalista e não misturo meu voto, minha vida pessoal, com a minha atividade”, destacou Santos.

A reação do repórter do Radar Amazônico às declarações do prefeito foi criticada por blogueiros locais. Nas imagens, é possível ver que o jornalista, sob vaias, é cercado e acusa a imprensa local de ser parcial e receber dinheiro da gestão municipal.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas do Amazonas divulgaram uma nota na qual criticam a atitude do prefeito e dos sites que não apoiaram o Radar Amazônico:

“Como motivo de preocupação ao pleno exercício da profissão e à ética jornalística no relacionamento que deve existir entre os colegas de profissão, nas imagens registradas ficam evidentes a tentativa de intimidação ao repórter Adriano Santos, realizada por representantes de outros veículos de comunicação, entre os quais destaca-se uma proprietária de portal que, depois de intimidar o repórter, ainda produziu informações afirmando que teria sido agredida como mulher”.

Em outro episódio, uma equipe do Radar Amazônico afirma ter sido expulsa duas vezes durante a cobertura de uma reunião fechada da Secretaria Municipal de Educação (Semed). Em uma transmissão, o repórter João Paulo Castro entrevista professores revoltados com o Executivo e faz comentário irônico:

“Qual é o medo? Por que que não há transparência em tudo que tá (sic) sendo feito na rede municipal de educação aqui da nossa cidade, hein, meu querido prefeito David Almeida”? 

Any Margareth, dona e colunista do portal, fundado em 2013, admite que tem suas preferências políticas desalinhadas com o prefeito e que frequenta ambientes de políticos rivais. No entanto, afirma que seu comportamento não a impede de reportar os casos com seriedade. "Se denunciar governos e prefeituras é fazer jornalismo enviesado, então fazemos desde que o Radar nasceu, porque os políticos sempre nos acusaram de estar a serviço de alguém”. 

Ela denunciou à polícia que recebeu diversas ameaças anônimas e que chegou a ter a casa invadida.

Atualmente o site emprega 10 jornalistas, entre repórteres, cinegrafistas, editor de imagens e de mídias sociais. “Minha empresa, como qualquer veículo de comunicação, faz contratos com empresas, agências de publicidade e órgãos públicos, e está toda regular, não devemos impostos, nem temos processos trabalhistas ou fomos denunciados por qualquer irregularidade”.

Procurada pela Abraji por email e mensagens de texto por mais de duas semanas, a assessoria de imprensa do prefeito declarou que não se manifestaria sobre os dois casos.

O que diz a lei

Para Leticia Kleim, assessora jurídica da Abraji, do ponto de vista constitucional, jornalistas não podem ser impedidos de cobrir um evento público convocado por um gestor público.

“Qualquer pessoa que se sentir moralmente atingida por uma reportagem pode buscar reparação judicial. Mas subir o tom com ameaças de impedir a presença de um repórter é, no nosso entendimento, uma violação à liberdade de imprensa. Além desse direito, ainda é colocado em xeque o direito fundamental de acesso à informação, que também não pode ser restringido em razão do profissional expor sua opinião política”, afirma Kleim.

Samira de Castro, presidente da Fenaj, pondera que o tema é oportuno e complexo, revelando muitas assimetrias entre as empresas jornalísticas e as redações. 

“Temos um caso aqui no Ceará em que um empresário da comunicação se manifestou em suas redes sociais ou por meio de editoriais sobre sua preferência política. Mas, em outro momento, chegou a mandar manuais de conduta orientando os funcionários a se abster de discutir políticas em suas redes, não usar adesivos em carros estacionados na empresa, não vestir roupa com cores associadas a partidos ou participar de atos de campanha, o que depois foi considerado abuso pelo Ministério Público do Trabalho”.

Para a representante da Fenaj, o jornalista é um ser político, tem suas preferências. E que a opinião pessoal não interfere se ele/ela agir de maneira ética na cobertura dos fatos, se ater ao interesse público e à veracidade das informações. “O sujeito não pode ser anulado por conta da atividade que ele exerce, mas a atividade que ele exerce tem uma responsabilidade que requer, acima de suas preferências pessoais, que ele nunca falte com a realidade factual”, avalia.

O professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e jornalista Rogério Christofoletti, especializado no estudo da ética no jornalismo e crítica de mídia, lembra que jornalistas também são pessoas comuns, que têm seus times de futebol e suas preferências políticas: 

“É claro que essas condições não podem interferir no seu trabalho, de modo a privilegiar um lado em detrimento de outro. O que está em jogo são duas coisas: o equilíbrio da cobertura e a independência do jornalismo. Para se preservar de alguma cobrança externa, é comum que os jornalistas não revelem essas escolhas”. 

Na visão de Christofoletti, dizer ou não dizer é o que menos importa: 

“O que vale mesmo é o compromisso desses profissionais em fazer o seu trabalho com rigor e distância, e o que importa é a sua vontade de atuar de acordo com a expectativa pública de isenção. Se uma repórter é simpatizante de partidos de direita, isso não deve impedi-la de ouvir fontes dos demais partidos envolvidos no mesmo assunto. Se um colunista é são-paulino, não deve ser complacente em sua crítica ao clube, quando necessário e justo”.

Outro ponto importante é que o contexto atual mudou radicalmente a maneira pela qual o jornalista interage com a sociedade. “As redes sociais têm permitido que jornalistas manifestem suas preferências em política e outros assuntos. É um ganho público de transparência, mas ele vem associado com uma certa vigilância e até mesmo perseguição a esses profissionais”, complementa.

Na mesma direção da Fenaj e da Abraji, o professor entende que autoridades e órgãos não podem pressionar ou cercear o trabalho desses jornalistas se suas preferências colidem com seus interesses:

“Essas fontes públicas têm obrigação de se abrir aos públicos, independentemente de como eles se posicionam politicamente. Essas autoridades e órgãos precisam também ser transparentes com a sociedade. Pelo menos é o que se espera num contexto democrático”.

Uma fonte ouvida pela Abraji afirmou, em sigilo, que essas situações se tornam mais complexas no Amazonas porque há muitos sites, não apenas na capital, que se autodenominam independentes e que fazem jornalismo investigativo, mas, que, na verdade, não cumprem as regras básicas de uma atuação profissional e são financiados por determinados grupos políticos.

“Não estou dizendo que é o caso abordado aqui e que isso justifica um veto à presença de determinado veículo em coletivas. Esse direito está garantido por lei. O que me preocupa é a tensão permanente da imprensa aqui, porque muitos blogues fazem matérias mal-apuradas, repórteres e colunistas apelam para uma linguagem excessivamente provocativa e debochada. Muitos blogues ficam reféns dessa ligação político-partidária, e podem ser punidos ou favorecidos pelos poderes locais”.


 

Assinatura Abraji